domingo, 15 de abril de 2012
sábado, 14 de abril de 2012
Poesia
M. H. Vieira da Silva
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Carlos Drummond de Andrade
Para 6ªf., dia 13, até nem foi nada mau!
Hokusai
- Não estive atafulhada de trabalho "para ontem";
- Os meus alunos do 10º ano leram um soneto de Camões, concentrados e em completo silêncio;
- Choveu, o que é muito necessário;
- Uma aluna disse-me que gostava das flores que ponho no meu blogue (não, não era graxa!);
- Olhei, em sossego, as árvores antigas através das janelas modernas da escola;
-Falei com um amigo que já não via há uns tempos;
-Vim almoçar a casa e organizei mais umas coisas, sentindo que me vou despojando do supérfluo;
... e fiz outras tantas coisas, simples e sem grande importância, mas, sem as quais, o dia pareceria 6ªf, dia 13!
sexta-feira, 13 de abril de 2012
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Programa interessante para o dia a seguir a 6ª f., dia 13
Vi na Agenda de O PORTO COOL gostei da ideia e transcrevi:
SÁB 14 ABR
@ Baixa do Porto
Bairro dos Livros
A partir das 14:30
+info: http://bairrodoslivros.wordpress.com
Bairro dos Livros
A partir das 14:30
+info: http://bairrodoslivros.wordpress.com
Mais de 30 livrarias da baixa da cidade unem-se num espaço emocional
criando uma rede de livreiros e alfarrabistas que visa a partilha de
conhecimento, de celebração do livro e do leitor e de programação
cultural para todos os públicos. Chama-se Bairro dos Livros esta
Iniciativa a repetir todos os segundos sábados de cada mês.
Programa do próximo sábado, 14 de Abril:
Abertura
14h30 :: Palacete dos Viscondes de Balsemão
Intervenções: Antero Braga + Valle de Figueiredo + Germano Silva + Luís Cabral + Maria Deolinda Cardoso
Performance: Violoncelo – Ricardo Tauber + Barítono – José de Eça
Oficina Infantil: “Se eu fosse um livro” – Por “Aventuras Urbanas”
16h00 :: Porto d’Honra + Mostra bibliográfica – Por livreiros aderentes
14h30 :: Palacete dos Viscondes de Balsemão
Intervenções: Antero Braga + Valle de Figueiredo + Germano Silva + Luís Cabral + Maria Deolinda Cardoso
Performance: Violoncelo – Ricardo Tauber + Barítono – José de Eça
Oficina Infantil: “Se eu fosse um livro” – Por “Aventuras Urbanas”
16h00 :: Porto d’Honra + Mostra bibliográfica – Por livreiros aderentes
Flashes Poéticos
16h30 :: Livraria Vieira – Jorge Velhote – Rua das Oliveiras, 14 – 16
17h00 :: Livraria Lumiére – Poesia de Choque- Travessa de Cedofeita, 64 A
17h30 :: Padaria Ribeiro – Guitarra de Filipe Brito – Pr.Guilherme G.Fernandes, 21
18h00 :: INCM – Portugal Poético – Pr. Gomes Teixeira n.º 1 a 7 – Leões
18h30 :: Paraíso do Livro -Col. Lourdes dos Anjos – Rua José Falcão, 214
19h00 :: Livraria Lello – Col. Suzana Guimaraens – Rua das Carmelitas, 144
16h30 :: Livraria Vieira – Jorge Velhote – Rua das Oliveiras, 14 – 16
17h00 :: Livraria Lumiére – Poesia de Choque- Travessa de Cedofeita, 64 A
17h30 :: Padaria Ribeiro – Guitarra de Filipe Brito – Pr.Guilherme G.Fernandes, 21
18h00 :: INCM – Portugal Poético – Pr. Gomes Teixeira n.º 1 a 7 – Leões
18h30 :: Paraíso do Livro -Col. Lourdes dos Anjos – Rua José Falcão, 214
19h00 :: Livraria Lello – Col. Suzana Guimaraens – Rua das Carmelitas, 144
Rotina
Durante cinco anos, sempre que ia à varanda ou à janela, pelas oito e meia da manhã ou pelas cinco da tarde, via uma vizinha a passar, seguindo sempre o mesmo percurso. Eu pensava que não conseguiria. Teria, pelo menos, de, de vez em quando, seguir outro caminho. Em vez de virar sempre para o mesmo lado da rua, inverteria o sentido para ser diferente.
