sábado, 25 de maio de 2013

Bocejar e espreguiçar-se nas aulas



Alguns alunos do Ensino Secundário bocejam e espreguiçam-se nas aulas. Se tal acontecesse só nas minhas, eu ficaria ainda mais preocupada, mas julgo que não é, a avaliar pelas conversas que os professores vão tendo uns com os outros. 
Se a aula é às 8.30, estão com sono porque tiveram de se levantar cedo; se é ao meio-dia, estão com fome e já cansados; se é às dez horas, não percebem o trabalho porque tiveram teste e não houve tempo de fazer o tê pê cê…
Claro que nem todos os alunos são assim. E o que é certo é que, nos casos que conheço, os horários escolares são bons, ocupando apenas a manhã.
Querendo ser otimista, acredito que o tempo irá fazer com que estes jovens mudem de atitude; sendo mais realista, interrogo-me sobre os caminhos que estão a ser preparados e seguidos.
Quando tomam conhecimento da falta de estudo dos seus filhos, os pais mostram quase sempre preocupação e com a mesma expressão concluem que não conseguem influenciá-los, no sentido de se interessarem mais e de terem comportamentos adequados.
Ah, e os que bocejam e que se espreguiçam nas aulas também sacodem a mão de cansaço quando escrevem mais do que cinco linhas.
Claro que não são todos assim, mas por causa deles os heróis são menos heróis. Ou mais ainda?

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Azul, azul, azul!




domingo, 19 de maio de 2013

Quatro poemas de Manuel Gusmão

um risco na página
um gesto furtivo
um movimento
de queda
na sombra
da sombra
de um corpo, uma boca: 

alguém chama — palavras contra
o sentido, contra a direcção
do vento

***
O rio divide-te entre
as margens montanhosas
pelas pedras
que saltando
vais de
onde vens
rosto de quem
uma borboleta
brilha na claridade
do súbito assombro.

***
a lagartixa
o pequeno sáurio
miniatura sobrevivente
de uma adaga pré-histórica
deixa cortada
e de si separada
a cauda, a lâmina em movimento
que fica para trás e deixa fugir
o tronco e os seus velocíssimos
dois pares de pés.

***
o comboio de corda
cruza o sítio de partida
e fecha um dos zeros
do ∞ deitado no mapa
celeste
e se leste
até ao fim o seu movimento
viste-o fechar o outro zero
e caíste infinitamente
na terra finita.


Manuel Gusmão
[in Pequeno Tratado das Figuras, Assírio & Alvim, 2013]

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Poesia Vai


 Júlio Resende


 A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?»    E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —


Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde", 1974


Nota:
Peço desculpa  porque o título do poema estava errado: "A Poesia vai acabar".
 Obrigada, IA, pela atenção. Como dizes, realmente, nada acontece por acaso. A gaffe deve querer dizer, por certo, que a Poesia vai... continuar!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Não tem escolha

