quinta-feira, 12 de setembro de 2024
segunda-feira, 9 de setembro de 2024
Gosto do silêncio, mas não podia ser monja!
A região do Douro tem paisagens inigualáveis. Vendo-as, à cabeça - consolados que ficam os olhos - vêm-me palavras como beleza, perfeição…
E há lugares onde mora o profundo silêncio. Nada se ouve, talvez para se ver tudo melhor.
E eu, que gosto do silêncio, penso para mim ao fim de algum tempo: também me faz falta ver pessoas. Não, não podia ser monja!!!
Isto ocorre-me talvez por aquelas belíssimas paisagens terem a marca da mão humana, reveladora de um trabalho quase divino.
sábado, 7 de setembro de 2024
Tanta coisa aconteceu neste verão!
Gosto de chuva mansa, sobretudo quando o quintal e o jardim precisam de água. E não só, é claro, porque a seca vai rasgando o manto da terra.
Fiquei contente quando vi os pingos de chuva a escorrer na janela. Era pouca, mais ou menos como quando o meu neto pega no restinho de água dos copos e deita nas plantas porque também têm sede como nós.
A terra com esta chuva não ficará saciada, mas, pelo menos, refrescada.
Talvez seja o outono a aproximar-se ou pingos de cansaço do verão cada vez mais quente.
Tanta coisa aconteceu neste verão. Felizmente, ainda há calma e paciência para se olharem os pingos de chuva, ainda que escassos.
Bom fim de semana!
sexta-feira, 6 de setembro de 2024
Queria ter coragem de desligar!
Sempre gostei de ver debates sobre os mais variados temas, nos quais também cabe a política.
Mas às vezes fico irritada com o que vejo e oiço (não só com o discurso deste governo!) e, se não mudo de canal, ainda mais irritada fico, sobretudo comigo própria.
Irrita-me, por exemplo, ouvir perguntas a políticos e estes desviarem-se habilmente do que é perguntado, respondendo com coisas vagas, atribuindo culpas aos antecessores, apregoando projetos para o futuro, ou fazendo crer que tudo é ‘cristalino e transparente’, não se importando, porém, de tornar as coisas ainda mais opacas.
Também me irritam frases feitas que mais não são do que modos de chutar para canto problemas impopulares que não dão votos.
Por exemplo, o caso da privatização da TAP dava para uma tese. São tantos os argumentos, os contra-argumentos, as defesas, as acusações, as verdades de uns que são mentiras para outros tantos…
Outra afirmação que irrita é ouvir políticos acusados e, alegadamente, com provas, afirmar, angelicamente, que têm a consciência tranquila!!!!
E penso para mim própria: era bem melhor continuar a leitura do livro, ao menos, aprendia alguma coisa!
E penso também: ao longo da vida, vamos aprendendo tanto e uma coisa simples como desligar a televisão às vezes ainda custa!
quinta-feira, 5 de setembro de 2024
‘Avó, qual é o mais pior?’
Nestas férias, a minha neta - a Clarinha que vive em Londres - esteve cá bastante mais tempo do que é costume, por razões que estão no post anterior.
Eu cheguei a dizer que ‘há males que vêm por bem’, porque assim a Clarinha consolou-se de brincar com os primos e ficou a falar melhor em português. Ah, e aprendeu a andar melhor de bicicleta. Oh, happy days!
E foi captando muito do que ouvia.
Um dia, perguntou- me: Ó avó, qual é o mais pior, é dizer Poça!, ou dizer Fogo!?
Embora não goste muito de estar sempre a corrigi-la (até porque acho piada a certas expressões e não quero que se sinta constrangida), aproveitei para fazer a pergunta mais corretamente e ela repetiu ‘qual é o pior’…
Pois bem, pensei uns segundos e respondi:
- Eu acho que é Fogo!, querida.
De repente, ouviu os primos e foi a correr brincar com eles.
E assim não me perguntou porquê!!!
quarta-feira, 4 de setembro de 2024
Também gosto muito, disse eu!
terça-feira, 3 de setembro de 2024
‘Ainda tenho tanta coisa que gostava de fazer!’
Com o início destas férias de verão veio um crescente cansaço e com ele os costumeiros comentários e conselhos:
- É do calor. Tens de descansar mais. Também não paras!
O melhor era mesmo fazer as análises já prescritas há bastante tempo.
Por email, chegaram os resultados. No meio de letras e números pequeninos, apareciam os valores de uma anemia. Das grandes.
Em poucos dias, sucederam-se exames. O primeiro - colonscopia - deu logo o alerta.
Como é possível? Não doía nada! Tudo parecia normal.
Em casa, entravam palavras até então pouco usuais: ferro, consulta, hospital, internamento…
- E agora? E as vossas férias já marcadas?
E eu que não gosto nada de estragar a festa!
- Mãe, há prioridades. O que é preciso é resolver isto quanto antes.
E, num sábado de agosto, veio a cirurgia.
- Como se sente? Correu tudo bem!
Que bom, então.
E ontem a consulta sobre o que já se sabia sobre o intruso no intestino, que, felizmente, deixou limpas as proximidades da área, onde se tinha instalado e donde foi retirado.
Que alívio!
Mas logo veio a comunicação (já esperada) de quimioterapia e, com ela, as necessárias explicações sobre esse tratamento preventivo.
- Concorda?
- Claro que sim, senhora doutora, se tem de ser…
É que gostava ainda de fazer tantas coisas!
Nota 1 - Façam(os) os exames que os médicos ou o SNS aconselham. Embora nem sempre apeteça, pode ser que não tenhamos tantos percalços, e sejamos mais felizes, bem como aqueles que nós amamos e que nos amam também.
Nota 2 - Muita saúde para todos e festejemos a beleza da luz de cada dia.
domingo, 1 de setembro de 2024
Por falar em Escola…
Apesar de terem passado muitos anos, tenho bem presente o meu tempo de conselho diretivo numa escola secundária. As minhas filhas eram muito pequenas e eram quase sempre as últimas a sair da escola (privada que frequentaram até ao quarto ano, passando, depois, para o ensino público até final dos cursos), porque o trabalho na escola parecia multiplicar- se.
Apesar de muito trabalho, tanto na escola como em casa, foram quatro anos que me trouxeram muita felicidade, apesar de muitos constrangimentos. Nesse tempo, as equipas que geriam as escolas eram eleitas por todos os docentes, ao contrário de agora em que a eleição é feita por um conselho de representantes da comunidade escolar e educativa.
Nesse tempo, para gerir a escola, não era necessário ter cursos específicos de gestão escolar. Valia-nos o gosto pela boa gestão e harmonia daquela comunidade para a qual havia muito trabalho comum. Ah, e um grande amor ‘pela camisola’. No entanto, sou a favor de cursos de maior especialização.
Os serviços não estavam informatizados como agora. Com tentativas e erros, trabalhávamos no sentido da melhoria dos diferentes setores. Por exemplo, ver os equipamentos da cantina mais modernos foi uma alegria, porque, assim, alunos, professores e funcionários passariam a ter melhores condições de trabalho e de utilização.
Uma área que muito fascinava era ver sucessos dos alunos, fossem eles na avaliação, na participação em atividades, etc., áreas em que muitos professores se empenhavam de alma e coração e em que funcionários também colaboravam.
