segunda-feira, 28 de junho de 2021

Fotos

 

Conheço várias pessoas que não gostam de ver fotografias antigas. Ou por saudade de outros tempos, ou por aversão a dias vividos, ou por questões que só cada um conhece...

Quando vejo álbuns antigos, habitualmente acho que as pessoas que conheço eram mais bonitas. E mais magras. E mais ágeis. E mais risonhas. E mais felizes. E mais saudáveis.

Porém, quando vejo as fotos daqueles que amo com ar triste, não consigo demorar nelas o olhar e é grande a vontade de rasgar aquele papel grosso e, quase sempre brilhante, que gravou o momento, sem dó nem piedade, retirando-lhe o brilho da alegria.

Como se fosse possível rasgar pedaços menos felizes do passado e esquecê-los, pondo-os no contentor.

Pensando que é possível fazer a reciclagem do tempo e de muito que ele traz.  Ou já trouxe.

 

domingo, 27 de junho de 2021

Gostava de os entender. E a elas também.

 

Quando os oiço logo de manhã cedo, ou em fins de tarde perfumados, cansados e mornos, fico a ouvi-los. São tantos os pássaros. Vejo uns, oiço outros, alguns escondem-se entre a folhagem irrequieta das árvores.

Se comunicam, o que dirão eles? Exprimirão alegria. Ou tristeza. Ou nem uma coisa nem outra. Ou discutem. Ou zangam-se. Ou rejubilam. Ou namoram. Ou cantam somente porque gostam e têm voz para cantar. Ou por qualquer razão que escapa à vista e ao ouvido dos humanos.

Saltam, voam, brincam... Sempre a emitir sons. A chilrear. A gorjear. A piar. A pipilar. A trilar. A trinar.

Gostava de os entender.

Mas como será possível, se até entender as pessoas é tão difícil?!

 

 

sábado, 26 de junho de 2021

Com mar ao fundo

 

Chegou  à pequena cidade com mar ao fundo. Levaram-na lá  limpezas de antes das férias de verão. Na cidade, havia obras e as casas eram invadidas pelo pó. Tal como pelo sal nos dias invernosos com vento norte. Começaria pela varanda. Pôs água e detergente no balde. Abriu a persiana. E ainda mais um pouco para poder entrar e sair à vontade e deixar passar mais luz. As cortinas estavam num montinho para lavar e, se calhar, guardar. Até as janelas preferia libertas.

Antes de começar a limpeza, olhou para o mar, cintilante, lá ao fundo. Voltou a olhar e saiu. Como estava sozinha, não tinha que dar explicações. Desceu a rua, devagar, até ao fundo, onde se estende o mar. Quase tinha a certeza que a chamara. Só não viu se lhe acenava. Não gostava de exagerar.

 

 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

terça-feira, 22 de junho de 2021

'Atrás da porta'

 

Não, não mantive o livro atrás da porta, nem fechado em cima de qualquer mesa. Abri-o e li-o no último fim de semana. Lê-se depressa. São 14 contos e 123 páginas, com muitos espaços de respiração.  A autora é Teolinda Gersão, portuguesa e premiada pela sua obra, nomeadamente de contista.


Quase na abertura do livro, como se fosse um azulejo sem adornos que se põe na porta de casa para o visitante saber ao que vem, pode ler-se:


Gostei logo deste início.

Alinho agora uns fios (sem querer chegar ao fim do novelo) de alguns dos meus contos preferidos:

- Um dador de esperma imagina, em diferentes momentos, que pode ser pai de muitos e muitos filhos pelo mundo (O dador).

- Um funcionário evade-se, olhando pela janela, de uma conferência chata de formação contínua. Os seus olhos poisam num lago, no qual nunca tinha reparado, onde aves poisam também (As gaivotas).

- Um homem revela-se ao psiquiatra no sentido de saber se é realmente louco (Atrás da porta).

- Um filho sai, zangado, de casa, mantendo-se ausente durante largos anos. Os pais, com a ajuda de outras pessoas da aldeia, vão visitá-lo a Lisboa, sem o avisar. Nesse dia, é festa de aniversário. As crianças abrem a porta e confundem os avós com outras pessoas de quem todos estão à espera (Visitando um filho).

