sexta-feira, 14 de setembro de 2012
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
LISBOA
No bairro de Alfama os carros eléctricos amarelos chiavam nas
subidas.
Ali havia duas prisões. Uma era para ladrões
que acenavam através das grades.
Gritavam, queriam ser fotografados.
"Mas aqui", disse o guarda-freio com um risinho de hesitação,
"aqui estão ois políticos". Olhei para a fachada, a fachada, a fachada,
e no último andar, a uma janela, vi um homem
com um binóculo a olhar para o mar.
Roupa que fora lavada secava pendurada ao sol. As pedras dos
muros estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde, perguntei a uma senhora de Lisboa:
"Aquilo era mesmo verdade ou fui eu que sonhei?"
Tomas Transtromer
http://www.livrariapoetria.com/livro.php?m=2&l=2704
O PAPAGAIO QUE DIZIA “AMO-TE”
Talvez
por ser órfã de mãe e por o seu pai estar sempre fora de casa, Beatriz
crescera triste e solitária. Na escola, chamavam-lhe “Beatriste”,
porque se sentava sempre sozinha e não queria brincar com os colegas.
Em casa, depois de feitos os deveres, metia-se no quarto e lia até adormecer.
Beatriz
tinha um pesadelo frequente: estava numa ilha deserta e não avistava
nenhum barco. À noite, tinha frio e, de dia, fome e sede, pois o único
alimento que havia na ilha era o coco. Ao acordar, Beatriz dizia para
consigo: “Afinal, a minha vida é igual à do meu pesadelo”.
Não tinha amigos e os dias sucediam-se sem sentido, uns atrás dos outros, como cocos a cair de palmeiras.
Como
dormia mal de noite, Beatriz acordava com sono e com poucas forças
para falar com o pai. Este via o noticiário e saía logo a correr para o
escritório, onde ficava a trabalhar até muito tarde. Quando voltava,
já Beatriz estava a dormir, ou melhor, acordada, na sua ilha deserta
cheia de coqueiros.
A
menina interrogava-se se o pai gostaria mesmo dela ou se viera a este
mundo por acaso, já que ele nunca a abraçava, beijava ou dirigia
palavras de carinho. As conversas com ele eram sempre do género:
— Beatriz, não te esqueças, como ontem, do caderno dos deveres.
— Sim, papá.
— Já puseste o lanche na pasta?
— Sim, papá.
— Não atravesses a rua com o sinal vermelho ou amarelo!
— Sim, papá.
As
trocas de palavras entre ambos não passavam disto, porque o pai, se
calhar, era tão tímido como ela. Talvez ele também vivesse numa ilha,
que barco algum jamais visitava…
******
Contudo, numa segunda-feira de manhã, aconteceu algo extraordinário que mudaria para sempre a vida de Beatriz.
Ainda
não bem desperta, a menina teve a impressão de estar a ser observada.
Todavia, ao abrir os olhos, viu que não havia ninguém no quarto. Nem se
ouvia sequer o barulho da televisão, sinal de que o pai já tinha saído
e lhe deixara o pequeno-almoço em cima da mesa.
Mas,
quando olhou para a janela, Beatriz viu um papagaio grande e verde,
pousado nas cordas do estendal. A ave olhava para ela de esguelha.
Recuperada do susto, a menina perguntou-se de onde teria vindo aquele
papagaio e o que faria ali, a espiá-la. Cheia de curiosidade, saltou da
cama e abriu a janela para o ver melhor.
— Papagaio, pequenino, vem cá! — chamou-o em voz baixa, para não o assustar.
Tinha certamente escapado da casa de algum vizinho, pois logo respondeu ao convite de Beatriz, acercando-se dela.
— Perdeste-te? — perguntou a menina. — Vens de alguma ilha longínqua, cheia de palmeiras?