Foi um tempo de grande entusiasmo e aprendizagem, embora momentos menos bons também existissem, como é natural, e que tentávamos superar.
Em todos os tempos, a gestão escolar - quando desenvolvida de porta aberta - não é fácil e a exigência sempre foi crescente.
Conheço muitos casos de grande dedicação e competência, tanto do passado como no presente. Possa assim continuar porque a vida da escola é um mundo.
E todos esperam e desejam um Mundo em progresso e sempre melhor.
quinta-feira, 29 de agosto de 2024
Eu não, obrigada!
Não sei se está a ser aceite ou não a proposta do governo de os professores reformados poderem continuar a dar aulas. Pode até ser uma medida que ajude a resolver o grande problema da falta de professores, mas parece-me que revela desconhecimento da vida das escolas, por parte dos decisores,
Quase todos os professores em final de carreira e, sentindo grande cansaço, anseiam por vir para casa e fazer outras coisas para as quais não tinham tido tempo enquanto lecionavam.
Ora, querer continuar na escola ou a ela voltar implica que os professores em fim de carreira gostem muito da escola, que o seu trabalho seja reconhecido pela direção e pela comunidade; o salário seja estimulante e saibam claramente o que vão fazer.
Para juntar a este leque, existirão, por certo, alunos, que, logo no primeiro contacto, dirão: mais um velhote.
Também os colegas mais jovens olharão (desculpem se tal não acontece) a generalidade dos já reformados como seres muito dependentes da escola, mas que pouco sabem de coisas fundamentais nos nossos dias como são as novas tecnologias.
A classe docente está bastante envelhecida e os que amam a Escola e a Educação gostariam de ver mais jovens a ingressar na profissão docente, mas será que fazer mais sacrifícios e ter mais constrangimentos depois de tantos anos de trabalho vale a pena?
Não conheço ninguém que vá continuar na escola após a reforma, mas, se houver professores que o façam, parabéns pela força e coragem.
No entanto, conheço docentes que continuam na escola, não para dar aulas, mas em funções ligadas, nomeadamente, à arte, à ciência, às bibliotecas…. Nesse caso, poderá ser estimulante, mas, mesmo assim, só se for compensador e uma mais-valia pessoal.
Vou repetir uma ideia já por demais dita e redita:
Deixem-nos descansar, deixem-nos viver sem cumprir tantas obrigações. Sem o tic-tac do relógio, que torna a vida ainda mais breve.
A menos que a vida seja, assim, mais feliz, mas, nas circunstâncias atuais, não me parece.
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
Ouvir falar muito também cansa!
O post anterior era um diálogo entre duas pessoas - uma não sabia ouvir os outros e preferia falar, faltando-lhe empatia para ver que estava a ser incómoda pela situação frágil de quem estava do outro lado, recém-operada, e que precisava de descanso e não de ouvir longas peripécias.
Todos conhecemos pessoas assim: esquecem-se - mesmo sem querer e sem ser por mal - das necessitadas da pessoa com quem estão a interagir e não descolam de si. Muitos de nós somos assim, em diferentes doses. Também me acontece, infelizmente, e fico triste quando caio em mim.
O amigo JR até pensou que era piada e fez-me voltar ao texto. Podia ser graça, mas existem situações idênticas. Alguém está doente, mas o interlocutor acha que esteve ou está ainda pior, contando todos os pormenores como se fossem únicos.
Faz lembrar o ‘Não se esqueça do que vai dizer’, intercalando um longo relato de algo que se passou e que, facilmente, faz cair o que ia ser dito pela outra pessoa.
Ouvimo-nos muito mais a nós do que às outras pessoas. Muitas vezes falamos mais do que ouvimos. Nalguns casos, até nem é grave; noutros, é uma seca que só com muito controle não seca a paciência!!! Ou provoca ainda mais cansaço a quem precisa de o vencer.
sábado, 24 de agosto de 2024
Está melhorzinha?
Ex-doente - Então, está melhorzinha?
Doente - Obrigada. Para já, está a correr bem, mas continuo cansada, sobretudo quando falo.
Ex - Foi como eu quando fui operada há uns anos. A recuperação foi tão complicada! Nem imagina. Ainda agora o sinto só de pensar nisso, Até me custava falar. Eu bem queria, mas tinha muita dificuldade!. Sabe o que eu fazia? Às vezes, recorria aos gestos. Imagine como eu estava.
D. - A mim, o cansaço ainda não me largou.
Ex. - Eu sei. Oh, se sei, porque já passei por elas. E de que maneira! E, agora, as coisas estão mais facilitadas; no meu tempo, sofria-se mais. O que me valeu foi o meu médico. Ele é um grande especialista. O consultório dele é em Gaia e com vista para o rio. Um luxo de consultório e um luxo de médico. Só me zanguei um bocadinho com ele uma vez. Eu estava tão mal, tão mal que o chamei a casa, já depois da operação, e ele disse-me que não podia vir. Nem imagina como fiquei.
D. -, Em breve, vou ficar sem bateria.
Ex. - Eu também não demoro. É só mais um bocadinho. Voltando ao médico, eu disse-lhe que quem segue esta profissão tem de estar disponível para quem chama porque está a sofrer. Sabe que não me respondeu! É porque enfiou a carapuça, não acha? Diz-se que quem cala consente, não é verdade?
D. - Desculpe, a minha bateria vai mesmo terminar e, para além disso, estou mesmo cansada. Ade…
Ex - Para os seus botões:
Tirei uma boa parte da tarde para falar com ela, até me encostei às almofadas para conversar durante mais tempo e para não me cansar, e, afinal, nem sequer se dignou levantar-se para pôr o telefone a carregar. As pessoas são cada vez menos generosas e mais egoístas. Só pensam em si! Que mundo este!
terça-feira, 20 de agosto de 2024
Eu amo-o, senhora enfermeira!
Do que Alcina menos gostava no hospital era das noites Custava-lhe a luz forte e comprida da parede em frente, que ficava acesa até muito tarde. Também a vozearia das enfermeiras e das auxiliares a perturbava. Porém, não fazia críticas, porque, desde pequena, a isso não fora habituada e a reação implicava sempre ralhetes e o pior era fazerem-lhe crer que ela não tinha direito a opinião.
Nesses momentos, fechava os olhos, parecia dormir, mas estava bem acordada. Deixava fluir o pensamento, com muitos avanços e recuos. Era então que muitos dias do passado lhe afloravam ao pensamento. E lá se desenhavam momentos sem nenhuma cor de qualquer carinho. Vinham também monólogos antigos que não deixavam tempo nem permissão para qualquer resposta ou defesa.
E a falta que lhe faziam mimos, beijos e abraços. Se ao menos tivesse tido uma tia ou uma avó que a acarinhassem, mas nem isso!
Só o médico que a acompanhava no hospital parecia compreendê-la. Mais vale tarde do que nunca - pensava ela. Ele tratava-a pelo nome, ouvia-a e olhava-a com atenção e ela sentia que era bom ter nascido.
Numa noite, em que as insónias a faziam virar e revirar na cama vezes sem conta, já com dores no corpo e no pensamento, a mão premiu, repentinamente, a campainha de chamada.
A enfermeira de serviço entrou, acendeu a luz e perguntou:
- Quem tocou?
- Fui eu - disse D. Alcina, com voz fraca e quebrada.
- O que se passa? De que precisa?