- Um jovem vive em família, constituída por mulheres : mãe, irmãs, tias, avós, criadas (não gosto da palavra, mas é a palavra usada). Começa a sentir o pulsar sexual e há noites, escondidas das demais habitantes da casa, que se acendem (A terceira mão).

- Um homem vai a um almoço urgente a pedido de um filho. Para o carro e entra num café para saber que estrada seguir. Começa a conversar, a beber, vai ficando e o tempo também vai passando. E o que estava na memória também (Labirinto).


Bom dia e boas, destas ou de outras, leituras!

 

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Ei-las, as ameixas, depois da chuva!

 






 

Na imagem anterior, as ameixas estavam bem mais tristonhas, por isso até tinham perdido um bocadinho da sua identidade. Ora, cá estão elas, no seu habitat, bem mais viçosas e alegres, refrescadas pela chuva dos últimos dias. 

 

domingo, 20 de junho de 2021

Intrusos?

 



sexta-feira, 18 de junho de 2021

Para amenizar. Ou talvez não.

'Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamente o inesperado'

Clarice Lispector

 

 

Dois quadros

Quadro 2

Todos os dias ia à primeira missa da manhã. Levava sempre um ramo de flores frescas. Umas comprava, outras colhia em casa, outras pedia às vizinhas, outras apanhava na beira dos caminhos. 
Nunca explicava o destino das flores. Também ninguém lhe perguntava. Não daria, por certo, bem encarada resposta.
Chegava à igreja e punha as flores ao seu lado, ocupando um lugar. Quando havia muita gente, pediam-lhe que tirasse o ramo para assim mais alguém se poder sentar. Ela zangava-se, falava alto e teimava em não tirar as flores do lugar onde as tinha colocado. 
Um dia, soube-se que havia morrido e logo o padre sugeriu que os fiéis da missa da manhã lhe oferecessem flores, a ela que parecia amá-las tanto. Tal como ela fazia, umas pessoas compraram flores, outras colheram-nas em casa, outras pediram-nas às vizinhas, outras apanharam-nas na beira dos caminhos. 
Contudo, ninguém perguntou para onde tinham ido os ramos de todos os dias nem a devota das flores disse a ninguém. Só dizia que o lugar a seu lado, na igreja, lhes estava reservado. O resto ficava entre ela e Deus.
Sem mistério, as flores continuaram a sua vida, florindo  também a beira dos caminhos. 
 


quinta-feira, 17 de junho de 2021

Dois quadros

Quadro 1

Durante largas semanas, ela chegava diariamente pelas nove da manhã. Saía da camioneta e ficava no passeio junto à rotunda, de braços ao longo do corpo, e voltada para a estrada. Seguia os carros com o olhar e, se começava a rir, não mais parava. Ria-se sem controle e sem ruído. 
Ao fim da manhã, sempre sozinha, afastava-se e voltava no dia seguinte. 
Porém, um dia não veio. Nem na manhã seguinte. Nem na outra que se lhe seguiu. Nem nessa semana. Nem nunca mais.
As pessoas, que passavam a essa hora e se haviam habituado a vê-la, falavam dela, se vinha a propósito ou não havia outro assunto.
Depois, com o tempo, deixaram de falar. Os dias vão trazendo novas peripécias que fazem esquecer outras. Tal como com as pessoas.
Um dia, alguém viu um homem a atirar um beijo para o lugar onde a mulher passara muito tempo a rir-se sem controle e sem ruído. 
Alguém contou, ou inventou, que ele tinha sido seu namorado, que os sorrisos dela, ainda bonitos e calmos, haviam sido só para ele, mas que a ele outros sorrisos passariam a interessar.
Depois de atirar o beijo à presença imaginária da mulher que não parara de rir, o homem,  sem controle e sem ruído, foi visto a chorar.

 

 

sábado, 12 de junho de 2021

O meu avô, o rio e a trovoada

 

Não cheguei a conhecer os meus avós maternos, porque não tiveram uma vida longa, mas pude viver muitos anos perto dos meus avós paternos.