A
ave pousou no braço de Beatriz, que a princípio se assustou. Porém,
quando viu que o papagaio não a picava e que queria ser seu amigo,
pô-lo no seu quarto, onde colocou um copo de água e um prato com
migalhas de pão. Em seguida, saiu para a escola, muito feliz.
******
Ao
meio-dia, telefonou ao pai para lhe contar o que se tinha passado e
para lhe pedir que a deixasse ficar com o papagaio. Ia chamar-lhe
Tequilha porque imaginava que ele tinha vindo de um país longínquo onde
bebiam esse licor.
O
pai falava pouco mas era muito atento. Por isso, quando Beatriz voltou
da escola, já encontrou Tequilha instalado numa gaiola dourada, com o
comedouro cheio de sementes de girassol.
— Olá! — cumprimentou-a, na sua voz estridente.
— Sabes falar! — exclamou a menina, admirada. — Ora vê se consegues dizer o meu nome: Beatriz, Beatriz, Beatriz…
Tequilha
seguia atentamente a lição e movia o bico, mas não conseguia repetir o
nome. Beatriz, que lera que os papagaios e os periquitos têm muita
facilidade em pronunciar o “t”, disse-lhe:
— Chama-me então Beatriste, como fazem na escola. Beatriste, Beatriste…
Nem precisou de o repetir pela terceira vez, porque o papagaio logo exclamou:
— Beatriste!
A
dona, orgulhosa, pulou de alegria. Depois de um dia tão bonito e
emocionante, e logo após a empregada lhe ter servido o jantar, Beatriz
deitou-se e adormeceu, cansada. Quando a luz da manhã a acordou,
Tequilha estava a descascar uma semente, que segurava com uma pata.
— Bom dia, Tequilha! Não cumprimentas a tua Beatriste?
O papagaio acabou de descascar a semente, comeu-a com prazer e bradou:
— Amo-te!
Quando
ouviu isto, Beatriz não conteve um grito de emoção. Depois, pensou que
não era normal que o papagaio tivesse dito uma expressão típica de um
galã de telenovelas. Será que vira muitas ou teria pertencido a algum
par de recém-casados?
Podia ser apenas uma casualidade. Os papagaios brincam com as palavras que vão ouvindo e, por vezes, dizem coisas com sentido.
“Deve ser isso”, pensou Beatriz.
Contudo, na manhã do dia seguinte, Tequilha acordou-a com uma saudação igual:
— Amo-te!
— Quem te ensinou isso? — disse Beatriz. — Só os adultos usam essa palavra.
Como
os papagaios falam, mas não conversam, Tequilha continuou a olhar para
a sua dona e amiga com grande interesse, sem, contudo, dizer mais
nada. Depois descascou outra semente.
Quando
na quinta-feira, logo de manhã, o papagaio voltou a exclamar “Amo-te”,
Beatriz resolveu investigar. Era estranho que as declarações de amor
do papagaio só ocorressem de manhã. Quer de tarde quer à noite,
Tequilha só dizia “Olá!”, “Beatriste” ou “Caramba!”.
******
Sabendo
que o pai ainda estava a tomar o pequeno-almoço, Beatriz correu a
expor‑lhe o mistério. Mas o pai, muito vermelho e quase a engasgar-se,
nada respondeu. Levantou-se, apressado, despediu-se da filha com um
beijo e saiu de casa com a pasta.
De
repente, Beatriz compreendeu o que acontecera e teve vontade de
chorar. Só que de felicidade, desta vez! É que Tequilha repetia, cada
manhã, o que o pai de Beatriz lhe dizia à noite, quando ela já dormia.
******
Agora reflete…
O Afeto
“O amor é a cura de todos os males”.
Leonard Cohen
Os
sábios da Índia dizem que, quando olhamos para o mundo, o colorimos
com as nossas próprias cores. Por isso, se olharmos os outros com ódio
ou desconfiança, iremos receber ódio e desconfiança. Pelo contrário, se
os virmos com amor, viveremos sempre rodeados de carinho.
E tu, como preferes viver?
