sexta-feira, 15 de junho de 2012

Diário de Mariana


Querido diário,
Uf! Terminaram as aulas! Uau! Altamente! Basta! Chega! Fixe! E tudo o mais que se pode dizer quando a gente salta de contente!
Já sei que vou ouvir: O melhor é começares já a ler o livro que vais dar para o ano. Quanto mais cedo melhor!
As notas ainda não saíram. Por aquilo que percebi, não vão ser más, mas também não chegam para entrar no quadro de mérito. A Bia já lá está desde o segundo período. Fiquei muito orgulhosa quando vi a fotografia da minha melhor amiga no quadro que foi posto em sítios da escola por onde toda a gente passa. A minha dêtê até disse: reparem no quadro de mérito onde está a Bia; está nos sítios estratégicos da escola. Eu achei o máximo à palavra estratégicos e fomos todos lá ver no intervalo.
Eu não reparei muito bem, mas acho que alguns não foram porque dizem que a Bia é a mais queridinha dos profs. Eu por acaso acho que não. Ela estuda é muito. Eu por exemplo estudo muito menos. Gosto de estar com a minha mãe na cozinha, gosto de ver filmes, vou a casa da minha avó e ponho-me a ouvir os versos que ela sabe desde pequenina e outras cenas. Às vezes até nem faço o têpêcê, mas fico cheia de vergonha e muito corada quando a prof me pergunta coisas que eu não sei porque não fiz o trabalho de casa.
A Bia sabe sempre porque faz tudo. Uma vez, uma prof fez uma viagem e trouxe-lhe umas pedras da região para explicar melhor uma coisa que a Bia queria saber. Ela não tinha pedido nada e a prof é que quis trazer, mas a turma virou-se contra a Bia a dizer que ela dava graxa e era a menina querida da prof. Achei indecente e disse-lhes que eles eram xungas (é a primeira vez que escrevo esta palavra, mas foi isso que lhes disse que eram e continuo a achar). Não acho nada bem que se diga mal quando não se sabe ao certo o que se passou. E depois também há muita dor de cotovelo. Olha, que trabalhem mais, em vez de passarem o tempo com jogos de computador! Não sei como acham que fazer sempre a mesma coisa tem assunto!
A partir daí, eu e a Bia ficámos mais amigas. Eu defendi-a, ela chorou muito e até queria sair da escola.

Como as aulas já acabaram e não tenho de estudar, quero ver se escrevo mais um bocadinho. Isto se não for criticada: Mariana, para isso tens tempo, para outras coisas não tens…

Por falar nisso, vou fazer festas à minha cadela, a Castanha.
Muitos abracinhos, querido diário

Mariana

PS – A tia Cilinha já me disse várias vezes: escreve ao Gi, escreve ao Gi… ‘Ta bem, vou pensar nisso!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O(s) Tesouro(s) na ESG





Hoje, dia 14 de junho, no Centro de Recursos/Biblioteca da Escola Secundária de Gondomar, 
Maria Clara Miguel, pseudónimo de Isaura Afonseca, 
 falou sobre os seus livros até agora publicados:
Histórias para lermos juntos
e
O Tesouro

Foram 90 minutos de descoberta de Tesouros: mensagens guardadas em livros; alunos do 7º ano com grande desembaraço e empenho a apresentarem o último livro da autora, sob o olhar  atento e confiante do professor de português, Vítor Oliveira; a doçura com que a professora Ana Cardoso falava da leitura e dos livros e ouvia as questões preparadas pelos seus alunos; o diálogo humanamente crente  entre a  escritora e o público...

Há momentos, de facto, para os quais convergem diferentes tesouros.

O Tesouro de Maria Clara Miguel ajuda/ajudou a revelá-los. 