O pai do meu pai era alto, forte e tinha uns risonhos olhos azuis. A minha avó era pequenina e redondinha. Sempre me lembro de lhe ver o cabelo grisalho. Porém, nas fotografias enquanto jovem, o cabelo era preto e de perfeitos caracóis.

Ela gostava muito de ouvir rádio, enquanto fazia os trabalhos domésticos, e de contar histórias românticas que lhe tinham agradado.

Já as histórias do meu avô eram quase sempre vividas por ele. Nem sempre era o herói, mas com notada presença, também do seu lado aventureiro e alegre. Começava sempre as narrativas da mesma maneira: Uma ocasião...

Quando era jovem, ele vivia de um lado do rio e a minha avó, a sua namorada, morava na outra margem.

Como havia muito menos pontes do que atualmente, a maior parte das pessoas atravessava o rio em barcos pequeninos de madeira, a remos. Tal como o meu avô. 

O barqueiro remava de pé com grande habilidade e conhecimento das marés, mas, quando o rio andava muito cheio e com correntes muito fortes,  as águas ganhavam velocidade e empurravam o barco, podendo até causar alguma tragédia.

Numa dessas tardes de domingo em que o meu avô ia namorar, o barco esteve quase a afundar-se por causa de um remoinho das águas. Os passageiros começaram a gritar com medo. 

O meu avô, que já estava mais habituado àquelas travessias difíceis, começou a rir-se e as pessoas, assustadas e aflitas, ficaram tão zangadas com ele que até o barqueiro teve de pedir silêncio porque, se assim continuassem, podiam ir todos para o mar. 

Eu acho que não era mar que o meu avô queria dizer, mas como a minha mãe podia ouvir, ele fazia adaptações. 

De uma outra vez, também numa tarde de domingo, o único passageiro que havia para atravessar o rio era o meu avô.

O barqueiro estava com gripe e, quando já tinham iniciado a travessia do rio, começou a chover tanto, tanto, tanto, que o homem pôs-se a tremer de tal maneira de frio que nem segurava bem os remos. Tossia e espirrava quase sem parar. Foi então que o meu avô lhe disse para se sentar e que ele próprio levava o barco, embora a sua prática de remar fosse menos que pouca.

O barqueiro ficou receoso, mas como estava muito aflito, acabou por aceitar.

A chuva não parava de cair. O barco pouco avançava. O meu avô remava, remava, esforçando-se para não perder o rumo, mas as águas barrentas tinham mais força do que ele.

No entanto, chegaram sãos e salvos à outra margem, embora ficassem a um quilómetro do pequeno cais.

Às vezes, o meu avô dizia 500 metros, outras já eram dois quilómetros, mas eu e os meus irmãos estávamos tão habituados a essas variações nas histórias repetidas que até achávamos piada. Queríamos era que ele continuasse a contá-las e a estar connosco.

E então quando havia trovoada, era mesmo bom tê-lo por perto. A sua presença aliviava o medo.

Quando os relâmpagos afogueavam o céu e os estrondos tremendos dos trovões rebentavam, a minha mãe reunia-nos e pedia, fervorosa, à Santa Bárbara que aliviasse a tormenta, mas o ambiente pesava e enegrecia.

Nesses  momentos, eu olhava para o meu avô e ele dizia:

- Vai começar a chover e a trovoada já passa.

E passava mesmo. Parecia magia.

Eu achava que ele adivinhava o tempo, porque não tinha experiência para saber o que a experiência ensina.

Era mesmo querido o meu avô.

Por estes dias, tem trovejado por estas bandas. 

Como o meu avô já cá não está, pelo sim, pelo não, hoje vou pedir à minha mãe que me ensine a oração a Santa Bárbara.

 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Os campos verdes. Sempre.

 

Hoje, ao visitar alguns blogues amigos, vi esta versão de 'Verdes são os campos', de Luís de Camões, cantada por Uxia (cantora galega), no Bem-vindo ao Paraíso de Isaura Afonseca.

Como gostei, também a partilho. Oxalá gostem.



E também partilho umas flores que o meu telemóvel colheu há dias no meu jardim.

 



Um dia com flores bonitas para todos, estejam elas em campos, parques, jardins, canteiros, vasinhos, na memória, etc etc etc