Há
quem tenha vergonha de expressar os seus sentimentos, mas isso não
significa que não gostem de nós. Muitas vezes basta que lhes mostremos o
nosso amor (com palavras amáveis, com um beijo, com um presente
inesperado…) para nos abrirem o coração.
Se
te custa dar carinho a alguém de quem gostas, imagina que o mundo vai
acabar amanhã. O que farias hoje? Certamente correrias a abraçar os
teus pais, irmãos e amigos. Dir-lhes-ias o quanto gostas deles, e
falarias dos bons momentos que passaram juntos… Para fazeres isso, não é
preciso esperar pelo fim do mundo! Podes começar hoje mesmo a dar-lhes
afeto… mesmo que seja à tua maneira!
Mostra o teu carinho
Há muitas maneiras engraçadas e originais de demonstrar amor a quem te rodeia. Eis algumas:
a) Escrever um lindo poema no frigorífico com letras magnéticas.
b) Colocar um desenho muito alegre e bem colorido no seu quarto.
c) Compor uma canção para ele/a.
d) Oferecer-lhe um trabalho manual feito por ti.
Etc., etc.,…
Dr. Eduard Estivill; Montse Domènech
Cuentos para crecer: Historias mágicas para educar con valores
Barcelona: Editorial Planeta, 2006
(Tradução e adaptação)
s
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Uma boa mensagem!
Como tenho dito nos últimos dias, a minha relação com a minha Seguradora, após ter tido um acidente (violento choque na traseira do meu carro) não tem sido boa.
Sou cliente há muitos anos da mesma Seguradora e sempre fui cumpridora. Também não tenho dado prejuízo. Esperava, por isso, em caso de acidente, ter uma melhor assistência.
Às vezes parece um pesadelo. Já não bastava ter tido o acidente e recebo várias vezes ao dia mensagens sobre a possiblidade de ter de entregar o carro de substituição, estando implícito que tal acontece porque a reparação do carro não se efetua numa das oficinas ligadas à Seguradora.
Será injusto generalizar, mas a experiência que estou a ter diz-me que as Seguradoras querem receber sempre a tempo e horas mas, se há problemas, tentam descartar-se o mais possível.
Também neste setor se parte do princípio que o cliente é corrupto e aproveitador das situações.
Pois bem, após troca de e-mails e mensagens com muitos sublinhados, resolvi, ontem, mandar um e-mail mais amistoso, dizendo que esta situação de instabilidade quanto a ter ou não carro de substuição me estava a provocar desgaste e talvez também na minha interlocutora.
Não sei se foi também por me ter posto no papel do outro que recebi, hoje logo pela manhã, uma mensagem: o prazo de utilização da viatura de substuição foi prorrogado por uma semana!
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Mais devagar, Songogolo!
Há muito barulho em casa. Uzuti, o bebé, chora, Adelaide grita:
— Mongi, devolve-me a minha caneta amarela!
Na casa ao lado, o cão ladra para um transeunte. A mãe zanga-se:
─ Vem já aqui, Malusi!
Malusi
gosta de andar devagar. Canta um pouco enquanto veste a blusa. Brinca
um pouco enquanto calça as sapatilhas. As sapatilhas muito velhas.
Quando eram novas, eram de Mongi. Agora, estão cheias de buracos e
pertencem a Malusi. O cão do Sr. Motiki continua a ladrar. Malusi
interroga-se:
─ Quem será que vem aí tão devagar? Só pode ser uma pessoa idosa.
O
cão deixa de ladrar e começa a abanar a cauda. A senhora de idade que
se aproxima pára de vez em quando, apoiada na bengala. É Gogo, a avó de
Malusi. Gogo é idosa, mas a sua pele brilha como uma maçã. As mãos são
grandes e gastas pelo trabalho, mas têm um toque suave. Apoia as mãos
nos ombros de Malusi e diz-lhe:
─ Hoje preciso de ti.