- Peço desculpa, senhora enfermeira, mas eu amo-o.
- Não entendi - respondeu a enfermeira, conchegando-lhe a roupa da cama, enquanto perguntava apressada e perplexa:
- Você gosta de quem?
D. Alcina, olhando-a, pensou: ‘você’ não entenderia e disse, fechando os olhos:
- Desculpe, senhora enfermeira, estava a sonhar!!
domingo, 18 de agosto de 2024
Senhor doutor, mande-me embora!
O médico, simpático como sempre, chegou à enfermaria para falar com a doente da cama 10, perto da porta. Pergunta daqui, resposta dali, chegou a boa notícia: Como estava tudo a correr como esperado, a doente ia ter alta nesse dia.
A cama já estava feita de lavado, mas outra pessoa a ocuparia.
Após a boa notícia, aumentaram os sorrisos de alegria, mas, da cama próxima da janela, veio um pedido, de resiliência calma mas não calada:
- Senhor doutor, mande-me embora!
O médico, olhando-lhe o rosto magríssimo e meigo, disse:
- Já imaginou que podia não estar aqui?
A senhora, de corpo quase sumido, esboçou um sorriso e foi olhando para o programa que estava a dar na televisão. Também ia olhando pela janela. Como se procurasse prazeres imaginários de agosto que desgostos lhe tinha trazido. Felizmente ainda estava ali para os desafiar.
sexta-feira, 16 de agosto de 2024
A enfermeira
Quando a enfermeira chegou à enfermaria, logo pareceu empática. Sem falar alto, sem chamar minha querida, meu amor… sem infantilizações, sugeriu um passeiinho pelo corredor, não sem antes ensinar exercícios de respiração - inspiração seguida de expiração.
Ajudou-a a levantar do cadeirão, deu-lhe o braço e daí a muito pouco, estavam a caminhar pelo corredor e a conversar. Na conversa, entrou o mar que se via das janelas do outro lado do corredor, sem muita nitidez, por causa do nevoeiro.
Voltou dois dias depois e repetiu alguns dos exercícios da sua especialidade: enfermeira de reabilitação.
De novo no cadeirão, para descansar um pouco, a doente ia pensando que o SNS tem serviços muito úteis, muitos deles criados há anos, mas pouco conhecidos. E deles pouco se fala. Porém, em todos os tempos se apregoa muita coisa que, de utilidade, só fica o eco,
quinta-feira, 15 de agosto de 2024
Estou (quase) de volta, e o tempo é de compra de beijinhos e abracinhos!
Os últimos dias foram diferentes para mim. Nem sei se hei de dizer ‘felizmente ‘ ou ‘infelizmente’. Em breve, vou explicando através de peripécias quotidianas destes dias.
Antes de recomeçar, deixem-me só falar um bocadinho de imagens que vejo de rentrées políticas, comícios, campanhas, etc.
Aqui vão algumas impressões, que são fruta da época:
Deixai vir a mim as criancinhas, os abraços e os beijinhos
Não há campanha, comício ou rentrée política em que não haja crianças pegadas ao colo, entre muitos sorrisos e muitos desejos de prolongado poder, pelos políticos que assim angariam simpatias e votos. Grão a grão…
A família, vendo o gesto, mesmo que não pense no assunto de imediato, na hora do voto, procura o quadradinho certo para pôr a cruzinha no partido que mimou a sua criança.
E os abraços correspondidos são também garantia de votos a entrar na urna. O mesmo se passa com os beijinhos.
Estou a imaginar esses políticos, no final do dia, a chegar a casa ou ao quarto do hotel a despir-se da roupa supostamente cheia de micróbios e impregnada de maus cheiros. É natural que o dr Montenegro demore mais um bocadinho nessa tarefa, porque as calças são quase sempre muito apertadinhas! A fase seguinte é o banho, nesses dias mais prolongado do que o habitual.
E, olhando os palanques, vejo mulheres extasiadas, homens folgazões, velhos sem perceber a razão de estarem ali, jovens a bocejar, políticos a repetir ‘sinceramente’, ‘humildade’, ‘vergonha’, etc e etc.
E já que estamos no querido mês de agosto, vêm-me à memória canções que se cantam porque, com elas, muitos males se espantam e, assim, não se pensa em tanta promessa incumprida em muito comício desta vida!
Aqui vai uma, mas há outras mais pimba e igualmente engraçadas e que, implícita ou explicitamente, cumprem a função.
‘Ora dá cá outro, toma lá um beijinho….’
quinta-feira, 8 de agosto de 2024
Até breve!
Queridos amigos,
Durante uns dias, não virei aqui partilhar algumas coisas do dia a dia, como tanto gosto.
Obrigada pelas visitas e pelas mensagens.
Feliz verão!
Um abraço e até breve!
quarta-feira, 7 de agosto de 2024
Onde está o meu Sal?
O carro entrou no pátio, ela saiu a sorrir e, voltando-se para o jardim onde estavam meninos e uma educadora, perguntou: onde está o meu Sal?
E logo me lembrei da história do homem que tinha três filhas e da tristeza enfurecida que sentiu quando a prova de amor de uma delas foi que o amava como a comida ama o sal (ainda não tinha chegado o tempo da necessária redução de sal na alimentação).
Com estes pensamentos, eu ia ouvindo: Onde está o meu Sal? Com aquele sorriso feliz de quem vai buscar o neto à escola para o mimar alegremente.
Para temperar a sua vida, ou até salvá-la, quem sabe, não tivesse o menino de seu nome Salvador.
segunda-feira, 5 de agosto de 2024
O desejo
Há bastantes anos que tal acontecia. Quando vinha o mês de agosto e com ele as férias, a família fazia as malas e ela pensava que preferia passar a maior parte daqueles dias em casa, a jardinar, a ler a uma sombra de qualquer árvore, a organizar os espaços interiores e exteriores da casa, a ir ao cinema, a um museu, a um espetáculo, a um parque… sempre longe das multidões ruidosas do verão. Mas sabia que a vontade da família não era essa e, por isso, os hábitos mantinham-se.
Em vez de um mês de agosto como sempre desejara, era o afã do aluguer de casa perto da praia, o calor, o ruído, as filas, as demoras, o trânsito nervoso…
Os anos sucediam-se e assim sucedia em cada agosto. O desejo de passar mais tempo em casa no mês de férias ou perto de casa é que não.
E o agosto de 2024 chegou, quente, como quase sempre. E tudo havia sido pensado e preparado também como quase sempre. Porém, houve um imprevisto.
Sentia-se fraca. Foi ao médico. Exames e mais exames. Teria de ser operada e a vida familiar teve de ser reorganizada.
Os dias dela eram passados em casa ou em consultas no hospital. Um dia, deu-se conta a dizer para si própria: como seria bom estar na praia!
domingo, 4 de agosto de 2024
Coisas de domingo
Tenho ouvido várias pessoas repetirem que querem é ser boas pessoas. Eu também gostava.
Agora não me tem acontecido - espero que não seja por ser má pessoa - mas já me disseram várias vezes que sou boa pessoa. E, francamente, já houve momentos em que essa afirmação me desagradou por me parecer sinónimo de inocente e sem outras capacidades.
Ora, se se puder ser boa pessoa - embora reconhecendo falhas do passado e do presente - e ter algumas outras boas competências, então, é oiro sobre azul.