Porém, gosto muito da rotina: dos afazeres diários, de ir ao mesmo cabeleireiro, de encontrar os mesmos vizinhos, de fazer as compras no mesmo supermercado, colocar os lixos nos mesmos contentores ...
Para não falar do prazer em chegar a casa da minha mãe e sentir o cheiro dos goivos e das outras flores que vejo há tantos anos! Para não falar também da escola onde entro quase todos os dias e há muitos anos e que, para já, ainda não me cansou, apesar de haver dias mais e dias menos (felizmente bem menos).
Mas, mesmo assim, vario os percursos. Faço-o sem pensar. Ou por rotina?
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Baile Da Paróquia
Botero
Fui ao baile da paróquia
Por alturas do São Pedro
Levei a minha lambreta
E o meu velho blusão negro
Pus calças americanas
Coçadas e muito justas
Calcei botas alentejanas
E cosi um dragão nas costas
Punham só Gianni Morandi
Nelson Ned e Marissol
Fui ter com o disc-jockey
Encomendei rock and roll
Fui buscar a paroquiana
Mais bela da diocese
Era tão pura e singela
Que até dava catequese
Fui ao baile da paróquia
Lá para os lados de Valbom
Ensinei-lhe a dançar shake
Pus a pista em alvoroço
Quando fomos dançar slow
A bela não me deu troco
Puxei-lhe o braço com força
Fiz uma cena de macho
Estavam lá os irmãos dela
Levei um arraial de facho
Vim de lá feito num oito
Com a poupa esfrangalhada
E não me valeu de nada
Dizer que era baterista
Já ninguém mais tem respeito
Pelos excessos dum artista
Fui ao baile da paróquia
Lá para os lados de Valbom.
Por alturas do São Pedro
Levei a minha lambreta
E o meu velho blusão negro
Pus calças americanas
Coçadas e muito justas
Calcei botas alentejanas
E cosi um dragão nas costas
Punham só Gianni Morandi
Nelson Ned e Marissol
Fui ter com o disc-jockey
Encomendei rock and roll
Fui buscar a paroquiana
Mais bela da diocese
Era tão pura e singela
Que até dava catequese
Fui ao baile da paróquia
Lá para os lados de Valbom
Ensinei-lhe a dançar shake
Pus a pista em alvoroço
Quando fomos dançar slow
A bela não me deu troco
Puxei-lhe o braço com força
Fiz uma cena de macho
Estavam lá os irmãos dela
Levei um arraial de facho
Vim de lá feito num oito
Com a poupa esfrangalhada
E não me valeu de nada
Dizer que era baterista
Já ninguém mais tem respeito
Pelos excessos dum artista
Fui ao baile da paróquia
Lá para os lados de Valbom.
Carlos Tê/Rui Veloso
"Programas escabrosos"
Há dias, uma diseuse de poesia mostrava-se muito satisfeita por ser convidada para, em lares de idosos, dizer poemas. E dizia alto e bom som: é uma maneira de afastar os velhos dos programas escabrosos que passam na televisão.
De facto, muitos desses programas de longas manhãs e tardes, têm largas audiências por não haver muitas alternativas para quem os vê. Alguns dos apresentadores falam aos berros, muitos convidados só contam desgraças, o diálogo estabelecido com os espectadores é básico e oco...
Botero
Às vezes, também as pessoas que estão no estúdio têm de fazer movimentos que nem ao diabo lembra. É costume haver no público muitas mulheres já com bastante idade. Claro que é melhor estarem lá do que em casa, de roupão, a morrer de solidão e tristeza, mas, no regresso a casa, pouco sobrará para contar. Se houver a quem contar.
Não sei que poemas a tal diseuse tem partilhado, mas não o deve ter feito aos berros nem deve ter escolhido palavras de desgraça. E pode ser que ajude a encontrar alternativas mais felizes.