Malusi cala-se e ouve com atenção.
─ Tenho de fazer compras na cidade e não gosto nada do trânsito e dos semáforos.
A mãe diz:
─ O Malusi vai contigo. Já é um homenzinho.
Malusi
gosta de andar devagar. Anda um pouco e pára, para dar um pontapé numa
lata de cerveja velha. Pang! A lata rola pelo passeio abaixo. Atrás
dele, Gogo caminha devagar.
─ Ai, ai ─ suspira a avó.
Está
já sem fôlego quando chegam à paragem de autocarro. Malusi dá um
último pontapé na lata e esta aterra na rua. Quando chega o autocarro, a
lata é esmagada e Malusi ri-se.
─ Deixa-te de risotas e ajuda-me a subir para o autocarro ─ ralha Gogo.
Malusi nem sabe o que fazer: será que deve empurrar ou puxar a avó? Esta apercebe-se do seu olhar preocupado e sorri.
─ Segura a minha bengala, Malusi. Sou velha demais para dar pontapés numa lata, mas ainda consigo subir para um autocarro.
O
autocarro vai cheio. Só há lugar de pé. Malusi fica junto de Gogo. A
avó vestiu o seu melhor vestido, cheio de cores, que o neto conta:
vermelho, verde, rosa, preto, azul, amarelo e laranja. O autocarro pára
e algumas pessoas descem. Avó e neto encontram lugar junto de uma
janela.
─ Olha! Vê como aqueles carros vão depressa!
Malusi sabe tudo sobre carros. Conhece todas as marcas e vai-as dizendo a Gogo:
─ Volkswagen… Ford… Morris…
Gogo sente orgulho do neto, que não se cala até chegarem à cidade. De repente, ei-los na rua principal, barulhenta e animada.
─ Tanta gente! ─ exclama Gogo.
A multidão adensa-se em torno deles.
Malusi
caminha diante da avó e vai esperando por ela. Repara como parece mais
velha, agora que está na cidade. Às vezes, enquanto espera por ela,
vai olhando para as montras das lojas. Pára diante de uma loja de
brinquedos. Olha só, um Volkswagen pequenino! Em seguida, chama-lhe a
atenção uma sapataria. Vejam só! Sapatilhas! Malusi olha para as suas
velhas sapatilhas e depois contempla as novas da montra. São vermelhas e
têm riscas brancas de lado.
─ Para onde estás a olhar? ─ pergunta Gogo, que chega finalmente junto do neto.
─ Olha, Gogo! ─ diz Malusi. ─ Sapatilhas vermelhas! Não são bonitas?
Gogo olha para as sapatilhas e depois vê as sapatilhas velhas do neto.
─ São, pois! ─ comenta.
Têm de atravessar a rua para ir até aos grandes armazéns.
─ Lá está aquele homenzinho verde! ─ exclama Malusi.
Gogo
parece preocupada. O neto pega-lhe na mão e guia-a pela passadeira até
ao outro lado da rua. Quando chegam ao outro lado, o semáforo muda e
passa a vermelho.
─ Ai! ─ lamenta-se Gogo. ─ Estas mudanças constantes afligem-me.
Nos
grandes armazéns, Gogo olha para a lista de compras que fez. Tem de
comprar alguns artigos de mercearia, uma toalha de plástico nova, uma
chávena e um frasco para pôr os feijões. É tudo tão caro! Gogo guarda o
dinheiro numa pequena bolsa, que traz presa com um alfinete ao
interior da sua manga. Aí está sempre segura.
São
horas de regressar à rua barulhenta. O semáforo está verde e avó e
neto apressam-se a atravessar. Passam pela florista e pela loja de
roupas. E lá está a sapataria com as sapatilhas novas! Malusi cola a
cara à montra para as ver pela última vez.
─ Anda daí, Songolo! ─ chama Gogo.