Julgo que o mesmo se passará com pessoas conscientes e com um ego dito normal e não gigante que nem deixa ver os seres humanos que existem no mundo. É o que acontece com muitos políticos, sobretudo os claramente ditadores e os que sentem essa atração, deixando- o escapar por palavras e por atos.
Não sei porque me lembrei disto nesta tarde de domingo quente de verão. Talvez porque as notícias não param de falar sobre a Guerra do Médio Oriente e da Ucrânia, da mais que provável fraude nas eleições da Venezuela, etc, etc, etc. E muitos desses homens - julgo que não há mulheres a comandar esses conflitos - são muito más pessoas. E sem qualquer vontade de o reconhecer e de se tornarem melhores. E, por causa deles, o mundo também piora e de que maneira.
E, poderá até ser uma injustiça, mas o meu domingo - como o de mais gente, felizmente - está a ser calmo e comum.
Recebo uma mensagem de uma amiga em visita a um museu. Pus loiça e roupa a lavar (parece que estou a ouvir a minha mãe: o domingo é dia sagrado !). Quero ler um pouco. E talvez ver o final da volta a Portugal e imagens de Jogos Olímpicos. E há provas, como de natação e ginástica que apetece ver e rever. E se Paris aparece, encantam-se os olhos e o coração.
Um domingo bom e calmo para todos.
Que me desculpem aqueles que não o têm porque não podem ou para que outros o possam ter.
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
Fui ao Jardim Botânico…
Fui ao Jardim Botânico, no Campo Alegre, no Porto. Estava um ventinho persistente que sacudia os Ramos das árvores e fazia chover folhas que, pelo chão, percorriam sombras ou zonas iluminadas pelo sol.
Depois de uma tigela de sopa bem gostosa no bar, em frente a um dos jardins floridos, percorremos os diferentes espaços verdes, muitos deles separados por sebes de camélias que, quando floridas, iluminarão o caminho por tanta luz de beleza.
E, neste passeio, apercebi-me de troncos de árvores, uns mais finos, outros mais grossos, que ficam nos jardins, talvez onde viveram, ganhando novas utilidades.
Desconhecia, mas talvez a mais importante seja que os troncos, mesmo cortados, continuam a alimentar insetos, musgos, microorganismos, etc, muito úteis à natureza.
E esses pedaços de árvores também são úteis na divisão de canteiros ou jardins, embelezando-os.
Quando vi estes troncos, logo pensei em seguir o exemplo no meu jardim e quintal, quando tiver algum semelhante.
Depois do pequeno passeio pelo exterior, (gratuito) seguiu-se a visita ao museu (paga). Eu preferi ficar cá fora. Cada vez defendo mais a ideia de que não se pode ver ou aprender tudo num dia e, para além disso, tinha vontade de escrever este post.
Ah, não vi o Rapaz de Bronze. Sei, porém, que também mora no livro de Sophia que facilmente imaginamos a brincar pelos jardins enquanto criança.
Porém, nesse tempo, não se ouvia o ruído da autoestrada nem os troncos das árvores estavam envelhecidos. Felizmente o cuidado e imaginação não caíram como as folhas que vi tombar, apesar do calor e do verão.
quarta-feira, 31 de julho de 2024
A dona Vitória
Saiu da Moldova há uns anos e veio trabalhar a dias para Londres. Procurava uma vida melhor porque no seu país não havia emprego. Com ela, veio o marido e um filho que, entretanto, seguiu a sua vida e foi morar para longe dos pais.
A vida foi correndo na casa minúscula cuja renda era mais comportável com o pouco dinheiro que o casal ganhava, mas nela entrara o vício do álcool, trazido pelo marido. Dona Vitória entristecia e a casa ainda lhe parecia mais pequena e sufocante, mas era o seu abrigo.
Quando o via chegar alcoolizado, mais os dentes lhe doíam e mais lhe custava comer. E o tratamento era demasiado caro em Londres. A única solução era tratar os dentes na Moldova. O marido iria também, e poderia até reduzir o vício da bebida. Teria vergonha da família, com certeza, e poderia mudar de hábitos.
Dona Vitória avisou as patroas de que iria ao seu país, onde teria de ficar umas semanas. Umas compreenderam e outras, não.
As dores de dentes eram insuportáveis e, se a vida era dura, mais dura se tornaria se não resolvesse o problema. E lá foram. No final de umas poucas semanas, dona Vitória sentia o alívio dos dentes tratados e o marido, sentindo-se vigiado pela família, já não bebia tanto. Dona Vitória tinha esperança de que assim continuasse.
Voltaram a Londres, um pouco mais felizes do que quando haviam partido. Chegariam a casa e teriam novo ânimo para trabalhar.
Porém, à chegada a casa, depararam com o que nunca lhes tinha passado pela cabeça: o senhorio tinha-os despejado e retirado do interior todos os seus haveres. O que parecia um recomeço mais ameno era agora uma realidade nem sequer imaginada.
Uns amigos receberam-nos, disse ela, quando contou a uma das patroas que logo se ofereceu para fazer queixa do senhorio. Dona Vitória agradeceu muito, mas preferia não o fazer, porque perderia muito tempo e falava muito mal inglês. Disse-o com um sorriso triste de quem raramente conhece qualquer vitória.
segunda-feira, 29 de julho de 2024
Ser o dono daquilo tudo
Ontem houve eleições na Venezuela e hoje os resultados oficiais foram conhecidos: Nicolas Maduro, no poder há mais de dez anos, venceu por maioria absoluta (51,2 por cento).
Estes resultados contrariam todas as sondagens consideradas independentes e, atendendo a que todos os observadores externos foram impedidos de entrar no país ou proibidos de fazer o trabalho pretendido, é enorme a desconfiança sobre os dados agora conhecidos e as questões são inevitáveis sobre a possível fraude na contagem dos votos.
Se assim foi - o que parece bem provável - pode um único homem arvorar-se em querer ser dono de um país? Infelizmente não é o único, mas é terrível essa ideia e as consequências para o mundo.
Um ditador vestido com a bandeira nacional! Pobres bandeiras quando dão pra tudo!
Quando não há transparência e o poder totalitário está na mira de quem governa, a grande parte dos cidadãos vai sufocando de tristeza por falta de liberdade e de dinheiro para viver a sua vida.
O presidente reeleito tem de apelido Maduro. Tal como os frutos demasiado maduros, estragam o que e quem está por perto. Como se um único fruto a cair de podre pensasse que era o dono de todo o pomar e de tudo o que existe dentro das fronteiras do país. Enquanto não as puder ultrapassar, é claro.
sábado, 27 de julho de 2024
No Dia dos Avós também entram visitas especiais!
Quando tomo o pequeno almoço, tenho por hábito ligar a televisão. Ontem, dia 26 de julho (o meu pai faria anos!), não faltavam programas a falar dos avós: numa loja, avó e neta partilhavam um negócio de artesanato; um trabalhador de hotelaria fazia um bolo cuja receita já vinha de uma das avós, etc
Pois bem, a minha neta que vive fora chegou de férias e foi o momento especial do meu dia. Vinha um bocadinho mais alta, já sem franja e o cabelo claro bem mais comprido. Dava abracinhos e aproveitava todos os espaços para, de pernitas no ar, fazer a roda, que repete e repete vezes sem conta.
