quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Quase noite de Natal


O dia tinha estado ameno, mas, com o cair da noite, as nuvens carregadas começaram a ameaçar tempestade. António, um sem-abrigo, afastou o cartão em que todas as noites dormia, assim como o cobertor escuro com que se cobria.
Se procurasse um supermercado, sempre podia entrar e proteger-se da forte chuvada que não parecia demorar muito. Viu, então, ao fundo da rua, o anúncio bem luminoso. Assim fez. Quando entrou, sentiu o quentinho de um espaço abrigado, de gente lavada e que tinha alguém com quem falar.
O dia não lhe tinha corrido muito bem. Compraria um sumo de laranja, porque o desenho do pacote fazia-lhe lembrar as laranjeiras da aldeia onde tinha vivido a infância.
Ao aproximar-se da prateleira dos sumos, passou pelos chocolates e teve uma ideia, ou melhor, uma tentação: meter seis chocolates ao bolso para oferecer na noite de Natal a seis pessoas que olhassem para ele com carinho. De repente, viu um funcionário e um adolescente junto dele. Um rapaz, tendo assistido à tentativa de roubo, chamou o funcionário que disse secamente ao sem-abrigo: tira os chocolates do bolso e volta a pô-los no lugar. E depressa.
António limitou-se a obedecer à ordem, porque já era velho e não podia correr ou fugir. E o que mais lhe custou foi ser tratado por tu. Enquanto estava a pôr os chocolates na prateleira, olhou para o rapaz que o tinha acusado. Tinha ar de quem tinha tudo e não gostava de nada nem de ninguém.
O funcionário, com ar de falso Pai Natal, disse assim: não chamo a polícia só por causa do espírito natalício. António voltou para o seu sítio habitual, também sem o sumo que queria comprar. Felizmente, a chuva já não caía.
Umas horas depois, já deitado no seu cartão, reparou que a rua estava deserta. De súbito, começou a ouvir alguém a correr. Levantou a cabeça para ver o que se passava. Era uma rapariga. Vendo o sem-abrigo, parou e perguntou-lhe se tinha visto um rapaz de cabelo claro, alto, magro, de blusão de couro… Mostrava muita aflição e disse que o irmão tinha fugido de casa porque estava farto de tudo e de todos, até dos pais que chegavam no dia seguinte para o Natal.
Pela descrição, o sem-abrigo reconheceu o jovem que o tinha denunciado no supermercado. Em poucas palavras, apontou-lhe o final da rua, onde ficava a grande superfície.
A jovem retomou a corrida em busca do irmão. Encontrou-o sentado num dos bancos do jardim. Os dois irmãos abraçaram-se e ela convenceu-o a voltar para casa e a passar o Natal em família.
No regresso, passaram pelo local onde a rapariga tinha visto o sem-abrigo. Havia o cartão, o cobertor, o saco de plástico, mas António já lá não estava.

domingo, 24 de novembro de 2013

Mar da Póvoa de Varzim - hoje


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Ao som de palavras de João Tordo


Duas fotos a preto e branco

O título poderia ser: 
Mulheres de Gondomar há 70 anos, em pausa de trabalhos domésticos e agrícolas.
A criança não demoraria a ocupar uma das cadeiras.



O que está escrito:
"Quando fizemos flores para a Missa Nova"
11.08.1940

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Flores em novembro


terça-feira, 12 de novembro de 2013

"Horto gráfico"

 Vale (sempre) a pena entrar no blogue Carruagem 23

O último post de V. O. aborda o Acordo Ortográfico (faz pensar), o "Horto gráfico" (faz rir), o Telejornal da SIC em que Miguel Sousa Tavares trocou o nome de um deputado e mostrou que, tal como todos os seres humanos, desconhece muita coisa, embora com pouca coisa esteja de acordo...

http://carruagem23.blogspot.pt/2013/11/todos-ralham-e-ninguem-tem-razao.html

Uma ideia amiga (também das histórias)