Songololo
é o nome especial que Gogo dá ao neto. Mas, em vez de passar diante da
loja, Gogo entra. Malusi olha para os sapatos da avó. Parecem os pneus
velhos de um carro.
─ Quanto custam as sapatilhas vermelhas da montra? ─ pergunta Gogo.
O vendedor responde e Gogo pede:
─ Pode ver se servem a este rapaz?
Malusi tira as sapatilhas velhas e enfia os pés nas novas, com todo o cuidado. O homem apalpa os dedos dos pés do rapaz.
─ Servem-lhe perfeitamente ─ diz.
Malusi sente-se tão feliz que mal se segura quieto. Olha para a avó e sorri.
Gogo
tira as notas da bolsa e conta-as. Depois, diz ao neto que leve as
sapatilhas já calçadas, e o vendedor põe as velhas na caixa nova.
Quando começa a andar depressa, cheio de orgulho, a avó avisa Songololo:
─ Vai mais devagar!
Na paragem do autocarro, Gogo senta-se e descansa.
Malusi senta-se junto dela, com os pés em cima do banco, para poder admirar as sapatilhas novas.
─ Sabes, Gogo, ─ diz com ternura ─ são mesmo muito bonitas!
Gogo olha para os seus sapatos velhos e diz:
─ Tens razão. Se eu tivesse umas sapatilhas vermelhas com riscas brancas de lado, talvez caminhasse tão depressa como tu!
Niki Daly
Not so Fast, Songololo
London, Frances Lincoln Ltd, 2001
(Tradução e adaptação)
terça-feira, 4 de setembro de 2012
"Procura-se..."
Este é um título enviado pelo Museu de Serralves, com vista à organização de uma exposição de obras de Julião Sarmento.
Se a intenção era publicitar o evento, a ideia é simples e excelente.
Se o quadro é, de facto, procurado, comunico que, quanto a mim, não o vi nem o tenho (não me importava nada de ter)!!!
O jornal posso arranjar, o candeeiro também, as figuras geométricas também as poderia alinhar.
Ah, também felizmente tenho as minhas mãos. Que seguram no jornal, que apagam e acendem a luz, que desenham no papel, mas que nunca seguraram este quadro.
E, sobretudo, nunca o saberiam pintar nem reunir tantas sugestões.
Também existe o olhar. Presente enquanto ausente.
Nada disto é ficção
Na passada 5ª f, dia 30 de agosto, tive, como referi no último post, um acidente. Felizmente não estava habituada a estas coisas nem ninguém se feriu.
Para se tratar destes assuntos, perde-se um tempo incrível em contactos telefónicos, em explicações dos factos. Quem sofre o acidente parece ficar numa situação de pedir favores porque, do outro lado, acenam com palavras frias e certeiras iniciadas, neste caso, por D. Maria, ...
Logo após o acidente, houve ligação para o número fornecido pela Seguradora, sendo comunicada a ocorrência e perguntando-se o que fazer. Do outro lado, apenas quiseram saber qual a Oficina para onde deveria ir o carro depois de rebocado. Assim se fez.
Posteriormente, já com o veículo na oficina, foi comunicado que os dias de utilização de carro de substituição serão reduzidos, porque o carro acidentado não foi conduzido para oficina proposta pela Seguradora.
Perguntei se se pode ser penalizado por não utilização de um serviço que não é divulgado aquando de um acidente. Para além disso, já mostrei a intenção de mudar de Seguradora (tenho Fidelidade Mundial), mas já me avisaram que é sempre assim.
Tal como disse Miguel Sousa Tavares numa das últimas crónicas no Expresso, "estamos indefesos".
E o pior é que nada disto é ficção.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
"Mulheres ao volante"
Hoje, seguia na estrada com uma das minhas filhas e uma carrinha em grande velocidade embateu contra a traseira do meu carro. Por outras palavras, tive um acidente. O choque foi de tal modo violento que ambos os carros tiveram de ser rebocados, embora, felizmente, ninguém tenha ficado ferido.