"Eu amo-te"
Ah-nuld, o macaco
Durante
os últimos dez anos tenho orientado passeios ecológicos e de vida
selvagem na Costa Rica. Embora tenha tido inúmeros encontros
hilariantes com macacos, preguiças, jaguares e outros animais exóticos
da floresta tropical, há uma viagem que se destaca entre todas — quando o nosso grupo teve o privilégio de testemunhar um acontecimento verdadeiramente extraordinário.
Nessa
viagem em particular, o nosso grupo de entusiastas da vida selvagem
incluía Jim e o seu filho adolescente Andy. Pai e filho não eram o que
podemos chamar de clientes típicos. Jim era um antigo militar de modos
austeros, nos seus cinquenta e muitos anos, que não falava muito, mas
que parecia entrar frequentemente em confronto com o filho. Eu tinha
pena de Andy, cujo entusiasmo pela aventura chocava com a carapaça dura
e modos controladores de Jim. Uma vez, Jim chegou mesmo a ser rude com
ele, puxando-o asperamente pelo braço quando Andy se deixou ficar para
trás tentando apanhar uma rã venenosa de cor vermelha e azul. Ninguém
proferiu palavra, mas quase todos os do grupo passaram a evitar Jim
depois desse episódio.
Tentei
passar um tempo extra com Andy. Ele confessou-me que estava morto por
ver um jaguar. Então esgueirávamo-nos, tarde na noite, já depois de
todos terem ido para a cama, para ir procurar rãs e outros animais
noturnos. Era o nosso pequeno segredo.
Mais
ou menos a meio da viagem, numa área remota do Parque Nacional do
Corcovado, o nosso grupo encontrou um bandode vinte macacos capuchinho
de cara branca e parámos para observar. Os capuchinhos de cara branca
são frequentemente usados em filmes, porque são extremamente espertos e
têm um comportamento muito semelhante ao dos humanos. Mas embora estes
macacos sejam, por norma, bastante amistosos e sociáveis, este bando
incluía um macho alfa, que era invulgarmente agressivo. Era muito
territorial e até ao final da tarde já tínhamos presenciado várias
escaramuças violentas. Quando algum dos outros macacos se aproximava
demasiado, ele corria em direção aos outros arreganhando os dentes,
chegando mesmo a embater contra eles. Pusemos-lhe a alcunha de Ah-nuld,
em homenagem a Arnold Schwarzenegger.
Mantendo
uma distância respeitosa, seguimos o bando de macacos à medida que
eles iam pilhando através da floresta, parando ocasionalmente para se
regalar com figos maduros que pendiam de algumas árvores. Na retaguarda
do bando encontrava-se um macaquinho bastante jovem, que não teria
mais de 1 metro de altura, cuja mãe andava já a ensinar-lhe como trepar
aos ramos e seguir os outros. De quando em quando, a mãe conseguia
levá-lo do tronco de uma árvore mais larga até um ramo mais afastado.
Isto era o mais difícil de fazer para o macaquinho. Parava,
choramingava, recuava e avançava, analisando qualquer outra opção antes
de finalmente dar o salto para além do tronco. O nosso grupo batia
palmas entusiasticamente sempre que ele conseguia.
Depois
de algum tempo, o macaquinho começou a ficar cansado e a deixar-se
ficar para trás. Quanto mais afastado ficava, mais alto ele
choramingava e gemia, para conseguir a atenção da mãe. Esta parava e
esperava por ele, mas nunca voltou para trás. Finalmente, o macaquinho
bebé chegou a uma árvore grande, que era demasiado larga para ele
conseguir ultrapassar. O seu choro tornou-se cada vez mais alto até
que, por fim, a mãe recuou uns passos e permitiu que ele usasse as suas
costas como uma espécie de ponte. Uma vez a salvo o filhote, ela
continuou na retaguarda do bando, com o pequeno macaco cansado, ainda a
choramingar, agarrado fortemente às suas costas.
Mas o choro continuou, cada vez mais alto e irritante, até que despertou a atenção do macho alfa que liderava o bando —
o terrífico Ah-nuld. Arreganhando os dentes e silvando furiosamente, o
grande macho dirigiu-se para a mãe e a cria, deitando fogo pelos
olhos. Aquela assumiu uma postura defensiva e emitiu um forte rosnado.
