sábado, 22 de fevereiro de 2014

"O país está melhor"?!



“O país está melhor”?!
Desculpe, sr Passos, mas não vejo nada!
Quando o ouvi, até fiquei atrapalhada,
Ou será que estou a ver pior?

Pus os óculos que preservo
Porque não os quero partir,
E será um dinheirão
Se tiver de os substituir!

“O país está melhor”?!
Sr Passos, então passe, passe aqui quando puder;
Dê no país real uns passeios a pé
Pode trazer a D. Laura, sua mulher

Olhei o meu recibo de ordenado
Que acabei de receber:
Cada vez mais minguado
Até o voltei a ler!

“O país está melhor”?!
Cá pra mim, o sr Passos sonhou!
Diz que só há menos emprego?
Foi cantiga que alguém lhe cantou.

O sr Passos é um belo rapaz,
Mas se tivesse de comprar o passe,
Veria se era capaz
De viver em tanto impasse!

A sua voz de barítono
Não queira que passe à história,
Como parte de opereta
Que passa a cantar vitória.

Em muitas pensões não passou
A tesoura de Albuquerque e de Gaspar?
Só se a morte dos pensionistas
Quisessem antecipar!

Sr Passos, passe à ação
Palavras leva-as o vento!
Veja tanto jovem que emigrou
Porque em Portugal não tinha sustento.

O sr Passos não conhece
Porque tudo lhe passa ao lado
Mas há crianças e adolescentes que sofrem
Porque os pais não têm ordenado!

E quando o sr Passos passar
Para outro reino dourado,
Nem sequer se vai lembrar
Que o país ficou “lixado”.

“O país está melhor”?!
O sr Passos tem é sorte
Porque poucos portugueses se passam
E gerindo a crise lá vão.
Muitos estão bem, sim, senhor,
Os mais ricos e/ou da sua cor.
Mas o sr não está bom!


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Maria Teresa Horta - um nome das Correntes d' Escritas 2014

Paul Klee

Abrigo
 
Abrigo-me de ti
de mim não sei
há dias em que fujo
e que me evado

há horas em que a raiva
não sequei
nem a inveja rasguei
ou a desfaço

Há dias em que nego
e outros onde nasço

há dias só de fogo
e outros tão rasgados

Aqueles onde habito
com tantos dias vagos.

Maria Teresa Horta

Camélias ao (pouco) sol de fevereiro!


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Uma camélia na voz de uma poeta

(O poema não tem título).

uma camélia branca
em neve fundida
inundou meu coração

veio palavra feita
semeada nos meus lábios
que o teu fogo acordou

jorraram pétalas-sílabas
em arco-íris singular
onde fulge uma só cor

e num silêncio cavo
num grito partilhado
fez-se… amor

ai meu bem meu amado
morra eu ciciada
sílaba a sílaba esfolhada

no degelo deste gozo
que arde tão brando
em tão branco coração


                                                                          IA, 7 de fevereiro 2014

Isaura Afonseca escreveu
Histórias para lermos juntos e O Tesouro,
com o pseudónimo Maria Clara Miguel,
para além de outros contos e textos poéticos incluídos em diferentes publicações.

Continuarei a partilhar aqui alguns dos seus poemas.
Porque as palavras "jorra(ra)m pétalas-sílabas".




Ei-los que (também) partem!


Carta ao pai
por João Tordo, em 19.02.14
Ontem, o meu pai foi-se embora. Não foi e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos. A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira. Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar. Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós - e como todos os autores destes singelos insultos -, fez aquilo que lhe restava fazer. Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje - Carminho, Carlos do Carmo, Marisa, são incontáveis - fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música. Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha. Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar. Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora. Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.

in  http://joaotordo.blogs.sapo.pt/

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Camélias em fevereiro


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Onde vivem os poetas?


 José Miguel Silva não mora aqui, mas aqui fala-se de muita coisa e também de Ulisses:

http://poesiailimitada.blogspot.pt/2006/12/edgar-lee-masters.html

http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/jose_miguel_silva/poetas_josemi
guelsilva_amaneira01.htm





Obrigada, IAzinha, pelos links.

"E se de repente lhe oferecessem..." uns dias calmos de sol?


sábado, 15 de fevereiro de 2014

"Queixas de um utente"

 José Miguel Silva nasceu em 1969
 e faz parte da nova geração de (grandes) poetas.
Julgo que vale a pena ler "Queixas de um utente"
e ouvir A Naifa.
Queixas de um Utente  
Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.