Após o embate, logo que saímos do automóvel, o outro condutor, que logo depois se deu como culpado, reagiu:
- Se calhar, vinham a falar ao telefone!
Por acaso nem telefone tínhamos connosco, o que, na verdade, fez bastante falta para resolver os problemas burocráticos.
Quando chegou o reboque, ao preencher o documento, o motorista perguntou:
- Sabe o seu número de telefone?
Já na Companhia Seguradora, o funcionário, depois de ter verificado a descrição da ocorrência, exclamou sorridente:
- Pois vamos ver então. A solução que tenho para vocês é espetacular.
Sem pretender ser feminista, interrogo-me: se fossem homens, o discurso seria o mesmo?
Nota - Vou sugerir às minhas filhas, ao jantar, brindarmos por não nos termos magoado. Também brindaremos a um homem que passou e tentou prestar ajuda, partilhando o que sabia sobre estas situações.
Ou seria apenas por ver "mulheres ao volante"?!
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quarta-feira, 29 de agosto de 2012
terça-feira, 28 de agosto de 2012
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
domingo, 26 de agosto de 2012
Ela quer ser minha amiga?
Vivia sozinha e mudou-se para um andar. Uma vizinha, que estava quase sempre só durante o dia, reparou nela e nos hábitos que parecia ter. A nova residente regressava do trabalho ao fim da tarde e saía de novo para andar a pé.
Não raras vezes era seguida pelo olhar da vizinha que começou a pensar que seria uma boa companhia para as suas caminhadas. Poderiam falar de tudo e mais alguma coisa. Seria uma oportunidade de conhecer algo mais da vida de alguns vizinhos.
Um dia, viu-a sair do salão de cabeleireiro que havia no prédio. Nem mais. Quando chegou a casa, marcou o número e lá veio o habitual: Salão Sandra Martins, boa tarde. Depois de saber se Sandra estava melhor da entorse, de falar do tempo dos últimos dois dias, perguntou se já conhecia a nova vizinha do prédio. Como ouviu que sim, disse: Ó Sandrinha, pode então fazer-me um favor? Quando ela for arranjar o cabelo, pergunte-lhe se ela quer ser minha amiga.
Sandra quase deixava cair o secador. Nenhuma delas tinha facebook.
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
La poule du bonheur
Comprei, há muitos anos, numa loja de produtos da América do sul, perto do Louvre, em Paris, uma pequena galinha de loiça.
Sempre que olho para aquele objeto, lembro-me da pronúncia da vendedora: la pula du bonharrrre.
Eu estava com a minha irmã e ambas ficámos seduzidas pela pronúncia e pelo modo carinhoso de vender. Parecia que se trouxéssemos aquela pequena galinha branca de crista vermelha e cauda em leque, também traríamos felicidade naquele embrulhinho bem seguro para que em viagem nada se partisse.
A galinha continua intacta. O que vai mudando é o conceito de felicidade. Muitos objetos são importantes mas, por si só, não conseguem resgatá-la, embora convoquem momentos felizes, o que é muito importante. Como la poule du bonheur.
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
Nas ondas da praia...
Hoje a manhã cheirava a hortelã
Levantou-se cedo. Queria tratar das plantas. Havia neblina fresca que sentia nos braços nus.
Começou a podar uns ramos, a cortar outros, a mudar uns vasos para que as flores sentissem mais aconchego e o olhar também.
Ia passando no cantinho das aromáticas e o aroma fazia-se sentir. Sobretudo a hortelã.
Não sei se era da hortelã se era da paz tranquila da manhã-
Alexandre e os seus amigos do deserto
Alexandre
vivia numa casinha de adobe à beira da estrada perdida no meio do
deserto. Ao lado, havia um poço e uma hélice movida a vento. Alexandre e
o seu único companheiro, um burrico, dispunham assim de toda a água de
que precisavam. Naquele lugar afastado do mundo, Alexandre acolhia de
boa vontade quem ali parasse para se refrescar. Mas os visitantes eram
raros e iam-se logo embora.
