segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
sábado, 17 de dezembro de 2011
A boneca
Gosto de bonecas de trapos. Lembram-me a minha infância e pode ser um presente bonito para crianças, juntando-lhes uma estória.
Lembro-me de uma boneca que tive quando era pequena. Poucas meninas tinham bonecas de celulóide, como dizíamos, e
menos eram as que as levavam ao hospital quando um bracinho sou uma perna se partiam, etc.
Eu tinha uma de papelão. Um
dia, esqueci-me dela lá fora durante a noite. Veio uma chuvada e a boneca desfez-se. A
minha mãe viu-me triste e fez-me uma de trapos. Se calhar é por isso que
eu gosto de as ver nascer também das minhas mãos.
Sei, porém, que a vida nunca se
repete.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Sentidos/sensações
IA
Prelúdio de Natal
Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas
Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas
Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas
a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas
A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas
David Mourão-Ferreira
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Quando o homem/a mulher quiser
Júlio Resende
Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em dezembro
Mas em maio pode ser
Natal é em setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em dezembro
Mas em maio pode ser
Natal é em setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em dezembro
Mas em maio pode ser
Natal é em setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em dezembro
Mas em maio pode ser
Natal é em setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
José Carlos Ary dos Santos
Rumo
Manet
E ele disse:
Nunca mando a minha filha fazer nada. Eu digo-lhe: queres
vir dar uma ajuda no quintal ou estudar? Ela diz sempre que prefere estudar. Vai
para o quarto e fica lá horas. Depois, pergunto-lhe se estudou e ela diz-me que
sim. É claro que não vou ver, porque ela já sabe mais do que eu. Quando chega a
casa da escola, pergunto-lhe sempre: correu tudo bem? Ela responde-me sempre que sim. É verdade que
não lhe faço mais perguntas. Ela não gosta e diz que não responde a
interrogatórios.
Por isso, achava que estava tudo bem e que nem era preciso
vir à escola. Para mais, ela disse-me que a senhora tem sempre vários pais para
atender e o tempo é pouco! Eu não gosto de incomodar. Nunca gostei. E afinal,
só cá estou eu! E veja-me bem isto: negativas, faltas de material, faltas às
aulas… Que desgosto. E logo agora que estou desempregado e a minha sogra veio
lá para casa porque não podia pagar a renda da casa.
Quando chegar a casa, vou ter uma conversa com ela. Ela nem
sabe o que lhe vai acontecer. Fique descansada, senhora professora, porque as
coisas vão mudar. Ela vai ver com quantos paus se faz uma canoa.
Desculpe, está o telefone a tocar. Posso atender? Obrigada.
Diz, filha, onde estás? Está bem, está bem, eu digo.
Pronto, não te enerves. Sim, claro que acredito em ti.
Senhora professora, desculpe, mas a minha filha diz que a
senhora não gosta dela. E eu sei que ela não mente. São as companhias que
estragam tudo. A senhora tem de reparar melhor no que se passa na sala de aula.
E não acha que tem de ser mais compreensiva? A minha filha é uma adolescente. A
senhora está a esquecer-se disso. Os professores também não erram? E também não
têm filhos?
Oh, outra vez o telefone.
Sim, sim, filha, vou já. Tem calma. Não demoro nada.
Esta minha filha é terrível. Quer ver os Morangos com
açúcar. Desculpe, senhora professora, tenho de ir, senão ela fica chateada e eu
é que tenho de a aturar; já me basta a minha sogra a dar-me cabo da cabeça por
tudo e por nada.
Mas, peço-lhe, tente ajudá-la. Tenho tanto medo que ela vá
por maus caminhos. A gente ouve tantas coisas. Desculpe, tenho de ir; o
telefone está a tocar outra vez. Eu vou e assim faço-lhe a vontade, mas não
pense que a minha filha manda em mim…
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Estrelas
O homem está na lama e os olhos nas estrelas
Shakespeare
Ouvir Estrelas
Ora ( direis ) ouvir estrelas!
Certo, perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouvi-las,
muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto
E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? "
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Hoje
Cézanne
Encontraram-se
por acaso. Ele estava como sempre estava: contestatário, crítico, mordaz…
Os professores
da faculdade onde entrara revelavam pouca vontade de dar o seu melhor. Referiu
o que não gostava. E a cadeira que o agarrava mais.
Ela olhava-o,
vendo o ex-aluno do secundário a escrever poemas que sabia não ganharem alguns
concursos, a contestar conteúdos lecionados; a revoltar-se com malabarismos
entre o dizer e o fazer; a argumentar sobre o estado do mundo…
E a voz da
julgada experiência falou: para além de tudo, tens de pensar na tua vida e no
teu futuro.
Pois, e o
presente?
Cais
Monet
Ténue é o cais
no Inverno frio.
Ténue é o voo
do pássaro cinzento.
Ténue é o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
Ténue é o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exatos por dentro.
Fernando Namora, in 'Marketing'
Por Todos os Caminhos do Mundo
A minha poesia é assim como uma vida que vagueia
pelo mundo,
por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
num jardim nocturno,
ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.
Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.
Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia,
com a minha noite que nem sempre é noite
como a alma quer.
Não sei caminhos de cor.
Fernando Namora, in 'Mar de Sargaços'
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