José Miguel Silva, in 'Ulisses Já Não Mora Aqui'

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

MARESIA


Van Gogh

Aqui estou em frente ao mar. Nunca pensei chegar até cá. Há setenta e cinco anos que vivo na minha aldeia de Trás-os-Montes. Lá nasci, lá vivi sempre e é lá que gostaria de morrer.
Quando era pequena, ouvia a minha mãe dizer que, na cidade, havia um mar de gente. E também falava do mar de água que ela dizia ficar muito muito longe. Demorava tanto a dizer a palavra que parece que ainda oiço aquele eco: looooooonnnge. Falava também do grande oceano. 
Senti sempre alguma curiosidade por saber como era o mar tão grande, assim como era o mar de gente. Nunca tive tempo nem oportunidade. Casei muito nova. Tinha a família, o campo, os animais… E também montanhas com neve ou secas pelo sol que pareciam barreiras.

Há muitos anos que os meus filhos saíram da aldeia. Foram abandonando a terra, enquanto se faziam homens. Como todas as outras pessoas mais novas e com força, foram trabalhar para longe e tudo foi morrendo aos poucos. Ficaram os velhos nas casas cada vez mais velhas e escuras. A aldeia, tal como as pessoas, envelheceu. Ficámos todos mais fracos e sós.

Há muito tempo que os meus filhos queriam que eu conhecesse a cidade e que eu visse o mar. Acabei por vir, porque não gosto de dizer não aos meus filhos. Já bastou o tempo em que não lhes podia dar os brinquedos que pediam. O que valia é que gostavam das histórias que eu lhes contava. Olhava à minha volta e logo inventava um continho, como eu gostava de lhes dizer. Lembro-me da história do milho cor-de-rosa, da cereja-brinco-de-princesa, da castanha que gostava de apanhar sol, da geada endiabrada, da bola de trapos que se desfez antes de chegar à baliza…

Agora aqui estou, em frente ao mar e só me apetece olhar e ficar calada. A luz é tão forte que mantenho os olhos quase fechados. Parece que estou numa festa, porque posso descansar e ver muita gente a passear. As pessoas não parecem ter pressa. A esta hora, se eu estivesse na minha aldeia, teria de recolher o gado e dar-lhe de comer. E acender o lume. Às vezes nem reparo nas cores do pôr-do-sol. E, no entanto, há turistas que ficam na estalagem que há na aldeia, atraídos pela paisagem do fim do dia, como se fosse íman descansado para os seus olhos.
Agora que estou perto do mar, parece que oiço tudo melhor. E vejo melhor também. O cheiro é fresco e azul. Afinal estou a gostar de ter vindo.
O barulho das gaivotas é que parece agoirento. Parece que chamam ou gritam! Fazem- me lembrar uma rapariga da aldeia que decidiu emigrar. Dizia que não sabia como as pessoas podiam viver encarceradas entre montanhas que escondiam o céu. Algum tempo depois regressou. Deixou crescer os cabelos crespos e punha-se a cantar canções estranhas até de madrugada, à janela. As músicas falavam de um amor e de segredos nunca contados.

O mar é muito mais largo do que eu pensava. Faz muito barulho e as ondas, quando saltam, são mais altas do que os rochedos. A espuma parece neve no inverno da minha aldeia.
 Quando abro os olhos e vejo este mar cheio de luz, sinto-me pequenina. Parece que me cega. Lembro-me da minha terra que está muito distante. Não quero regressar por enquanto. O mar não pode ser visto a correr. É como os montes. Quem os olha só da estrada não os fica a conhecer nem os guarda na memória.

 Olho para o mar e parece que estou a ver e a ouvir a minha mãe. Ela, uma vez, ensinou-me uma palavra que tinha ouvido de uma senhora da aldeia que tinha livros que lia numa casa à beira-mar. Essa palavra era maresia. Só agora a percebi melhor.
Assim como entendi a voz antiga de minha mãe.


domingo, 9 de fevereiro de 2014

Não sou o professor Marcelo, mas…




Não sou o professor Marcelo, mas…
Hoje, li também A estrela – um conto de Vergílio Ferreira, ilustrado pelo pintor Júlio Resende e publicado pela Quetzal.
A vivacidade da narrativa leva-nos a criar cumplicidades com aquela criança que quer guardar a estrela que conseguiu obter e esconder durante algum tempo.
Muitos dos caminhos do menino e da estrela são também partilhados por personagens simbólicas e que ajudam a pensar.
Um pequeno livro, mas do qual pode ficar uma grande vontade de ler outros.