quarta-feira, 2 de março de 2016

O diário de Mariana


Há quanto tempo!!! Voltei!!!



Querido diário,

Há que tempos não escrevia para te contar novidades!.

Não vale a pena explicar as razões de não escrever mais vezes. Mais assiduamente, diria a minha professora de Português que diz sempre que devemos falar e escrever simples mas com correção!!!

Mas foi ela que me levou a escrever esta página. Foi mesmo giro.

Eu hoje acabei as aulas ao meio-dia. Como ainda era cedo, fui com o Gi e com a Bea para o polivalente. Estava a chover e lá até nem estava frio. Foi então que a minha setora de Português passou para ir tomar café. Viu-me, aproximou-se e disse assim:

- Mariana, queres vir a esta aula do Profissional? Convidei uma professora para ir lá falar sobre uns pequenos contos que ela escreve de vez em quando.

Eu, então, disse logo:

- Ó setora, eu vou.

Como sabes, querido diário, também gosto de escrever pequenas histórias do tipo de "Uma aventura no 11", como uma vez a setora nos leu de uma aluna dela e que faz parte desta turma. Mesmo fixe. Só é pena falar tanto do Benfica!!!

O Gi disse logo:

- Já sabia, Mariana, que não ias parar aqui muito tempo.

E a Bea - que estuda tanto, tanto, tanto que sabe mesmo as coisas mas miudinhas que saem nos testes -, disse que ia para casa para aproveitar a tarde.

Boa viagem. Lá por sermos amigos (o Gi é um amigo especial!) não somos siameses!

Quando cheguei à sala, já lá estavam as duas setoras. Entrei um bocadinho desconfiada, mas como quem não arrisca não petisca, sentei-me para ouvir a professora que escreve as tais pequenas estórias e que é amiga da minha setora de Português há muitos anos. Pelo que percebi, gostam de ler e de escrever. Uma rapariga até disse: ó setora, quando é que publica as histórias da Ana? Estamos à espera há muito tempo. A outra professora disse logo que também estava à espera.

E foi então que compreendi por que é que ouvi uma vez a setora de Português dizer para umas colegas: "Os meus meninos". Era esta turma. Eu não fiquei com ciúmes, porque a setora, apesar de ser magrinha e não muito alta, conhece-nos sempre, ensina muito bem e gosta de nos ajudar a todos.

Foi quando a professora convidada disse bom-dia (ou boa tarde? Já nem sei!), agradeceu o convite e mostrou umas estórias pequeninas numas folhas A4, em forma de livrinho. 
A minha setora é que leu porque é mais nova e vê melhor.

Eu por acaso, tinha achado que, se calhar, ia ser seca. Nada disso. A turma estava tão atenta e interessada. Eu até acho que muita gente devia ver pra não estar sempre a dizer que os jovens não ligam nada e não sei quê.

 Quando contar ao Gi, ele nem vai acreditar. Vai dizer: Tens tanta imaginação, Mariana!

Já sei, tenho de insistir várias vezes!! Teimoso!!

No final da conversa - de praí uns 45 minutos - , a minha setora e os alunos agradeceram à convidada e um rapaz muito simpático desejou-lhe felicidades. Achei mesmo fixe e acho que a professora também porque parecia muito feliz.

Quando eu ia a sair, ouvi a professora das estórias a dizer para a minha setora:

- Já ganhei o dia!

E eu também, querido diário, porque estou muito contente por ter tido vontade de te visitar outra vez.

Um abracinho

Mariana

O livro, o guarda-chuva e e o chocolate



Durante duas semanas, quase não vi a luz do dia, apenas a espreitava quando  Helena abria a carteira.
Ela anda sempre com um livro e, desta vez, coube-me a mim acompanhá-la. Só que entrei na vida dela em má altura. Quero dizer: quando entrei na sua carteira. Como passo a vida às escuras, fechado, sem quase nada para dar nem receber, oiço conversas de Helena.
- Ando a ler um livro de José Rodrigues Miguéis. Tem um conto fabuloso.
E, precisamente no momento em que ia mostrar o livro, a campainha tocou e Helena foi para a aula, porque é professora e não gosta de se atrasar. Nem que seja por uma boa causa, como é falar de um livro. E, neste caso, um bom livro. Pareço vaidoso, mas estou só a elogiar quem me pensou, quem me escreveu, quem me deu vida, podendo, assim, embelezar a vida dos outros.
O tempo em que tenho mais luz é quando Helena está a dar as aulas. Ela chega à sala, pousa a carteira e deixa-a ficar aberta. Como a mesa é junto à janela, eu olho para cima e vejo as nuvens, a palmeira do jardim, as árvores com as folhas pintadas do vermelho de outono… Uma vez até vi um arco-íris, numa aula em que os alunos estavam a fazer teste e mal se ouviam.
Uns dias depois, ouvi Helena dizer:
- Com tantos testes para corrigir nem há tempo para ler.
E eu logo pensei: pronto, já sei, mais uns dias nesta escuridão. É como se viajasse no porão de um avião, no meio de malas e outras mercadorias, sem ver os passageiros. O que vejo à minha volta é uma agenda, uma fatura da água, um chocolate que já vai a meio, um porta-moedas…




 

