domingo, 1 de julho de 2012
"O Amor é de outro Reino"
Ruben A. (Jardim Botânico, no Porto)
"O amor é de outro reino. (...) Da amizade, do amor, do encontro de duas pessoas que se sentem bem uma ao lado da outra, fazendo amor, falando de amor, trocando amor, conversando de amor, falando de nada, falando de pequenas histórias código de ministros com aventuras de aventuras sem ministros conversa alta e baixa de livros e de quadros de compras e de ninharias conversas trocadas em miúdos ouvindo música sem escutar música que ajuda o amor o amor precisa de ajudas de ir às cavalitas de andas de muita coisa simples amor é um segredo que deve ser alimentado nas horas vagas alimentado nas horas de trabalho nas horas mais isoladas amor é uma ocupação de vinte e quatro horas com dois turnos pela mesma pessoa com desconfianças e descobertas com cegueiras e lumineiras amor de tocar no mais íntimo na beleza de um encanto escondido recôndito que todos no mundo fizeram pais de padres mães de bispos avós de cardeais amor agarrado intrometido de falus com prazer de alegria amor que não se sabe o que vai dar que nunca se sabe o que vai dar amor tão amor".
Ruben A., in 'Silêncio para 4'
sábado, 30 de junho de 2012
A prova
Sábado à
tarde. Numa das ruas perpendiculares à Ribeira do Porto, há uma exposição de pintura. Entramos.
Para além dos
quadros que podem ser admirados, há também prova de um vinho do Douro. As
garrafas e os copos estão dispostos sobre um balcão. Aceitamos a oferta.
Do lado de
dentro, está o pintor – um homem que parece reservado e preferir o silêncio
doméstico.
Do lado de
fora, a mulher dirige-se às pessoas que entram, mostrando à vontade, convicção
e simpatia. Com entusiasmo, tenta vender o vinho e mostrar os quadros
produzidos pelo marido.
Enquanto
provamos o vinho, falamos com o pintor – um professor de Educação Visual já reformado.
Fala como que a
pedir licença, envolvendo as palavras em sorrisos.
Diz que a exposição dos quadros foi uma prenda da
mulher quando fez 65 anos.
Quando saímos, felicitamos os dois pela prova... de amor.
Os Jardins de Sophia (de Mello Breyner Andresen)
Em bela e luminosa manhã de sábado, um grupo de amigos (e amigos da escrita e da leitura) visitou o Jardim Botânico,
no Campo Alegre, no Porto.
A quinta pertenceu ao avô de Sophia. Sobretudo em criança, a poeta brincava nestes espaços que, mais tarde, viriam a entrar em muitas das suas histórias: O rapaz de bronze, Noite de Natal e muitos mais.
Para além das inúmeras variedades de plantas, dos espaços (quase) míticos, da beleza florida, existe uma cafetaria com mesas voltadas para um dos jardins (construído à imagem de uma das carpetes que existia na casa).
Está aberto das 10 h às 18h.
Um belíssimo espaço para ler.
Ou percorrer alguns dos caminhos de Sophia.
E por que não apenas olhar?
sexta-feira, 29 de junho de 2012
A bicicleta
O que mais lhe custava era interromper os
passeios quase diários estrada fora. Durante algum tempo, não poderia percorrer os habituais quilómetros de bicicleta, depois de um dia de trabalho ou ao fim de
semana.
Sentir o vento no rosto, a física agilidade feliz
aos sessenta anos, o bem humorado
convívio com os colegas do grupo de ciclistas.. Dava-lhe tanto prazer andar de
bicicleta que nunca tinha pensado na possibilidade de deixar de o fazer.
E disse com doçura meneando a voz e a cabeça:
Quando fiquei doente, pensei: ai que não vou
poder andar mais de bicicleta. É que não imaginas como me sinto bem quando saio para
dar um passeio de bicicleta. Acho que nem em criança conheci um prazer assim. A
vida deu-me coisas muito boas, mas a bicicleta é especial. Ela leva-me onde
quero sem nada exigir em troca. Sem ter de marcar horários de partida ou de chegada. Faz parte de mim. Sem
ela, os meus dias eram vazios e parados.