E, bem próximos e onde menos se espera, 
podem esconder-se diferentes tesouros! 
Para os descobrir, como diz a autora, 
é preciso acreditar!  
E, também como diz, 
é preciso ver o copo meio cheio, em vez de pensar que está meio vazio!






quarta-feira, 13 de junho de 2012

Do hotel para um campo de refugiados: a nova vida de um sabonete

Imagem da net

— Já lavaste as mãos?
— Lavaste as mãos antes de começar a comer?
— Lavaste as mãos quando vieste da escola?
— E não te esqueças de usar o sabonete!
Quantas vezes não ouvimos as nossas mães repetirem estas frases vezes sem conta?
Chegámos até a odiar o sabonete, que nos atrasava para o lanche, com aquele bolo de que tanto gostávamos, ou nos fazia perder tempo quando, ansiosos, só queríamos pegar no pão e começar a ler o livro que tínhamos trazido da biblioteca ou que um colega nos emprestara. Ou que nos picava nos olhos quando a mãe, zangada por não lavarmos a cara, no-la segurava com firmeza e, com gestos decididos, nos esfregava a cara, as orelhas, e o pescoço com o sabonete e a toalha molhada.
Mais tarde, era o cheiro do sabonete que nos fazia lembrar os ralhos da mãe, o lanche engolido à pressa nas tardes solarengas para não interromper demasiado tempo do jogo de futebol com os amigos. Para não falar no cheiro da mãe, da avó, da tia que nos visitava sempre pela Páscoa. E o cheiro a lavado, depois do banho? E quem não se lembra dos que eram guardados nas gavetas e que perfumavam os lençóis e a roupa interior?
O sabonete, odiado e amado, entrou de tal forma no nosso quotidiano que passou a banal, e do qual quase nem nos apercebemos. O ato de lavar as mãos está automatizado: abrir a torneira, molhar o sabonete, esfregar, secar. Já nem sabemos porque lavamos as mãos.
Mas… será assim em todo o mundo? Infelizmente, não é. Nos países menos desenvolvidos, o sabonete é um bem de luxo e o ato de lavar as mãos, que pode salvar tantas vidas, principalmente de crianças, não está ao alcance de todos.
Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)
O ato de lavar as mãos, que até teve direito a dia mundial, 15 de Outubro, pode salvar a vida de milhares de crianças e adultos. Em países menos desenvolvidos de África, Ásia e América Latina, onde nem toda a gente tem acesso a sabão, a taxa de mortalidade por diarreia, febre tifoide, cólera, infeções respiratórias é elevadíssima. Em situações de catástrofes naturais ou em campos de refugiados, onde as condições de higiene são deficientes, as condições para a propagação de vírus aumenta perigosamente. Inacreditavelmente, a lavagem das mãos antes da preparação e ingestão de alimentos, após o uso dos sanitários, e, muito importante, durante o parto, reduz significativamente a taxa de mortalidade e a propagação dos vírus.
Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)
Que o diga Derreck Kayongo, que, pela janela do jipe, vai olhando a paisagem do Quénia que desliza à sua volta. Nascido no Uganda e com uma infância agitada, é com emoção que acompanha pessoalmente a entrega de uma carga peculiar. O seu e os jipes que o seguem estão carregados com cinco mil barras de sabonete que irão ser entregues em diversos orfanatos e organizações não-governamentais que trabalham com refugiados. Sabonete que provavelmente vai salvar da morte centenas de pessoas.
Derreck mal pode esperar pela primeira paragem. A cabeça começa a encher-se de recordações da infância e os olhos de lágrimas. Uma vida e uma infância estável no Uganda abruptamente interrompida pela tomada de poder do ditador Idi Amim e o começo da guerra com a Tanzânia, que obrigou a família a refugiar-se no Quénia durante alguns anos. Primeiro a mãe e as irmãs e, cerca de um ano mais tarde, o resto da família abandona a casa e o país. Foi o início de uma vida difícil. Um novo país, novos costumes, uma nova língua. Derreck, que até ali só conhecia as preocupações típicas de uma criança saudável, deparou-se repentinamente com uma realidade assustadora: a de milhares de pessoas que não têm nada, des de casa, comida, sabão para tomar banho. A sua família era mais uma das centenas de refugiados.
Nestas circunstâncias, as condições de higiene têm um papel fundamental. Dadas as condições de vida, a má nutrição e a falta de higiene, as epidemias e as doenças propagam-se facilmente e a morte é inevitável. Conscientes disso, cada sabonete recebido pela família era religiosamente guardado após ser utilizado.