Alexandre
sentia-se muito só. Para ocupar os momentos de solidão, decidiu fazer
um jardim. Semeou cenouras, feijões e grandes cebolas roxas, tomates e
milho, melões, abóboras e pimentos vermelhos. Logo de manhã cedo e
durante horas, Alexandre trabalhava no seu jardim. Gostava sobretudo de
o ver crescer, antes do calor do deserto apertar e o obrigar a
refugiar-se em casa.
Os
dias passavam lentamente, sem qualquer novidade, até que uma bela
manhã foi surpreendido pela chegada de um visitante. Um esquilo surgiu
do silêncio e avançou, lentamente, pé ante pé. Ao vê-lo aproximar-se do
jardim, Alex ficou imóvel. O esquilo escapou-se para um rego onde
matou a sede e depois desapareceu. Nesse instante, Alexandre deu-se
conta de que tinha esquecido a sua solidão, e passou a ficar à espera
que o esquilo regressasse.
O
esquilo voltou muitas mais vezes e sempre com novos companheiros:
ratos de pescoço branco, os geomis da montanha, grandes lebres, ratos
cangurus do Texas e ratinhos de bolsa de Bailey. Também vieram muitos
pássaros visitar o jardim de Alex: os cucos corredores da Califórnia,
os picanços de Gila e os tordos dos remedos de bico curvo. Os
trogloditas de cabeça castanha, os pardais de artemísia, de olhos
orlados de branco, as pombas da Carolina e ainda muitos mais, que
pousavam nos ramos da alfarrobeira, ou descansavam nos catos sanguaro,
antes de saciaram rapidamente a sua sede, ao cair da noite. Por vezes,
até uma velha tartaruga atravessava lentamente o jardim.
Alex
sentia que, assim, o tempo passava mais depressa, porque a cada
instante se distraía com um novo visitante. Já não estava só, mas
interrogava-se se isso seria de facto o mais importante.
Depressa
percebeu que os visitantes não vinham procurar um amigo, mas vinham
simplesmente à procura de água. E Alex pensou em todos os outros
animais do deserto… o coiote e a raposa cinzenta, os linces ruivos, as
mofetas, os texugos, os pecaris (os porcos monteses da América do Sul),
os veados, a corça e os cabritos monteses. Encontrar água para todos
não era problema. Com o dínamo e o poço, Alex podia fornecer muita
água. Mas tinha de descobrir um meio de todos poderem usufruir dela.
Alex
resolveu fazer um reservatório. Sem perder tempo, começou a escavar.
Foi uma tarefa cansativa, que durou vários dias, sob um sol escaldante.
Mas encheu-se de coragem ao pensar que podia ajudar tantos hóspedes
sequiosos. Restava agora esperar pela chegada dos animais corpulentos.
Alex andava de um lado para o outro, como era costume, dava de comer ao
burrico, tratava do jardim… Os dias passavam e nada de novo acontecia.
Alex tinha esperança, mas passavam semanas e semanas e tudo continuava
calmo. Porque é que os animais não vinham? Alguma coisa devia estar
errada!
Depressa
se desvendou o mistério. Uma manhã, uma mofeta aventurou-se a chegar
perto da poça de água. Mas, mal viu Alex, fugiu para o silvado. Como é
que ele não tinha pensado nisso? Era preciso mudar a poça de água de
lugar o mais depressa possível. Alex começou a cavar num lugar mais
afastado, escondido atrás de um silvado. Acabada a obra, escondeu-se
ali perto e esperou. Será que viriam? E desta vez não ficou desiludido!
Uns
atrás dos outros, tímida e furtivamente, os animais saíram do deserto.