 
Imagem da net


A ele não valia a pena perguntarem-lhe o que queria ser quando fosse grande. A resposta, quisesse ele ou não quisesse, só podia ser uma:
— Rei.
Tinha de ser. Pois se ele era príncipe, filho único de um senhor rei, que outra coisa, profissão ou destino podia caber nos seus projetos de futuro?
Pensando nisto, o príncipe, que não tinha vontade nenhuma de ocupar o trono dos seus antepassados, entristecia.
Uma vez, ouvira o jardineiro dos jardins reais queixar-se:
— O meu filho, que eu gostava tanto que fosse jardineiro como eu, diz que não tem vocação para a jardinagem.
Se ele dissesse o mesmo (isto é, o equivalente!), o que é que aconteceria? Encheu--se de coragem e disse. O rei, que era um homem compreensivo, respondeu-lhe:
— Meu filho, eu, quando tinha a tua idade, queria ser arquiteto, mas o teu avô deixou-me esta obrigação, o que havia eu de fazer?
Por sinal que era um rei muito dado a construções. Se queriam vê-lo feliz, mostrassem-lhe projetos de obras públicas, hospitais, escolas, novas cidades. O rei ficava encantado, dava opiniões, discutia com os arquitetos e os engenheiros como se fosse um deles.
— Se não tivesses de ser rei, o que é que gostarias de ser, quando fosses crescido? — perguntou o rei ao príncipe.
— Gostava de ser veterinário — respondeu o príncipe.
— Não vai ser fácil. Um rei veterinário não é muito comum. Há casos de reis--soldados, de reis-marinheiros, de reis-músicos, mas de reis-veterinários não tenho ideia. No entanto, vou pensar no assunto.
Era um bom pai e um bom rei. Em segredo, começou a projetar um grande jardim zoológico. Desenhou tudo muito bem desenhado, como se fosse um arquiteto. Quando tinha a obra toda projetada, estendeu os rolos dos projetos diante dos olhos do filho e disse-lhe:
— Ficam ao teu cuidado, para que tu construas o jardim, quando fores rei.
— Mas o pai podia mandar construir agora — disse o príncipe.
— Quero que fique à tua responsabilidade. Quando eu morrer, deixo-te o reino e estes projetos, para que te ocupes deles.
Assim sucedeu. O príncipe tornou-se rei. Não tinha alternativa. Uma vez coroado, dedicou-se com entusiasmo aos trabalhos de governação. Mas com mais entusiasmo se dedicou a levantar o jardim zoológico, que, uma vez pronto, maravilhou o mundo.
Ao jardim deu o nome do senhor rei seu pai, que tinha querido ser arquiteto.

António Torrado
www.historiadodia.pt

terça-feira, 14 de maio de 2013

Amor como em Casa


Amadeu Souza Cardoso

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. 

Faço de conta que não é nada comigo. 
Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.


Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

domingo, 12 de maio de 2013

"Os Cofres das Histórias"



Já me habituei a receber, semanalmente, com curiosa alegria, as histórias em português e em francês dos Contadores de histórias e que partilho, muitas vezes, neste meu blog.

Contactei, pela primeira vez, há uns cinco anos, com este trabalho fantástico de divulgação de histórias. Fi-lo através de ações de formação que frequentei, dinamizadas pela Professora Maria do Rosário Pontes, na Faculdade de Letras do Porto.

Recordo os títulos das Ações: Gostas de ler? Eu também não!
 Livros: Caminhos de Paz.

Estas Ações marcaram-me pelas descobertas que fiz através de (quase sempre) pequenas histórias: é possível aprender/ensinar a gostar de ler, a pensar sobre valores humanos essenciais, a ser cativado pelo formato; a olhar para as pessoas e para as coisas de forma mais despojada e atenta, a encontrar também motivos para a escrita e outras leituras…

Os Contadores de Histórias  -  es@contadoresdehistorias.com -  enviam os contos para diferentes continentes e em diferentes línguas: português, francês, inglês, espanhol e alemão.

O grupo dinamizador dedica-se, sem protagonismos, ao trabalho de seleção de textos, tradução, adaptação, ilustração, formatação e envio das histórias por e-mail.
Basta enviar o endereço e todos podem receber as histórias nas línguas que forem indicadas.

Num mundo em que diariamente abundam os maus exemplos, felizmente existem oásis para não perdermos a esperança de que é possível tornar o mundo melhor e mais belo.




Poema em P

Dois dos muitos textos dos Cofres 
de Contos do Clube das histórias
(para todas as idades)
POEMA EM P
A Paula
pede a paz.

Os pardais
os peixes
os pandas
as plantas
as pedras
pedem a paz.

Os palhaços
os polícias
os pintores
os padeiros
os poetas
pedem a paz.

Os prédios
as praias
os pastos
as pontes
as piscinas
pedem a paz.

O planeta
pede a paz.

Políticos,
não ponham na panela
a pomba da paz.

Luísa Ducla Soares