A escolha da data para se juntarem à família de cá não foi premeditada e nem sei se em Londres este dia é comemorado, mas várias vezes a minha linda Clarinha me disse que estava feliz por estar cá - claro que foi em resposta às várias vezes que lhe perguntei!
E, tanto neste dia, como em tantos outros, senti saudades do meu avô paterno, que nunca vi mal disposto e sempre tinha uma pequena história, pitoresca e vivida por ele, na ponta da língua - com o mesmo brilhozinho nos olhos pequeninos e azuis, apesar de a já ter contado inúmeras vezes, não sendo, porém, nunca igual.
Como gostava que os meus netos tivessem, mais tarde, boas recordações de mim. Podia ser da comida, de conversas simples e boas, da valorização do que fazem ou dizem, sei lá, pequenas coisas que marcam os dias e a vida.
E os avós de hoje são cada vez mais importantes! Muitos desempenham papéis tão diversos e prementes. E, muitas vezes, ainda estão no ativo. Heróis para quem um dia de homenagem saberá a pouco. O melhor será mimá-los, sem data marcada nem aviso prévio, tornando os seus dias mais festivos ainda que serenos.
sexta-feira, 26 de julho de 2024
quinta-feira, 25 de julho de 2024
Nevoeiro com sabor a pão com bananas
Aqui no Norte, as temperaturas até costumam ser bastante temperadas. Basta ver o mapa do boletim meteorológico para se concluir que o Sul é, habitualmente, bem mais quente.
Pois bem, nos últimos dias, o calor chegou a todo o país. E de que maneira. Ou melhor, a quase todo o país. Aqui, as temperaturas têm andado pelos trinta e tal graus - eu sei que, por exemplo, no Alentejo, mais de quarenta graus se acendem muitas vezes.
Contudo, quem vai de carro basta andar um par de quilómetros em direção à costa para ver como a temperatura desce. Há dois ou três dias, quando o sol esquentava em terras mais afastadas do mar, em praias de Gaia o vento era frio.
E eu, que não aprecio o excesso de calor, gosto destes contrastes.da natureza. E até no nevoeiro matinal eu encontro beleza. E faz-me recordar verões do início da adolescência. Às vezes, íamos, a minha irmã e eu, com as minhas tias passar o dia numa das praias da Foz. Saíamos de casa muito cedo e, quando chegávamos, se a areia ainda estava fria e as ondas do mar mal se distinguiam por causa do nevoeiro, comprávamos bananas e pão bem fresco - neste caso, ainda quentinho - e comíamos sentadas no muro. Sempre ouvindo reparos austeros das minhas tias para sermos discretas.
E não é que o perfume das bananas - só o encontro nas bananas da Madeira - ainda me traz a recordação desses dias!?
Depois, quando o sol afastava o nevoeiro, descíamos à praia, guardávamos o resto do pão e das bananas e as outras coisas na barraca às riscas - quase sempre azuis - que tínhamos alugado. As minhas tias sentavam - se nas cadeirinhas, que sempre havia nas barracas, e começavam a bordar, elogiando o iodo que fazia muito bem à saúde.
Ao fim da tarde, regressávamos a casa, mas, na viagem, não falávamos das impressões do dia, porque as minhas tias diziam que o mar puxa e estavam cansadas.
Entretanto, já no elétrico, víamos que o nevoeiro tinha voltado. Porém, já sem o perfume e sabor de pão fresco com bananas.
quarta-feira, 24 de julho de 2024
Comprar ou não comprar, eis uma das questões!
Há muito tempo, eu ia com mais frequência ao Porto e, raramente, chegava a casa sem uma peça de roupa comprada. Às vezes, entrava numa loja sem qualquer ideia ou necessidade pré-definida e comprava quase sempre uma blusa, uma saia… depois de passar por um provador, tipo cubículo quente e horrível que nem motiva a prestar atenção aos pormenores do que se está a comprar. Por vezes, era tão grande a vontade de sair dali que só depois via que a compra não tinha sido a mais acertada.
Agora, vou ao Porto muito menos vezes, apesar de gostar muito da cidade e do que ela tem para nos oferecer. No entanto, também nos dá demasiados turistas. Não os condeno porque todas as pessoas têm direito a conhecer outros lugares, mas os espaços, sobretudo de circulação, reduziram-se imenso. É como ir visitar alguém e encontrar uma multidão que nem nos deixa ver bem aqueles que queríamos encontrar.
Em certas ocasiões, ia(mos) ao belíssimo Café Majestic, na rua Santa Catarina. Era um prazer tomar chá ou café com leite em chávenas bonitas e fininhas e com a beleza de tantos elementos artísticos à nossa volta. Agora, nem ousaria lá entrar porque teria de estar na fila não sei quanto tempo até arranjar mesa.
Voltando à roupa, já nem me lembro de entrar numa loja, ver, escolher, provar e comprar. Fui reparando que, apesar de não ter o meu guarda-roupa muito cheio, o que tenho dá para usar, mudar, combinar durante muito tempo. Assim sendo, para quê aumentar ainda mais as despesas mensais, comprando e acumulando roupa não muito necessária?
Porém, deste modo, não estou a dar grande contributo para a economia do país, mas talvez o ambiente e o saldo de todos os dias se sintam um bocadinho mais confortáveis. Grão a grão …
Ah, e assim já não entro nos cubículos-provadores, onde até os espelhos me irritam, porque, sem nada dizerem, dizem-me também que tenho de emagrecer!
terça-feira, 23 de julho de 2024
Lampião e Maria Bonita
Hoje, logo de manhã, ofereceram-me este miminho, vindo do Recife e que representa o casal Lampião e Maria Bonita, figuras da cultura popular da região. Pendurei-o quase logo na cozinha e acho que fica engraçado.
Quem mo deu nasceu e viveu no Nordeste brasileiro e já me tem falado várias vezes deste par de salteadores (cangaceiros), da mesma região, que viveu no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Abordando o assunto, ela realça sempre o amor entre ambos e só depois refere as violências do cangaço.
Maria - a mulher salteadora que sempre acompanhava o seu homem - ganhou a alcunha de Bonita, graças à sua beleza.
A história do casal - vi na net - já inspirou escritores e realizadores de cinema. Inspiradora é também a maneira como oiço falar do Recife, das suas belezas e produções, onde entram sempre Lampião e Maria Bonita.
Tudo contado com um brilhozinho nos olhos de quem vive cá, mas nunca se esquece das histórias da sua terra de lá.
segunda-feira, 22 de julho de 2024
Patti Smith
E tantas coisas mais se fica a saber desta mulher de 77 anos que espera ainda viver muitos anos para poder trabalhar e produzir coisas que sempre deseja bem feitas.
Partilho aqui um vídeo que retirei do YouTube.
Conheço muito mal a obra desta artista cujos talentos são reconhecidos e que olha para o alto sem deixar de ver onde tem os pés. Precisamos tanto de figuras assim!
domingo, 21 de julho de 2024
Le tour
Sempre gostei muito da língua francesa, embora não pratique há muito tempo, o que faz com que a comunicação vá ficando perra para uma conversa em francês.
Já visitei várias cidades francesas, mas a que conheço um bocadinho melhor é Paris, aonde fui várias vezes. Porém, seduzem-me as pequenas aldeias francesas que gostaria de conhecer. Talvez por isso, gosto de ver a volta à França em bicicleta, que tem mostrado imagens de belas montanhas e aldeias que nelas se encaixam. Como há quase sempre uma igreja a elevar-se dos aglomerados de casario, até o sino se ouve a tocar.