Já sei que me vais dizer: claro que em breve
vais retomar os teus passeios na tua querida bicicleta.
E assim foi.
Não precisava de palavras de circunstância, mas de acreditar que a bicicleta continuava, em casa, à sua espera.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
O pai de Andi
Imagem da net
Não era normal! Os três amigos de Andi tinham pais famosos.
O pai de Alexandre era cirurgião. Um daqueles médicos a quem as pessoas ricas e importantes recorrem para tirar o apêndice.
O pai de Rafael tocava violino. Não apenas por prazer. Dava concertos pelo mundo inteiro e era sobejamente conhecido.
O pai de Gino era um realizador de cinema. Diz aos atores o que eles têm de fazer, foi como Gino, com certo orgulho, explicou a profissão do pai.
O pai de Andi era vendedor numa loja de roupa para homem. Um pouco baixo, usava óculos dourados e não era nada conhecido.
Andi
só o via ao fim de semana, porque os pais tinham-se separado. Quando
os colegas falavam dos pais, Andi ficava calado. O que é que ele havia
de dizer? Na passada terça-feira, o meu pai vendeu um fato de flanela cinzenta?
Nas
férias grandes, Alexandre foi para África, porque o pai queria
fotografar leões. Rafael foi para Nova Iorque, onde o pai ia dar um
concerto. E Gino foi para a Sérvia, onde o pai estava a rodar um filme.
O
pai de Andi queria ir para a Toscânia. Pela sua bela paisagem e porque
gostava de visitar igrejas antigas. Andi não tinha bem a certeza se
queria ir, mas estava combinado passarem juntos umas férias por ano.
Por
isso, Andi foi com o pai para Itália. Para dizer a verdade, até gostou
bastante. Ficaram numa terrinha entre vinhas, davam passeios e
visitavam igrejas antigas, mas não em demasia.
Certo
dia, que seria diferente dos outros, passeavam pelo mercado de uma
pequena aldeia. Compraram tomates e alhos para o molho do esparguete, e
ainda pêssegos e uvas para a sobremesa. Num pequeno bar, o pai de Andi
tomou café e Andi bebeu um sumo de laranja, que em Itália se diz
“aranciata”. Dirigiram-se depois, devagar, para o local onde o carro
ficara estacionado.
Andi
foi o primeiro a ver os pássaros. Parou, horrorizado. Numa parede
batida pelo sol estavam dependuradas cerca de vinte minúsculas gaiolas,
cada uma com um pássaro fechado lá dentro. Pardais, tentilhões, um
melro. Num desespero evidente, arremessavam-se para cima e para baixo
contra as grades.
— Que maldade! — exclamou Andi.
O pai de Andi olhou pensativamente e não proferiu palavra.
De
resto, mais ninguém parecia incomodar-se com os pássaros encarcerados.
As pessoas passavam, falavam, riam, e não prestavam a mínima atenção
àquele arremeter e piar de desespero.
O
pai de Andi aproximou-se de uma gaiola. O pardal, prisioneiro e em
pânico, tentava bater as asas, mas a gaiola era tão pequena que as asas
embatiam contra as grades de madeira. Num gesto rápido e resoluto, o
pai de Andi abriu a porta da gaiola. Teve de retirar primeiro o
recipiente da água e só depois é que pôde abrir a porta de arame. O
pardal mais parecia dar cambalhotas do que voar. Pousou por um instante
na rua, atordoado, mas depois voou e desapareceu. O pai de Andi abriu
todas as gaiolas. Uma por uma.
— Estão a olhar para nós — disse Andi. — Despacha-te!
Mas só quando abriu a última gaiola é que o pai pegou no saco de papel que tinha pousado no chão e deu a mão a Andi.