Um dia, Helena entrou na Escola à pressa, porque já tinha tocado para dentro, e pôs o guarda-chuva molhado dentro da carteira, indo encostar-se mesmo ao meu rosto, isto é, à minha capa. Enregelei, senti alguma raiva e apetecia-me gritar:
- Helena, atiras o guarda-chuva para dentro da carteira e esqueces-te de quem está aqui! Eu podia dizer “do que” está aqui, mas acho que posso dizer “quem”, porque sinto-me humano, falo da vida mais profunda das pessoas, ajudo-as a pensar, a sentirem-se valorizadas… Mas a minha voz não se ouve do mesmo modo.. Eu falo em silêncio e só para quem me lê ou escuta através da voz de alguém.
Nesse dia de inverno, mas de muito calor na sala de aula, Helena pousou a carteira, sem a abrir. O guarda-chuva humedecia o meu corpo, isto é, as minhas páginas e o chocolate, que já estava a meio, começou a derreter e sujou-me todo.
A aula parecia interminável. Eu queria que Helena me tirasse daquele mundo de cheiros húmidos e viscosos. Ouvia perguntas, respostas, Helena a recordar que se diz “folhear” e não “desfolhar” um livro. E eu a pensar: estou feito, vou ser desfolhado sem haver tempo para ser folheado!
Nisto, tocou para fora. Que alívio, pensei, Helena iria libertar-me? Porém, permaneci fechado até à noite. Quando me viu naquele estado, parecia, docemente, pedir-me desculpa. Se eu pudesse falar, diria:
- Não te preocupes, Helena, eu sei que, apesar de tudo, como livro que sou, para ti sou melhor do que chocolate.
          
         

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Impossível não falar de Saudade

José Malhoa

Do filme "Fados" de Carlos Saura
Autor: Souza do Casacão sobre um tema popular
Intérprete: Catarina Moura

Sem saudosismos!


Those were the days
Once upon a time there was a tavern
Where we used to raise a glass or two
Remember how we laughed away the hours
And think of all the great things we would do
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
For we were young and sure to have our way.
La la la la...
Then the busy years went rushing by us
We lost our starry notions on the way
If by chance I'd see you in the tavern
We'd smile at one another and we'd say
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days
La la la la...
Just tonight I stood before the tavern
Nothing seemed the way it used to be
In the glass I saw a strange reflection
Was that lonely woman really me
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days
La la la la...
Through the door there came familiar laughter
I saw your face and heard you call my name
Oh my friend we're older but no wiser
For in our hearts the dreams are still the same
Those were the days my friend
We thought they'd never end
We'd sing and dance forever and a day
We'd live the life we choose
We'd fight and never lose
Those were the days, oh yes those were the days.
La la la la...
Songwriters
GENE RASKIN
 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Falaram-me do Uruguai e fiquei com curiosidade


Joaquín Torres Garcia - pintor uruguaio (1874-1949)
Tiempo sin Tiempo
Preciso tiempo necesito ese tiempo
que otros dejan abandonado
porque les sobra o ya no saben
que hacer con él
tiempo
en blanco
en rojo
en verde
hasta en castaño oscuro
no me importa el color
cándido tiempo
que yo no puedo abrir
y cerrar
como una puerta

tiempo para mirar un árbol un farol
para andar por el filo del descanso
para pensar qué bien hoy es invierno
para morir un poco
y nacer enseguida
y para darme cuenta
y para darme cuerda
preciso tiempo el necesario para
chapotear unas horas en la vida
y para investigar por qué estoy triste
y acostumbrarme a mi esqueleto antiguo

tiempo para esconderme
en el canto de un gallo
y para reaparecer
en un relincho
y para estar al día
para estar a la noche
tiempo sin recato y sin reloj

vale decir preciso
o sea necesito
digamos me hace falta
tiempo sin tiempo.


                Mario Benedetti

Poeta, escritor e ensaísta uruguaio (1920-2009)

domingo, 21 de fevereiro de 2016

HUMANOS - QUERO É VIVER


As meninas que morreram em Oeiras.
A menina que ficou sozinha num prédio de luxo, caiu sozinha, morreu sozinha.
A violência entre casais.
As agressões a velhos. 
Os roubos.
As mentiras.
As corrupções.
A poluição.
As mortes indevidas. 
Os sonhos cortados pela base. 
 (...)
 "Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
Os Lusíadas, Canto I

36 Hours in Porto, Portugal

sábado, 20 de fevereiro de 2016

A cadeira



Kandinsky

Ontem num Museu
Visitante (voltada para as três amigas também visitantes): 
- Esta cadeira é uma réplica de uma cadeira de Kandinsky.
As três amigas não conheciam e falaram do assunto e também de Kandinsky como pintor.
Foi quando uma das visitantes se aproximou de uma vigilante:
- Boa tarde! O nome Kandinsky diz-lhe alguma coisa? Sabe se foi ele o criador do modelo daquela cadeira?
A vigilante fez sinal negativo com a cabeça. Não, esse nome não lhe dizia nada.
Logo de seguida, por iniciativa própria, pegou no intercomunicador e perguntou para a receção:
- Colegas, sabem-me dizer o nome do autor da cadeira do corredor das esculturas?
Resposta, bem audível,  do outro lado:
- Não sei, mas há dessas cadeiras na Área do Norte Shopping,
As visitantes continuaram a visita depois de agradecerem e de darem uma boa gargalhada.


Kandinsky

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Até às lágrimas



GOTA DE ÁGUA

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.


António Gedeão