O céu estava coalhado de nuvens pardacentas. O ar gelava. A noite
aproximava-se e não se via ninguém na rua ladeada de árvores despidas e negras.
No silêncio parado, irrompeu o ruído de um carro, parando junto da porta do
casarão, quase sempre fechado. O silvado cobrira os muros altos, isolando a
casa. Todos diziam que lá não morava ninguém e contavam-se histórias sobre os
habitantes que há muito tinham morrido, mas que, por muito amarem aquela casa e
por muitas paixões guardarem, não tinham desaparecido. Porém, o único indício
de vida, percebido do exterior, era o carro que, de repente, entrava e saía
pelo portão que batia de forma assustadora.
Engolido o carro, tudo voltava ao silêncio.
Numa noite, houve um outro sinal: saía fumo de uma chaminé.
Aproveitando a minha invisibilidade de autora da história, entrei porque o
frio era muito e também não gosto de
ficar a espreitar aquém dos muros.
As sebes do enorme jardim estavam desgrenhadas e ressequidas; as árvores
erguiam-se nos seus troncos retorcidos, sustentados por raízes irregulares e
salientes; algumas rosas vermelhas haviam murchado em botão, as heras trepavam,
cobrindo grossas paredes em ruínas.
Porém, no centro do jardim, erguia-se uma pequeníssima estufa envidraçada.
As suas paredes de vidro deixavam ver aveludadas e viçosas rosas amarelas. Era
o único sinal de cuidado naquele espaço sem mimo de mão humana. Ao cimo das
escadas de pedra, ouviam-se vozes quase murmuradas. De repente, uma porta
rangeu, saindo uma bela mulher de rosto palidamente entristecido. Desceu as
escadas e dirigiu-se à estufa. Colheu um ramo de rosas e voltou a entrar em
casa. O murmúrio estalou de novo.
De repente, as nuvens ganharam movimento e houve um pouco de luar. Sem se
ouvir qualquer ruído, a mulher desceu as escadas de granito, trazendo um ramo
de rosas secas na mão. A noite foi devolvida às trevas. Sem estrondo da pesada
porta exterior, a mulher saiu num ápice, tal como tinha entrado. Nenhuma luz se
via. Apenas o fumo da chaminé continuava voando.
De madrugada, a luz da lua iluminou as flores murchas. Ao seu lado, podiam
ver-se, jazendo no chão, umas pesadas correntes.