Como a nova poça ficava um pouco afastada da casa e da estrada, os
animais não tinham medo. Alex tinha muitas provas disso: a chilreada
dos pássaros ao cair da tarde, o sussurro da alfarrobeira na calada da
noite, traindo a presença de um coiote, de um texugo ou talvez de uma
raposa cinzenta, o passo leve de um veado, os grunhidos dos pecaris.
E,
durante as horas passadas a ouvir calmamente todos os ruídos dos seus
novos companheiros, Alex pensou que era essa a sua melhor recompensa… O
presente que lhes oferecera, a poça de água, nada era, comparado com o
que ele recebera em troca: a presença cúmplice e amiga dos animais.
Richard E. Albert
Alexandro et ses amis du désert
Paris, Éditions Autrement, 1997
(Tradução e adaptação)
terça-feira, 21 de agosto de 2012
Flowers to Scott Mckenzie
http://www.youtube.com/watch?v=bch1_Ep5M1s
San Francisco
If you're going to San Francisco
Be sure to wear some flowers in your hair
If you're going to San Francisco
You're gonna meet some gentle people there
For those who come to San Francisco
Summertime will be a love-in there
In the streets of San Francisco
Gentle people with flowers in their hair
All across the nation such a strange vibration
People in motion
There's a whole generation with a new explanation
People in motion people in motion
For those who come to San Francisco
Be sure to wear some flowers in your hair
If you come to San Francisco
Summertime will be a love-in there
If you come to San Francisco
Summertime will be a love-in there
O prazer do fim do dia
Conceição Ruivo
As quatro colegas de repartição, durante o almoço, falavam do que lhes dava prazer ao fim do dia de trabalho, quando regressavam a casa.
Uma delas dizia que era ter o jantar pronto, embora tivesse, depois, de arrumar a loiça.
A uma outra o que dava prazer era o silêncio da casa e poder gerir o serão a seu jeito.
A mais nova suspirava por chegar a casa e estar com o seu bebé.
A mais nova suspirava por chegar a casa e estar com o seu bebé.
Luísa, chegando à sua vez, disse que o que lhe dava mais prazer, no final do dia, era beber um copo de bom vinho tinto ao jantar.
As amigas riram-se pelo inesperado da situação.
- Apenas isso?
E Luísa justificava a sua preferência, nada de somenos importância, saboreando as palavras como gostava de saborear, aos poucos, o vinho que sempre bebia do copo alto de pé.
E cada uma ia sorrindo à luz da tarde, pensando no prazer do fim do dia.
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
A menina que cortava o cabelo às bonecas para o ver crescer
Para a A.S.
Era uma vez uma menina que cortou
o cabelo a uma boneca para o ver crescer.
Todos os dias, enquanto brincava,
esticava, com as mãos pequeninas, os cabelos
da boneca mas ficava muito triste porque não cresciam.
E veio um dia, e outro, e depois
outro mas o cabelo da boneca mantinha-se igual, isto é, sem crescer.
A menina aproximava-se, então, do
espelho e ia comparando o tamanho do seu próprio cabelo desde a última
vez que o tinha cortado. Não tinha crescido muito, mas já lhe caía nos ombros e,
quando foi ao cabeleireiro, lembrava-se que ficava um pouco mais acima.
Um dia, perguntou à mãe se havia um
champô que fizesse crescer o cabelo. A mãe pensava que era para a menina e
disse que deixasse o cabelo sossegado e a crescer ao seu ritmo.
Mas quem não sossegava era a menina porque o cabelo da boneca não crescia. Numa
tarde quente de verão, pôs-se a olhar tão fixamente a cabecinha da boneca para ver se o cabelo crescia que acabou por adormecer. Sonhou, então, com uma longa cabeleira negra que crescia e quase tapava a boneca.
Quando acordou, contou o sonho à
mãe que logo lhe disse:
- Só em sonhos é que o
cabelo das bonecas pode crescer. Não vês que são apenas brinquedos?
No dia seguinte, a menina, a correr pelo quintal fora, descobria que nem tudo ganha vida, apesar de querermos muito.
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