— Não vão deixar-nos passar — sussurrou Andi, com medo.
Um
pouco mais à frente, havia pessoas paradas na rua, que falavam em voz
baixa umas com as outras e olhavam para eles com um ar severo.
Agora vamos precisar do Super-Homem, pensou Andi, deitando um olhar de soslaio ao pai. Que
esquisito! Teria o pai crescido em tão pouco tempo? Parecia muito
maior do que de costume, muito decidido. E fazia cá uma cara…
Exatamente como o Super-Homem, antes de um duelo de vida ou de morte.
Contrariadas,
mas sem nada fazerem, as pessoas da rua afastaram-se, deixando o
caminho livre a Andi e ao pai. Quando os dois dobraram a esquina,
estugaram o passo e, em poucas passadas, chegaram ao carro. Andi voltou
a olhar para o pai para se certificar. Será que alguém na idade dele pode ainda crescer? E tão de repente? Deve ter sido uma ilusão!
Deixaram
a pequena aldeia para trás, mas nenhum dos dois falava. Andi olhou
mais do que uma vez discretamente pelo espelho. Ninguém a persegui-los!
À sua frente, estendiam-se montes raiados de cor-de-rosa, violeta e
azul-claro. Ciprestes escuros erguiam-se contra o azul leitoso de um
céu de verão. Os dois continuavam ainda em silêncio. Mais tarde,
sentaram-se debaixo de uma oliveira, a comer pêssegos sumarentos. Sobre
as suas cabeças, pousado num ramo coberto de folhas prateadas, cantava
um pássaro.
— Este pertence ao teu grupo de admiradores! — disse Andi ao pai.
Como está ansioso por ouvir o que Alexandre, Rafael e Gino vão dizer!
Edith Schreiber-Wicker
Brigitte Meissel; Wilhelm Meissel (org.)
Fernweh
Wien, Herder Verlag, 1980
(Tradução e adaptação)
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terça-feira, 26 de junho de 2012
(Em dia de forte calor, vindo do norte de África)
um luar essencial
uma fonte de manancial vivo
É uma mão emocionada que guarda o crepúsculo
para pousar sobre os meus ombros
É uma voz de soluço e de riso
um murmúrio para os lábios que tremem
O único horizonte de minha pátria
é uma ternura contida
nos olhos negros
uma lágrima de luz sobre os cílios
É um corpo de tormentos, precioso
como um tufo de raízes
vizinho da terra quente
É um poema
gerado pela ausência
um país por nascer
à margem do tempo e do exílio
depois de um sono profundo.
Tahar ben Jelloun
(nascido em Marrocos, 1944)
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Espanha é grande
por
Sofia Gandarias
Pintora
(País Basco)
Bem sei que não há nada de
Novo sob o céu,
Que antes outros pensaram
As cousas que ora eu penso.
Bem, para que escrevo?
Bem, porque somos assim:
Relógios que repetem
Eternamente o mesmo.
Rosalia de Castro
domingo, 24 de junho de 2012
"Noite de silêncio"
Numa curta viagem de carro, com o rádio ligado, oiço Ana Moura. A fadista canta "Noite de silêncio", com a sua voz quente e rouca.
Em casa, telefono a uma amiga: não responde. Silêncio.
Telefono a uma filha: não atende. Silêncio.
Enquanto janto, vejo e oiço, na TVI, o comentário semanal de MRS. Muitas vezes discordo dele, mas neste assunto não:
Parece ter havido fraude nos exames de 12º ano de Português (alguns alunos terão tido acesso à prova, antes do dia em que foi realizada). E houve e há um grande silêncio sobre o assunto.
E haverá, com certeza, também quando for anunciado - como tantas vezes acontece - que nada se provou.
E haverá, com certeza, também quando for anunciado - como tantas vezes acontece - que nada se provou.
E o país continua no(s) seu(s) silêncio(s). E as pessoas guardam o seu(s) silêncio(s).
E eu também.
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