Gostaria era de ver habitantes das aldeias, mas seria pedir de mais, porque, neste tipo de eventos, quem vemos na estrada são os adeptos, uns observadores mais ou menos sossegados, mas a maior parte cheios de vigor e entusiasmo que quase atropelam os ciclistas para os ver, para os apoiar, para tirar uma fotografia.
E, pedalando entre as belas paisagens, lá vão os ciclistas, quase todos jovens e magros, mas com uma força física e anímica espantosas, de que também é exemplo o ‘nosso’ João Almeida.
Passadas algumas horas do final da corrida, as aldeias podem voltar à calma hercúlea das montanhas e, à mesa, muitos falarão do Tour,
E eu a pensar como gostaria de fazer um pequeno tour por pequenas aldeias francesas. Mas não de bicicleta, é claro.
sábado, 20 de julho de 2024
A minha prima
Tenho muitos primos, uns da minha idade, uns um pouco mais velhos e a grande parte mais novos. Basta dizer que a minha avó materna teve treze filhos e a minha avó paterna teve nove, sendo o meu pai o mais velho. Porém, tanto de um lado como do outro da família, alguns dos filhos morreram muito cedo.
Ora, apesar de não nos encontrarmos com frequência, sempre me dei muito bem com uma prima, um pouco mais nova do que eu.
Quando éramos pequenas, como vivíamos perto, brincávamos às casinhas, sobretudo na nossa casa, debaixo de uma laranjeira à volta da qual púnhamos as bonecas a viver.
Agora, quando nos encontramos, não falamos disso, mas temos sempre motivo de conversa. É como se continuássemos à sombra da fértil laranjeira.
Há uns tempos, ela teve uma doença muito grave e, a propósito, dizia com um sorriso natural e confiante nos lábios: Eu sei o que tenho e sei que é para mim.
Quando estiver com ela, vou-lhe dizer que tenho bem presentes essas palavras. Imagino que vá sorrir, embora, naturalmente, não da mesma maneira que o fazia quando brincávamos debaixo da laranjeira. O tempo e as vicissitudes não perdoam.
Ah, a laranjeira também já passou por doenças e lá continua. Mais velha e mais fraquinha, é claro. Também pelos frios de muitos invernos e calores de muitos verões. Sem deixar de esperar, pacientemente, por amenos outonos e renascidas primaveras.
sexta-feira, 19 de julho de 2024
Como é possível?
Como toda a gente já sabe e já viu em imagens, num ataque, enquanto discursava num comício, Trump foi atingido numa orelha. Agora, muitos seguidores do candidato a presidente dos Estados Unidos dizem que foi um sinal que o seu amado líder recebeu de Deus para ser o amado líder de todo o país e, mais ainda, o amado líder do mundo inteiro.
Como é possível?
E a imagem de Trump, à frente de grandes multidões, em êxtase, é agora quase santificada e todos os crimes - sobretudo de corrupção, que ele cometeu e já provados pelos tribunais - os seus apoiantes dizem ser falsos, inventados, criados para o denegrir e abater. E que ele, com a sua aura, agora mística de poder, vencerá.
E o ego imenso do candidato mais cresce para atingir o céu de todo o poder e apagar de uma vez por todas as nuvens que lhe causam turbulência.
Já nem precisa de levantar o punho enfurecido nem fazer esgares de raiva e vingança.
Como é possível?
E as multidões rejubilam, choram, gritam, aplaudem, gesticulam perante o seu deus maior que foi escolhido por Deus. Algumas pessoas até usam um penso branco na orelha, não para se igualarem ao seu deus, mas para mostrarem que estão com ele.
Estranho fenómeno das massas.
Estranho país de tanta clarividência e de tanto negacionismo.
E que reduz a estranheza de nada parecer estranho.
quinta-feira, 18 de julho de 2024
De mãos livres!
Hoje, uma amiga contou-me este diálogo entre ela e uma familiar que, semana passada, festejou cem anos. Gostei muito e, por isso, o estou partilhar.
- Gostava que viesses à festinha dos meus cem anos.
- Irei com todo o gosto.
- O almoço será cá em casa.
- Ainda melhor. E o quer que eu leve? Posso fazer um bolo.
- Não tragas nada. Não quero que ninguém traga nada.
- Como assim?
- Quero que venham todos de mãos livres!
- De mãos livres?
- Sim, para nos podermos abraçar!
quarta-feira, 17 de julho de 2024
Não sei que nome lhe dar
Não sei que nome lhe dar
À história que escrevi
Dia a dia a acrescentar
O que vi e o que não vi
Mas é tão bom escrever
Sempre vida a acrescentar
Seja boa ou fraca a prosa
Sem nunca plagiar
O título é sempre difícil
Porque é como um resumo
Às vezes é boa fonte
Outras nem água nem sumo
Acho que fica sem titulo
Como vemos em pinturas
Aqui são só pinceladas
De mui comuns criaturas
Se eu soubesse desenhar
Punha aqui uns corações
Para agradecer as palavras
E tantas visualizações!
E agora o que eu queria
Mesmo sem ficar na memória
Que tivessem um bom dia
Com simples e boa história!
terça-feira, 16 de julho de 2024
As histórias nunca se acabam, mas esta fica por aqui!
Quando os filhos ficaram independentes, Nilda ficou a viver só e retomou um trabalho antigo de muitas mulheres da terra: enchedeira de peças em filigrana. Assim, ganhava mais algum dinheiro para si e para ajudar os filhos.
Como trabalhava em casa, ouvia os programas de rádio de que gostava e habituara-se também a seguir podcasts com os quais aprendia muito. Se ouvia falar de uma exposição que lhe agradava ou de um filme de que gostaria, ia nem que fosse sozinha, no que há uns anos nem pensaria sequer. Com o tempo e as experiências - umas boas outras más - foi aprendendo a dizer que era bom viver e muito havia para conhecer.
À semana, ia buscar aos ourives os brincos, pendentes, etc , peças que vinham vazias no seu interior, e devolvia-as cheias com os esses de filigrana muito fininha que formavam desenhos pequeninos e delicados que iam resultando de um trabalho minucioso em que as suas mãos hábeis eram ajudadas por uma tesoura pequenina e uma pequena buxela.
Para as devolver, depois de cheias com a filigrana, juntava-as num embrulhinho para que os esses de filigrana não se soltassem e saía segurando-o cuidadosamente na mão com as peças para serem soldadas na oficina. Quando se tratava de corações, dizia que levava o coração cheio
Um dia, tropeçou, caiu, o embrulhinho desfez- se e a filigrana que tinha meticulosamente inserido no molde espalhou-se pelo chão. Não se lamentou. Recuperou tudo que pôde e devolveu ao ourives, dizendo, sem drama, o que lhe tinha acontecido. O ourives ouviu-a com atenção e ofereceu-lhe um coração de prata dourada, como seria o que lhe havia caído das mãos.
