sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Uma estória com números dentro



O número de chegada
Nem sei como começar: Era uma vez… Um dia… Há muitos anos… Quando eu era pequena… No tempo em que os animais não falavam mas existiam há milhões de anos…
O melhor é não aplicar nenhuma destas fórmulas e ir diretamente àquilo que quero contar. Pode ser?
Então, lá vai.
Havia um rapaz, chamado João, que não gostava de ser número um, preferindo ser sempre o segundo. Também não gostava de ocupar outros lugares mais recuados. Que mania!
Nos jogos com os seis companheiros, quando ficava em primeiro lugar, começava a chorar, amuava, zangava-se e dizia que não jogava mais. O mesmo se passava se mais do que um lhe ficasse à frente.
Ora, no tempo em que se passou esta história, vocês, adolescentes, ainda não eram  nascidos. Nem sei se os vossos pais já tinham visto a luz do dia. Talvez os vossos avós  praticassem os mesmos passatempos de João.
Depois de chegar da escola primária, se não tivessem que ajudar a família, saíam para a rua e aí brincavam até à noite ou até a fome apertar.
Os meninos corriam o arco, desciam os caminhos em carros de guias que eles próprios construíam; jogavam futebol com bolas que faziam com meias velhas; para além de maroteiras, como atirar pedras, assustando as raparigas.
Um dia, resolveram fazer um jogo, mesmo junto à casa de João, aproveitando uma pequena encosta que o inverno tinha coberto de erva macia e verde. O jogo consistia em rebolar e o que chegasse mais depressa ao fundo seria o vencedor.
Prepararam a linha de partida, deitando-se em fila, na horizontal e, quando o mais velho deu o sinal, logo começaram a descer, tentando imprimir cada vez mais velocidade.
Enquanto os outros deslizavam, João parou a meio do percurso e ficou a olhar o céu  que estava sardinhento e que levava sempre a mãe a acrescentar: “Céu sardinhento, ou chuva ou vento”.
Quando a prova terminou, todos correram encosta acima para ver o que se passava com o João que, num instante, se levantou e desatou a correr como uma lebre.
- João, João, ó João...
Quanto mais eles chamavam, mais ele corria. Parecia que seres invisíveis o empurravam.
Ouvindo a gritaria, a mãe de João veio à porta saber o que se passava, se algum deles  tinha batido no filho ou se ele tinha agredido alguém.
Que não, senhora Lurdes, ele é que de repente ficou esquisito, parou a meio do jogo e desatou a correr sem ninguém saber porque sim ou porque não. Tinham de o apanhar para saber o que se passava. Até já, senhora Lurdes.
Isto foi explicado pelo Dimas que era um pouco mais crescido e de quem as mães gostavam e a quem pediam para tomar conta dos mais pequenos e não os deixar fazer asneiras.
Os seis continuavam a correr atrás do companheiro que não parava nem parecia abrandar a correria.
De repente, João foi contra uma pedra do íngreme caminho, inclinou-se todo para a frente, vacilou e caiu estatelado no chão.
- Ó João, que te deu? Pareces tolo, Por que é que estás a fugir?
João parecia não querer responder.
- Estás mudo, ou quê?
João continuava sem nada dizer. Até que perguntou:
- Quem ganhou o jogo há bocado?
- Fui eu, disse o Leonel.
- E em segundo quem ficou, perguntou também João.
- Foi o teu primo, o António.
- Diz lá o que foi, por que é que correste tanto, como se estivesses a fugir, perguntaram alguns dos companheiros quase ao mesmo tempo.
- Eu não queria ser o primeiro e, quando parei, já ia à frente.
- Deixa-te disso que ficas maluco. Vamos começar uma corrida todos ao mesmo tempo?
- Eu não quero, já disse, gritou, um pouco alterado.
Naquele momento, a mãe de João, vindo à janela, chamou, crispada:
- Ó João, anda cá para ires a um recado.
Nisto, João começou a correr e, como se houvesse uma grelha de partida, todos o acompanharam. Quando chegaram ao largo, estava a mãe à espera de João. Para fazer a vontade à mãe, nem reparou que chegava em primeiro lugar.
Meu filho, disse a mãe, até que em fim chegaste em primeiro lugar e sem chorar nem ficar chateado. E acrescentou: “como prémio, podes continuar a brincar. Eu vou, por ti, à venda comprar o pão”.
E todos recomeçaram novas brincadeiras.
Muito perto, um grupo de meninas jogava à macaca, outro saltava às cordas, outro brincava às casinhas com bonecas.
João passou por elas, a correr o arco, caindo este, em cheio, na segunda casa do jogo da macaca.
Alicinha, naquele momento, saltava para não calcar a casa onde estava a patela. Precisamente onde caiu o arco. João ficou a olhá-lo e também Alicinha, muito bonita e ousada, pelo que era conhecida por maria-rapaz. Ela não deixava nada por dizer e logo quase cantarolou, “És um João mimalho e chorão”!
João pegou no arco e, com a guia bem colocada, logo o pôs a rolar.
E uma ideia lhe entrou na cabeça: no próximo jogo, seria o primeiro e, se não fosse, seria o segundo, ou terceiro, ou quarto ou quinto, ou sexto, ou sétimo. Que mal tinha?
Ou até o oitavo, se entrasse Alicinha e visse que ela queria ganhar.