Todos nós suspendemos a respiração, sem saber o que Ah-nuld iria fazer,
mas esperando o pior.
Quando
Ah-nuld se abeirou de mãe e do filhote, a sua face suavizou-se. Olhou
diretamente para o macaquinho bebé, como se o visse pela primeira vez.
De seguida, Ah-nuld acercou-se da cria aterrorizada, tomou
delicadamente a minúscula cara do bebé entre as mãos e depositou-lhe um
beijo na testa. O bebé parou de chorar imediatamente. Ah-nuld ficou
ali, embalando suavemente a cabeça do macaquinho, e afagando-lhe
amorosamente o pelo com os dentes.
Imagem retirada da net
O
nosso grupo deixou escapar um suspiro coletivo de alívio. Estávamos
tão rendidos à ternura do momento que quase não nos apercebemos de Jim,
o nosso Ah-nuld, a soluçar discretamente. Ninguém disse uma palavra,
talvez por delicadeza, embora eu suspeite que, lá no fundo, todos nós
ficámos felizes ao vê-lo amolecer um pouco. Sussurrando com entusiasmo,
fizemos o percurso de regresso à cabana. Depois do jantar, sentei-me
com Jim e alguns outros na varanda, a balançar nas redes e a escutar os
sons da floresta tropical, tão lindos e variados como se de uma
sinfonia se tratasse.
A
paz foi quebrada quando Andy se dirigiu para o alpendre e Jim se
esticou para agarrá-lo, segurando bruscamente o braço do rapaz. Andy
ficou tenso. O coração caiu-me aos pés, pois estava à espera de outra
luta entre os dois. Todos os olhares se fixaram ansiosamente no pai e
no filho. Então Jim puxou Andy até ele, deu-lhe um abraço e disse
“Estou tão feliz por estarmos a fazer esta viagem juntos! Sempre quis
que tivesses uma experiência deste tipo. Andy, eu sei que muitas vezes
nem te dás conta, mas eu amo-te.” Chocado, Andy olhou para o pai, como
se fosse a primeira vez que o tinha ouvido dizer “Eu amo-te”. Mais
tarde, viemos a saber que efetivamente assim era.
Josh Cohen
Jack Canfield; Mark Victor Hansen; Steve Zikman
Chicken soup for the nature lover’s soul
Florida, HCI, 2004
(Tradução e adaptação)
terça-feira, 10 de abril de 2012
Aprendi agora esta palavra: nomofobia
Pelos vistos, nomofobia é o receio de privação do uso do telemóvel.
Nomofóbica não sou, mas gosto de saber que tenho comigo o telemóvel, em caso de precisar dele. Porém, ponho o som tão baixo que muitas vezes nem o oiço.
É que faz-me impressão o toque estridente do telemóvel em locais de lazer, em qualquer reunião, no comboio, em cerimónias religiosas, no restaurante, em sala de espera, em casamento, em funeral...
Muitas vezes, as pessoas pegam no telemóvel e saem, atrapalhadamente, a correr do local, enquanto ele vai lançando sons cada vez mais agudos. Outras vezes, não saem do sítio, olham atentamente o visor para identificar quem chama e só um tempinho depois é que atendem, sem reparar sequer no frete que estão a causar às pessoas.
Recordo-me que uma vez pensava com prazer na viagem de comboio Lisboa-Porto. Poderia ler, olhar a paisagem, descansar, pôr algumas ideias em ordem... O que me esperava, porém, eram alguns companheiros de carruagem a pôr chamadas telefónicas em dia. Ele eram negócios, ele eram conversas de família... diálogos infindáveis que só os surdos não ouviriam e só os santos não achariam castigo.
Uma outra vez, encontrava-me num hotel no Douro. Sentei-me ao sol, tendo o céu azul e o verde das vinhas sonhadamente perto. Até apetecia respirar fundo e agradecer a maravilha. Daí a nada, foram chegando mais pessoas. Uma delas fazia anos e começou a contactar, via telemóvel, a família e amigos. Como se não bastasse, outras tantas chamadas recebia. Quando o telefone tocava, eu só dizia: não é possível!
