segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Diário de Mariana

Querido diário,

Já te escrevi hoje mas apeteceu-me falar contigo outra vez. É que sonhei que a minha mãe entrou no quarto de manhã cedo para me chamar. Ao contrário das minhas irmãs, eu nem com o despertador acordo. Só com a voz da minha mãe. Ela diz muitas vezes: Mariana, põe os olhos nas tuas irmãs. Nunca tive de as chamar para irem para a escola. E olha que foram sempre pontuais. Eu espreguiço-me e digo: minha querida mãe, não é correto fazeres comparações. Não vês que posso ficar traumatizada? Estendo-lhe os braços, ela diz derretida: Mariana, estás tão quentinha e ficamos um bocadinho abraçadas a falar. E assim saboreio mais uns minutinhos o calorzinho da cama. A minha mãe diz-me muitas vezes fixando-me com os olhos matreiros: tu sabes bem levar-me, sua marota!

Quando eu nasci, as minhas irmãs já eram muito crescidas. A minha mãe, muitas vezes, olha para mim e diz-me com ar feliz e meigo: Mariana, mesmo tarde, que bom teres vindo ao mundo.

Um dia, fomos lanchar a uma confeitaria que não conhecíamos. A minha mãe pediu um sumo de laranja natural e, mesmo antes de eu falar, a rapariga que nos atendeu perguntou: e para a netinha? A minha mãe parece não gostar de brincadeiras mas até gosta e respondeu a fingir-se muito séria: para a netinha é também um sumo e uma natinha.

Nesse dia, a minha mãe queria comprar-me uns sapatos. Que seca. E eu que só gosto de sandálias e de sapatilhas. Pra mais, em duas sapatarias disseram quando entramos: que cabelo forte. Já nem há.

Vou mas é tentar não estragar o calçado para não ter de entrar daqui a pouco outra vez numa sapataria. Nem me conheciam e toca logo a falar do cabelo. Vão pentear macacos.

Um xi-coração, meu grande amigo.

Mariana

Diário de Mariana

Querido diário,

12 de setembro

Eu sei que a partir de hoje muitos alunos e professores começam a ir para a escola. Eu ainda vou ficar mais uns dias. Que bom. Pra mais a escola está toda em obras. Vamos ter aulas em contentores. Que seca. Até já ouvi dizer que a gente vai ouvir o que se passa na sala ao lado. Se ao menos forem assuntos de que eu goste… O pior é se são coisas que eu detesto. Ou se os professores se passam por causa do barulho de fora e de dentro. Coitados, não queria estar na pele deles. E alguns já são um bocado cotas. Quando as minhas irmãs andavam na escola e tinham as aulas de apresentação, a minha mãe perguntava: então, como são os vossos professores? E elas: já têm uns quarenta e tal anos. A minha mãe dizia com ar crítico: Já?! Tenho tido profs fixes e já cotas. Eu sei que agora as minhas irmãs já não reparavam nisso porque, como a minha mãe diz, a vida vai passando e a gente vai evoluindo.

O que me interessa é que hoje ainda continuo de folga. Bem preciso. Daqui a dois, dias lá tenho, de manhã cedo, a minha mãe à pega: Mariana, levanta-te, são horas de ires para a escola!

Até amanhã, meu grande amigo

Mariana

domingo, 11 de setembro de 2011

Diário de Mariana

11 de Setembro

Hoje, uma das minhas irmãs mais velhas (eu sou a mais nova e muito mais nova) disse-me que tinha visto as páginas do meu diário e que tinha gostado. Fez-me foi um reparo: que eu estou muitas vezes chateada ou triste. Quase nunca estou de acordo com as minhas irmãs, mas acho que desta vez ela tem razão.

Não é para lhe fazer a vontade, mas hoje estou mesmo contente. Ontem fui a um casamento e cantei karaoke. Acho que ainda não disse, mas gosto muito de cantar. A minha mãe virou-se para mim, na mesa, e disse: Mariana, por que não vais cantar?Tu gostas tanto. Eu estava naquela de pensar que ninguém me estava a ver porque os adultos só olhavam uns para os outros.

Aproveitei a oportunidade, levantei-me, aproximei-me dos noivos que eram simpáticos e brincalhões e também cantei. No fim, bateram-me muitas palmas e agradeci com vénias como fazem os artistas. Não sei se fui exagerada mas tinha de mostrar que gostei mesmo dos aplausos. Fiquei até com vontade de aprender a cantar melhor.

A partir daí comecei a dançar e só parei muito mais tarde, quando a minha mãe me disse: Mariana, tens de beber água. Estás muito transpirada. Foi mesmo fixe. Penso que um dia até gostaria de me casar.

Muitos beijinhos, querido diário.

Mariana

Há dez anos


Lembro-me do onze de Setembro, há dez anos. Estava na escola. Preparava-me para uma ação de formação. Chegou uma colega e falou do horror que estava a ser vivido em Nova York. Julgo que às primeiras imagens ainda não se chamava terrorismo. Pensava-se que um avião tinha desviado o rumo e embatido, desgovernado, nas Torres Gémeas. A partir daí, as imagens começaram a passar nas televisões até à exaustão. Lembro-me dos gritos, da queda de corpos rente às paredes dos edifícios atingidos... As pessoas, caindo, pareciam de papel. Era evidente a imensa fragilidade do que até aí parecia seguro, belo e consistente.

As sirenes, as ambulâncias, as pessoas a fugir, as nuvens de fogo e de poeira… são sensações que ficarão.

A partir desse momento, qualquer ruína passaria a ser menos surpreendente. E ter medo também.

Árvore-cor(po) da Vida.




Serigrafia do escultor-pintor Meireles

Casamento, arte e crise


Trabalhos de Nieves
Fui a um casamento. De amigos. O dia, que começara um pouco chuvoso, abriu-se ao sol. O ambiente era de alegria e festa. Chegava a hora, habitual, de os noivos oferecerem uma pequena lembrança aos convidados Neste caso, um presente pouco habitual: dois trabalhos na arte de origami. E foi chamada a autora: uma jovem morena de belo olhar profundo. O trabalho de dobragem do papel tinha sido realizado em longas noites com paciência, amor e criatividade. As pessoas, examinando o presente, elogiavam a arte e o engenho. E o silêncio sorridente da autora anunciava o silêncio necessário à produção de obras de arte. Como as que saíam das suas mãos.

E da caixinha que cada convidada levou para casa, para além de um belo alfinete, podem sair outras belas ideias. Mostrando que o talento embeleza e celebra a vida.

Para além disso, o talento é cada vez mais necessário em momentos de crise. Em vez de carpir, muitos sabem agir. Como faz esta jovem arquiteta.