segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Diário de Mariana

Querido diário

Conto quase tudo à minha mãe, mas tenho alguns segredos. Nunca perguntei a ninguém, mas deve ser sempre assim. Dizem que eu sou distraída, mas vejo bem que as pessoas não dizem tudo tudo. Por que é que eu havia de dizer? As pessoas só dizem tudo quando ficam chateadas. Passam-se e aqui vai disto. Ou “água vai”, como ouvi uma vez explicar numa visita de estudo a propósito de todas as porcarias que antigamente atiravam pelas janelas. Eu não gosto muito de me zangar porque fico a pensar no assunto e gosto mais de pensar noutras coisas. A minha mãe está a chamar-me. já sei. Vai mandar-me pentear o cabelo. Se ela tivesse o cabelo crespo como o meu, queria ver se gostava de o pentear. Poucas vezes me vejo ao espelho, mas sinto-me bem assim. Despenteada, é claro. Bem, lá vou eu. Mãe, estou a ir.

Até breve, meu amigo

Mariana

domingo, 4 de setembro de 2011

O Melhor Português de Agora

Quero eleger e celebrar

O homem novo

Ou melhor o novo homem

Que começa por aí a despontar

Por isso é do sexo masculino

De que vou aqui e agora falar

Sem esquecer que o feminino

Também mais longe está a chegar

Nomeio esse novo homem que nem sempre é homem novo

Porque pode renascer em qualquer idade

Não se faz notar pela prosápia ou vaidade

Ama o bem, o belo e a verdade

Sabendo porém que estes conceitos

Têm diferentes leituras e interpretações

Não tem a mania que destroça corações

Valoriza sentimentos e emoções

E já não diz que um homem não chora

Respeita os mais próximos e os de fora

E vai à luta em muitas situações

Não separa ingenuamente o bem e o mal

E é competente na sua vida profissional

Como é um ser animado

Tem de se alimentar

Para isso não se senta no sofá

À espera que a pessoa companheira

Arranje sempre maneira

De cozinhar com afã

Para sempre lhe apresentar

Um bom e diferente jantar

E este homem que agora elejo

Também não cospe no chão

Nem acende um cigarro

Sem sequer reparar

Que mesmo ao seu lado

Há uma criança

Ou uma pessoa com catarro

E esse homem que agora louvo

Ouve melhor os outros

E a si próprio também

Vai-se despindo de preconceitos

Em si reconhece virtudes e defeitos

E é um bom português

Estando aberto ao mundo

E às necessárias modificações

Para que o planeta seja habitável

Pelas atuais e futuras gerações

Ele vive só ou acompanhado

Sabendo que pode desiludir

Mas não é por ter o hábito

De fingir e de mentir

É fiel às amizades

Conhece bonanças e tempestades

E não esquece o passado

Estando voltado para o presente e futuro

Não é mole mas não tem coração duro

E até sente um calafrio

Quando ouve dizer com desdém ou antigo brio

Que tudo era melhor

No tempo do outro senhor

Apesar de bem trabalhar

Esse novo homem arranja tempo para ler

Também gosta de viajar

Ah e o que é muito importante

Para que a vida não morra em cada instante

Também gosta de escrever

A ideia surgiu num ateliê de escrita, em Serralves

Sugestão:

Não queira(mos) ser o(a) melhor, mas, se possível,

um bocadinho melhor em cada dia.

Algumas das coisas referidas são, nos dias que correm, quase luxo.

Oxalá isso venha também a melhorar (não se sabe é quando!).

Sinos e plátanos

100 palavras

Domingo. Um vento frio arrefece a manhã quase outonal. Ainda que azul. As pessoas seguem em duas filas. Por ordem – para ele costumeira – de um homem de fato preto. Usado nestes dias de trabalho e de tristeza para os presentes.

Todos vão devagar e silenciosos. São familiares, amigos, família da família, amigos dos amigos…

Caminham, pausadamente, ouvindo o chamar célere dos sinos e o marulhar verde dos plátanos. Refletindo na última hora da pessoa que os trouxe ali ou na última hora de todos.

O momento é de reconstruirem a vida. Apesar de parecer sempre o contrário.

Está calado, Camões

100 palavras

Quando os donos viram o cão pela primeira vez, logo pensaram no nome que lhe iam pôr: Camões. Tinha o pelo claro e uma mancha preta à volta de um dos olhos.

O bicho, desde pequeno, quando vê alguém a aproximar-se, começa a ladrar e só termina quando a pessoa se afasta. Ao ouvi-lo latir continuamente, a dona diz e repete: Está calado, Camões.

Em Os Lusíadas, Luís de Camões, nas “Reflexões do Poeta”, aborda, para além de outros temas, a corrupção, a indiferença, o materialismo…

Se o lessem atentamente, bastantes portugueses diriam também: Está calado, Camões!