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Fotograf(r)ias



Hoje tive de revisitar álbuns antigos de fotografias. Há imagens para as quais nem consigo olhar longamente. Ou porque trazem culpabilidades maternais (mesmo que corra tudo bem, julgo que esse sentimento é recorrente), ou porque me atiram aos olhos a irreversibilidade do tempo, ou porque me mostram pessoas amadas que partiram para sempre…
Por outro lado, também me mostram imagens de uma formosura que o espelho do tempo, que se diz presente, nunca parece evidenciar. Afinal – apetece dizer – eu não estava nada mal nesse tempo.
E uma esperança fica: que daqui a uns anos, possa dizer o mesmo.
O melhor é tentar, com o calor da crença no futuro, ficar bem na(s) fotografia(s). Para que, ao vê-las, não pareçam fotografrias.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Para o "meu" 10º ano, turma 9

Olá, meninos!

A meados de setembro, quando o ano letivo teve início, conheci-vos. Nesse dia, começaram a entrar na sala de aula e pude contar quase três dezenas de rapazes e raparigas. Vocês vinham de diferentes escolas e adivinhavam-se muitos sonhos e desejo de felizes descobertas. Tinham todos a idade de Mariana – uma menina que “escreveu” um diário neste blogue, mas que agora não tem escrito. Vá lá saber-se porquê. Se calhar, vai ter vontade de voltar a falar do seu dia a dia na escola porque, apesar de parecerem iguais, todas as aulas e dias são diferentes. Não acham?
Fazendo a chamada – agora já sei os nomes de quase todos os alunos – vi que, embora com todas as naturais diferenças, havia nomes repetidos: Mariana, Carolina, Inês, António, Pedro…
E como vocês rondam os quinze anos, entusiasmaram-se com a crónica de Miguel Esteves Cardoso sobre essa idade tão “complicada”, como vocês disseram. E estão a aderir às várias propostas – não imaginam como isso é bom para os professores – como o contrato de leitura, a “história com números dentro”…
Um dia destes, ou seja, em breve, volto a escrever-vos mais uma mensagem.
Termino com um desejo: como estivemos a ver hoje a pontuação, gostaria que me justificassem as vírgulas que utilizei. Se explicarem os outros sinais de pontuação, tanto melhor!
Um beijinho e até à próxima aula!


domingo, 5 de outubro de 2014

«LONDRES


Nos antiquários de Chelsea os livros eram um desperdício,
dir-se-ia que apenas o fogo os poderia resgatar à morte.
As lombadas descosidas onde se lia mal
 
não te convinham, apetecia-te algum sítio que o calor
ainda rasasse. Mas eu estava mais interessado
na colecção de estampas arrancadas aos manuais
 
de antes da guerra: pássaros num nicho viçoso
de aguarela, a dissecação de um coelho com legendas
sobre os órgãos. Era uma espécie de espelho
onde eu me sentia extinto, via o princípio do mau tempo subindo
 
nas pernas das mesas, interpondo a sua ferrugem
entre nós os dois. Aquele lugar era um tédio
para ti, certamente o tempo poderia ser
 
melhor empregue – mas onde? A tua direcção era incerta
no vermelho mortiço entre os candeeiros.»
 
Rui Pires Cabral, 1997: Música Antológica & Onze Cidades. Lisboa: Presença, p. 45.


Acabo de ver, no mail, este poema, enviado pela IA,
 no seu "postal de fim de semana".
O que conheço de Londres faz-me gostar desta cidade 
(visitá-la será diferente de lá morar!)
Para além disso, vive lá uma das melhores partes de mim.
 
Por isso, logo tomei a liberdade de  partilhar o texto.
Para mais é quase fim de tarde, sei que ontem choveu em Londres mas hoje esteve sol e, apesar do frio, imagino pessoas a passear "no vermelho mortiço dos candeeiro".