Assim sendo, estaremos rodeados de nomofóbicos? Ou será uma maneira de afastar o toque de outras fobias?
Ela disse: é ouro!
A chuva começou a cair. E ela, que planta as couves, as alfaces... que semeia a salsa, as ervilhas, as favas... vendo a chuva a cair, disse: é ouro que vem do céu.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Tal como cães
Há dias, ouvi que uma mulher idosa foi mortalmente colhida numa autoestrada. No entanto, o acesso a peões foi considerado impossível. Nesse mesmo dia, ouvi uma atriz referir, com revolta, os velhos que são deixados nas estradas.
Lembrei-me dos cães que são abandonados nesses espaços de alta velocidade. Para não mais regressarem.
Os velhos. Tal como cães.
Todos os dias, concluimos coisas e começamos outras
Isto passa-se com as pequenas coisas ou com tarefas de maior relevância. Dizemos: hoje, vou fazer esta parte; depois, começo outra. É como ir arrumando algumas gavetas. E como é bom quando se conclui a arrumação e aquele espaço fica mais organizado. Até se encontram coisas que há muito se julgavam perdidas.
É como pôr nova terra num canteiro para nascerem novas flores.
Os dias são ciclos que vamos mantendo, concluindo coisas e reiniciando outras. E, neste processo, é mágico olhar à nossa volta e ver imagens que também julgávamos perdidas.
Ainda que saibamos que há sempre gavetas que continuam por arrumar.
Um brinde aos "noivos"
Brindámos aos noivos de há sessenta e quatro anos. Nesse ano, no dia 8 de abril, casaram-se. Ele, elegante, de fato preto; ela, elegante também, de fato branco e um ramo de jarros de mimosa brancura.
Foram viver para uma casa pequenina. Não perguntei, mas de certeza que havia lugar para flores. Nem que fosse em vasos.
Gosto de ver a fotografia desse dia em que os meus pais se casaram. Ambos jovens e risonhos.
Ontem, brindámos ao seu casamento de mais de seis décadas.
Eles falaram da vida que iniciaram em comum com muito poucas coisas.
Já ficou combinado: quando celebrarem sessenta e cinco anos de casados haverá festa. Oxalá continuemos todos a sorrir, mesmo com as diferenças que vão vincando os rostos.
domingo, 8 de abril de 2012
PÁSCOA
Hokusai
Um dia de poemas na lembrança
(Também meus)
Que o passado inspirou.
A natureza inteira a florir
No mais prosaico verso.
Foguetes e folares,
Sinos a repicar,
E a carícia lasciva e paternal
Do sol progenitor
Da primavera.
Ah, quem pudera
Ser de novo
Um dos felizes
Desta aleluia!
Sentir no corpo a ressurreição.
O coração,
Milagre do milagre da energia,
A irradiar saúde e alegria
Em cada pulsação.
Miguel Torga: Poesia Completa
sábado, 7 de abril de 2012
Os meus óculos partiram-se e o mundo ficou menos nítido
Mas será que o mundo está menos nítido ou será da falta dos óculos?
Pus uns óculos mais antigos que às vezes utilizo, porque ainda vejo bem com eles. Ou melhor, via, porque, apesar de o mundo se tornar mais nítido, ainda tem pouca nitidez.
Que chatice, em ano sem subsídio, vou ver de comprar novos óculos.
Mas será que o mundo está baço apenas porque não vejo bem sem óculos?
No entanto, estou a escrever com os óculos que usei durante uns anos.
Será que o mundo foi ficando mais baço ou o problema é só da minha vista?
Não posso responder claramente porque parti os meus óculos.
Hoje mesmo, vou tentar arranjar novos óculos.
Na esperança de ver que o mundo não perdeu nitidez e o problema é só da minha vista.
Será?
Um dia
Monet
Um dia, mortos, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados, irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais, na voz do mar,
E em nós germinará a sua fala.
Sophia de Mello Breyner
sexta-feira, 6 de abril de 2012
PIETÁ
Pietá -Michelangelo
Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.
Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.
Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;
Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.
Miguel Torga, Poesia Completa,
Lisboa, Publicações
Dom Quixote, 2000, pág. 117.
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