Hoje, no intervalo da manhã, a IA aproximou-se de mim com um envelope cor-de-rosa. Dentro, havia vários exemplares de uma pequena "história com um livro dentro" que há dias partilhei (O livro, o guarda-chuva e o chocolate). Fiquei feliz.
Na aula seguinte, mostrei aos alunos e li-lhes o conto. Eles repararam no papel macio e brilhante, nas cores da capa, na estória que ganhava nova vida e doçura.
A páginas tantas, um aluno chamou-me e disse-me:
- Professora, afinal, gostava de escrever uma história para o concurso. Ainda posso?
- Claro que sim, respondi eu.
E pensei (ou disse?): já ganhei o dia.
Obrigada, IA


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O livro, o guarda-chuva e o chocolate



Imagem da net

Para os meus alunos do 10º ano 
e para a DVB 


Durante duas semanas, quase não vi a luz do dia, apenas a espreitava quando  Helena abria a carteira.
Ela anda sempre com um livro e, desta vez, coube-me a mim acompanhá-la. Só que entrei na vida dela em má altura. Quero dizer: quando entrei na sua carteira. Como passo a vida às escuras, fechado, sem quase nada para dar nem receber, oiço conversas de Helena.
- Ando a ler um livro de José Rodrigues Miguéis. Tem um conto fabuloso.
E, precisamente no momento em que ia mostrar o livro, a campainha tocou e Helena foi para a aula, porque é professora e não gosta de se atrasar. Nem que seja por uma boa causa, como é falar de um livro. E, neste caso, um bom livro. Pareço vaidoso, mas estou só a elogiar quem me pensou, quem me escreveu, quem me deu vida, podendo, assim, embelezar a vida dos outros.
O tempo em que tenho mais luz é quando Helena está a dar as aulas. Ela chega à sala, pousa a carteira e deixa-a ficar aberta. Como a mesa é junto à janela, eu olho para cima e vejo as nuvens, a palmeira do jardim, as árvores com as folhas pintadas do vermelho de outono… Uma vez até vi um arco-íris, numa aula em que os alunos estavam a fazer teste e mal se ouviam.
Uns dias depois, ouvi Helena dizer:
- Com tantos testes para corrigir nem há tempo para ler.
E eu logo pensei: pronto, já sei, mais uns dias nesta escuridão. É como se viajasse no porão de um avião, no meio de malas e outras mercadorias, sem ver os passageiros. O que vejo à minha volta é uma agenda, uma fatura da água, um chocolate que já vai a meio, um porta-moedas…
Um dia, Helena entrou na Escola à pressa, porque já tinha tocado para dentro, e pôs o guarda-chuva molhado dentro da carteira, indo encostar-se mesmo ao meu rosto, isto é, à minha capa. Enregelei, senti alguma raiva e apetecia-me gritar:
- Helena, atiras o guarda-chuva para dentro da carteira e esqueces-te de quem está aqui! Eu podia dizer “do que” está aqui, mas acho que posso dizer “quem”, porque sinto-me humano, falo da vida mais profunda das pessoas, ajudo-as a pensar, a sentirem-se valorizadas… Mas a minha fala é diferente. Eu comunico em silêncio e só para quem me lê ou escuta através da voz de alguém.
Nesse dia de inverno, mas de muito calor na sala de aula, Helena pousou a carteira, sem a abrir. O guarda-chuva humedecia o meu corpo, isto é, as minhas páginas e o chocolate, que já estava a meio, começou a derreter e sujou-me todo.
A aula parecia interminável. Eu queria que Helena me tirasse daquele mundo de cheiros húmidos e viscosos. Ouvia perguntas, respostas, Helena a recordar que se diz “folhear” e não “desfolhar” um livro. E eu a pensar: estou feito, vou ser desfolhado sem haver tempo para ser folheado!
Nisto, tocou para fora. Que alívio, pensei, Helena poderia libertar-me. Porém, permaneci fechado até à noite. Quando me viu naquele estado, parecia, docemente, pedir-me desculpa. Se eu pudesse falar, diria:
- Não te preocupes, Helena, eu sei que, apesar de tudo, como livro que sou, para ti sou melhor do que chocolate.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Outono em Boston