Nilda ficou feliz e disse para si: vou usá-lo no próximo domingo.
segunda-feira, 15 de julho de 2024
E foi bater à porta da Rosarinha
Não sabia bem ao que ia, mas precisava de falar com alguém de confiança. A dona Rosarinha ouvi-la-ia com certeza, sem estar sempre a interromper, sem fazer perguntas, sem dar opiniões sobre tudo e sobre nada, sem ver os assuntos como pontas para falar das coisas dela. Nem ia logo contar na primeira conversa que tivesse com quem quer que fosse.
Esperou só um bocadinho até Rosarinha abrir o portão. Andava a regar umas plantas e pediu desculpa pela demora.
- Entre, entre, fiz umas bolachinhas e chá de limonete.Veio na hora certa.
Nilda sentia-se feliz com o acolhimento, que atenuava a frieza distante das poucas palavras trocadas com Zeferino. Mas não o podia criticar, porque, passados tantos anos, reconhecia que o final do namoro nunca tinha ficado claro. Ingenuamente, quando o reviu no recinto do baile, pensou que poderiam falar calmamente sobre o assunto. Porém, ele tinha a vida dele, os problemas dele, os amores dele, as alegrias dele e nenhuma falta Nilda já lhe faria, porque longe ia o tempo de sofrimento em Angola, quando se tinha visto mais abandonado.
Rosarinha serviu o chá, pôs as bolachinhas num pratinho bonito e esperou que Nilda começasse a falar. De certeza que precisava de desabafar ou tratar de algum assunto. Sabia que Nilda nunca ia a casa de ninguém sem motivo.
Mas estava difícil desenlaçar as palavras e, como se fosse água a ferver para mais um bule de chá, Nilda começou a falar da sua vida que, via agora, tinha sido errática e não como gostaria.
Queria afastar culpas que inculcara toda a vida, mas lamentava não ter sido mais corajosa, mais confiante, mais decidida, menos cativa do desamor, e, logo, mais feliz.
Já era noite quando Nilda saiu de casa de Rosarinha.
- A partir de agora, vou esquecer a minha idade e o meu passado e vou ser uma mulher diferente - disse para si própria, enquanto se via ao espelho e encontrava ainda algum encanto na sua imagem - o encanto de saber que o mundo também lhe pertencia. Como a qualquer ser humano de pleno direito.
domingo, 14 de julho de 2024
Nilda foi ganhando coragem e aproximou-se de Zeferino
- Como estás, Zeferino? Que bom rever-te. Há tanto tempo.
- Estou bem, obrigado, e vejo que tu também estás.
- A vida não me tem sido fácil, mas é bom viver.
- A vida não é fácil para ninguém.
Nilda ia reparando na frieza do olhar e das palavras de Zeferino que não lhe dava de bom grado as boas-vindas, mas ela foi forçando o diálogo.
- Costumas vir aqui dançar?
- Só de vez em quando. A minha mulher gosta muito.
- Ela está cá, então?
- Sim, vem ali e vai querer dançar de certeza. Vou indo ao encontro dela. Adeus, Nilda. Gostei de te ver.
Nilda ficou a vê-lo afastar-se. Mancava um pouco. Talvez por sequela deixada pelo acidente na guerra colonial. Daí a nada, os dois já dançavam e pareciam felizes.
Durante um lapso de tempo, Nilda deixou de ouvir o que se passava à sua volta. O pensamento era assolado por imagens da sua vida.
A infância sem sorrisos em casa, as idas a pé para a escola com medo das pedras dos rapazes e da possível vinda do inspetor para ver se as mãos estavam lavadas e as unhas limpas… Mas revia também a D.Rosinha, angélica professora muito devota do menino Jesus de Praga; a D. Berta que puxava as orelhas quando alguém não sabia a tabuada ou errava nas contas; a D. Gracinda que sabia ver o que as meninas faziam bem e tentava desenvolver esses saberes.
O ficar em casa a partir dos dez anos e gostar de ir ao lavadouro para ouvir algumas conversas entre as mulheres; outras eram tristes e afastava-se para não as ouvir.
Já adolescente, os passeios a pé ao domingo com as amigas, ou às festas de Santos padroeiros. E o estrear de meias de vidro e sapatos de tacão: de início, pequenino e fininho, mais alto com o avançar da adolescência. E a preocupação que era, e às vezes risota, quando os saltos ficavam presos entre os paralelos da estrada e os sapatos saíam dos pés. E os rapazes que andavam atrás delas, como diziam. E as virtudes e defeitos que neles viam. E as conversas sobre eles com muitas gargalhadas.
E os sorrisos em casa que não nasciam. E o desamor e indiferença que medravam. E a vida doméstica onde cabia a aprendizagem de rendas e bordados, tudo numa obrigação austera e religiosa. E algumas zangas e ciúmes entre as amigas por causa dos pretendentes. E tão inocentes que quase todos eram!
Até que apareceu o Zeferino, o primeiro grande amor da sua vida. Para quem e com quem sorria com gosto. Fora o seu único amor? - interrogava-se agora, alheada do bailarico. Viera para dançar e era o seu passado que não lhe deixava de dançar na cabeça.
E aquela decisão de considerar o namoro acabado por desconfiança e receio de desiludir ou ter uma desilusão, motor de mais culpabilidade.
Depois, o Augusto com quem casou e com quem viveu tantos anos e com quem não trocou sorrisos como gostaria.
Sem vontade de dançar, saiu do recinto e, em breve, estava em casa. Telefonou aos filhos para ver se estava tudo bem e foi bater à porta da Rosarinha.
sábado, 13 de julho de 2024
E foi quando Nilda viu Zeferino, o primeiro grande amor da sua vida.
Há mais de quarenta anos que Nilda não via Zeferino. Para dizer a verdade, lembrava-se dele muitas vezes, mas era casada e afastava essas ideias da cabeça. Ele era divertido e tinha um sorriso bonito e prazenteiro. Nilda sentia o amor que também a fazia sorrir.
Dele, os pais de Nilda tinham gostado. Para mais, tinha posses e alguns estudos. Começaram a namorar andava ele na tropa, e o tempo era de guerra colonial. Em breve, foi mobilizado para Angola. Despediram-se com tristeza e já saudade.
Com o passar do tempo, veio o vazio que ela não tinha aprendido a preencher. Se havia o longe da vista, logo pensava no longe do coração que poderia levar ao esquecimento ou desamor.
Se nunca sentira amor vindo da família mais próxima, como podia continuar a ser amada por alguém que conhecera não havia um ano e tão longe dela estava?
Simpático como ele era, em Luanda arranjaria facilmente outra namorada. Valeria a pena esperar por ele para ter uma desilusão? Para ser olhada com indiferença?
Trocavam aerogramas e cartas. Nilda queria juras de amor e, em vez delas, Zeferino contava ataques sofridos ou perpetrados, por obrigação, pela sua Companhia. Nilda ia-se convencendo de que Zeferino já não gostava dela.
E de novo a ideia recorrente de que, se nunca se sentira amada pelos mais próximos, também não o seria por ele que estava tão longe. A par, vinha a culpabilidade que também a fazia sofrer.
Um dia, mandou-lhe uma carta em que usou e abusou do verbo amar, para ter provas de que ele gostava dela. Ele respondeu-lhe que não compreendia a carta que, como dizia o poeta, era ridícula e durante algum tempo não deu notícias.
Nilda, insegura como era quanto ao amor dos outros, considerou a ausência de correspondência como prova de que o namoro tinha acabado. Recebeu ainda alguns aerogramas que nem chegou a abrir, convencida de que eram de desamor e era de amor que precisava.
Umas semanas depois, Augusto telefonou-lhe a convidá-la para um baile de garagem e ela aceitou, dizendo para si que era livre e fiel.
Muito tempo depois, soube que Zeferino tinha tido um grave acidente num ataque que tinham travado nos dias em que as cartas do verbo amar circulavam. Ficou sem palavras.
Agora, passados mais de quarenta anos, estavam próximos, na mesma tarde de domingo e no mesmo recinto de dança.
Apesar da grande dimensão do espaço, os seus olhares encontraram-se, Nilda sorriu-lhe, mas ele não, mantendo-se sereno no lugar onde estava.
Nilda foi ganhando coragem e abeirou-se de Zeferino.
sexta-feira, 12 de julho de 2024
Não, vou ao baile, como tinha decidido!
Não fazia ideia de como seria um baile de domingo à tarde e, quando chegou, ficou estupefacta porque havia mais gente do que pensava. Assim, até era melhor. Passava despercebida, ouvia música romântica ou divertida e via gente alegre à sua volta.
De repente, aproximou-se um homem de jeans apertados nas pernas magras e arqueadas e camisa às flores, também muito justa. O cabelo parecia molhado e penteado para trás. Num braço, uma tatuagem com um coração atravessado por uma seta e onde se podia ler Amor de mãe.
Corou e recusou gentilmente o convite para dançar.
- Para já não, só se for daqui a bocadinho.
Ele afastou-se com o descontentamento triste da rejeição, alisando mais o cabelo com as duas mãos.
Muito próximo dela estava um casal que meteu conversa por ela ter recusado o convite e por estar a sorrir sem eles saberem porquê.
Ela não contou, mas a situação fez-lhe lembrar a história da carochinha que tantas vezes tinha contado aos filhos. Só não sabia que animal podia ter sido afastado. Talvez o galo, ou talvez não. Porém, se cantasse, enchendo o peito de ar, ainda saltavam os botões da camisa. Ou seria um gato vaidoso? Dos que sobem ladinos para o telhado e ficam a espreitar? O João Ratão não seria, porque desistiu logo após a recusa do convite e nem um sorriso deu.
Estava com estes pensamentos e com cara de carochinha à janela não à espera de casar mas de dançar, quando viu passar um grupo de folgazões em fila e a cantar ‘Lá vai o comboio…’ . Levantou-se depressa e, sem pensar muito, encaixou-se na fila cantante e dançante. E foi quando viu Zeferino, o primeiro grande amor da sua vida.
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Disse que ia a um baile na tarde do domingo seguinte.
Nilda já não dançava desde o tempo de namoro. Nesse tempo, adorava os bailes de garagem. Na memória, lá estava sempre um velhinho e pequeno gira-discos, que às vezes arranhava o disco e fazia parar a dança. E, nas capas dos discos, lá estavam os ídolos: a Rita Pavone, o Nelson Ned, o Adamo, o Gianni Morandi, a Francoise Hardy, o Elvis Presley…
Muitas vezes, o espaço era pequeno e o calor apertava nos abraços dos slows, ou nos twists desajeitados e rodopiados.
Augusto ia de fato e gravata. Naque tempo, já gostava de fato claro, mesmo no inverno, e os sapatos brancos também contavam com a sua predileção. A mãe de Nilda, que sabia muitos provérbios, disse um dia de mau humor: Sapato branco em janeiro, sinal de pouco dinheiro.
Nilda sabia bem do desamor dos pais por Augusto, mas ele era tão sedutor e meigo a dançar que a fazia esquecer de tudo o resto. Os dois corpos encaixavam-se e confortavam-se.
Às vezes, pensava: mas a vida não é só viver abraçada a dançar. De facto, havia coisas nele de que não gostava, como fumar e cuspir para o chão, mas o que prevalecia eram os carinhos nos bailes e um dia ele até lhe disse: vou fazer de ti uma princesa, o que a fez esquecer as conversas que ele não sabia manter e de que ela gostaria muito.
Os pais não gostavam dele, mas ele parecia assegurar-lhe uma vida com beijos e abraços que em casa nunca tinha tido. E que tanta falta lhe haviam feito. O resto viria por acréscimo.
Veio o casamento e, afinal, a prometida princesa nunca o seria e ele, por sua vez, achar-se-ia um príncipe de um reino pobre no qual sentia o direito e poder de mandar.
Tudo isto pensava Nilda enquanto se dirigia ao baile de domingo numa tarde de sol. A meio do caminho, pensou voltar para trás. Vir para casa, ligar a televisão e passar a ferro. Ainda se levantou do assento da camioneta. Não, disse para si própria, vou ao baile, como tinha decidido. Nada me fará recuar. E voltou a sentar-se já sem hesitação.
quarta-feira, 10 de julho de 2024
De repente, era a campainha a tocar em desespero!
Era Nilda que tocava aflita.
- Dona Rosarinha, dona Rosarinha, abra e ajude-me, por favor.
- O que se passa, Nilda, o que se passa?
- O meu Augusto está muito mal. Tem de vir a ambulância, mas o meu telefone está avariado
Passados uns minutos, chegava o 112 e a maca ia até ao tanque, onde o dr Esticadinho tinha caído quando foi pôr a camisa com a nódoa de molho. Nem chegou a mergulhar a camisa na água com detergente, deu-lhe uma coisa - como disse Nilda - e caiu redondo no chão - como acrescentou ao enfermeiro.
Chegou ao hospital, com a sua calça branca suja e amarrotada, sapato branco com um pouco de lama e a camisola interior com manchas de terra e ele já sem vida. O dr Esticadinho parecia mais encolhido e pequenino.
Na Casa do Sol, soube-se do falecimento no dia seguinte, fez-se silêncio e os sorrisos fecharam-se. Mas durante pouco tempo. Até a Tilde dizer:
- Meninas, enquanto há vida, há alegria. Vamos mas é celebrar o tempo em que este nosso amigo do peito esteve feliz entre nós.
Ao funeral, que a Rosarinha ajudou a pagar, vieram três pessoas desconhecidas. Houve quem falasse de três mulheres, outros de três senhoras, outros de três raparigas e também se ouviu que eram três meninas.
No velório, Nilda estava pálida, pensativa e fazia ainda mais festas aos filhos. O Nequita leu umas orações do missal, tropeçando nas palavras mais difíceis, mas, durante a leitura, houve silêncio e as vizinhas não fizeram tantas perguntas nem olhavam tanto para as coloridas forasteiras.
Quando todos regressavam a casa, o Nequita pôs-se ao lado de Nilda e explicou-lhe quem eram as três senhoras desconhecidas, sem Nilda lhe perguntar nada. Rosarinha deu-lhe uma pequena cotovelada, mas ele não percebeu e continuou. Ela sentiu então que a sua causa de ajudar Nequita a entrar na vida religiosa também tinha morrido.
Tentaria motivá-lo a arranjar um trabalho o mais brevemente possível. Talvez o padre não concordasse, mas tinha de ser prática e decidida.
O tempo foi passando: dias, semanas, meses… e Nilda, um dia, disse a Rosarinha que se sentia muito só, aliás como sempre se tinha sentido, mesmo quando o seu Augusto era vivo.
E, com um sorriso meigo e sereno, disse que ia a um baile na tarde do domingo seguinte.