Derreck não esquece a tristeza que sentiu quando soube que o seu amigo Balondemu tinha morrido. Na sua cabeça ressoam as lágrimas silenciosas das mães que viam os filhos morrer de cólera ou febre tifoide. A mãe dele obrigava os filhos a lavar as mãos com frequência, mas nem todas as pessoas podiam fazê-lo e nem todas sabiam que aquele gesto podia salvá-las. Aluno aplicado, teve a sorte de ter acesso à escolaridade. Quando terminou a universidade no Quénia partiu para os Estados Unidos da América, onde a primeira noite contribuiu decididamente para fortalecer a sua vontade de ajudar a lutar contra a pobreza.
No quarto do hotel deparou com três sabonetes: um para a cara, outro para as mãos, e um último para o corpo. Perplexo, Derreck desembrulhou o primeiro e cheirou-o. Resolveu guardar os outros na bagagem. No dia seguinte, ao voltar ao quarto, encontrou mais três sabonetes, que rapidamente se juntaram aos que estavam na mala. E assim sucessivamente. Ao fim de alguns dias, com a consciência pesada, desceu à receção.
— Venho devolver os sabonetes. Lamento, mas não tenho dinheiro para os pagar.
— Não se preocupe — tranquilizou-o o rececionista. — Todos os hóspedes têm direito a três sabonetes por dia. E podem levá-los para casa. Aliás, é o que muitos fazem.
Derreck não podia crer no que estava a ouvir.
— E… o que fazem aos que sobram? — perguntou atónito.
— Por razões de higiene vão para o lixo.
Ficou perplexo. Como era possível deitar fora uma preciosidade daquelas?
De volta ao quarto, pegou num pequeno sabonete e ficou a pensar nas duas realidades tão distintas que acabava de confrontar: no Uganda, onde havia um sabonete por casa, e que era usado por todos, até pelas visitas. Isso, quando havia possibilidades financeiras para o comprar. Num país onde os salários são tão baixos, o preço do sabonete era elevado e, comprá-lo, um luxo, que podia muito bem ser adiado. E ali estava ele num país onde havia mais do que um sabonete por pessoa, até para as diferentes partes do corpo, que ia para o lixo no dia seguinte. Os números começaram a galopar na sua cabeça. Quantos sabonetes eram desperdiçados ao fim do dia? Só naquele hotel? E em todos os hotéis dos EUA… da Europa… do mundo?
Lembrou-se de todas as crianças que conheceu enquanto viveu no Quénia e de muitas outras que viviam nas mesmas condições e cujas vidas podiam ser salvas se tivessem um sabonete na mão. Aquele resto de sabonete. De repente, uma cadeia de palavras apareceu-lhe em mente: Hotel-sabonete-higiene-refugiados. Telefonou ao pai para lhe contar o que acabara de acontecer. E foi com a ajuda deste que começou o seu projeto Global Soap Project, iniciado anos mais tarde, em 2009, e que o levava agora naquela viagem de regresso ao Quénia.
A ideia de Derreck fora reutilizar os restos de sabonetes que só são usado uma vez, e simplesmente derretê-los, esterilizá-los, convertê-los numa nova barra e fazê-los chegar às populações necessitadas – sem custos para estas.
Começou por apresentar a sua ideia aos hotéis, o que levou meses. Foram raras as recusas. Usando os conhecimentos do pai, que trabalhou numa fábrica de sabão no Uganda, começou por fazer este trabalho na cave da sua casa, em Atlanta. Comprou uma pequena máquina de fazer sabão, e com a ajuda da família, depois de separados por proveniência, os sabonetes eram lavados para retirar as impurezas, derretidos e transformados em novas barras.
Pouco a pouco, o projeto foi crescendo e ganhando dimensão. A cave tornou-se demasiado pequena para tanto trabalho. E o número de doadores e de voluntários foi também aumentando.
Derreck consegue fazer chegar os seus sabonetes onde eles são precisos, contactando diretamente as instituições no terreno; da Ásia à América Latina, passando por África, já distribuiu mais de cem mil sabonetes em mais de dez países. Quando saiu o primeiro carregamento para o Quénia, Derreck fez questão de acompanhá-lo pessoalmente. Quer ser ele a entregar os sabonetes às crianças que vivem como ele viveu.
Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)Preto de paus (cartas)
— Derreck, estamos quase a chegar.
O motorista arranca-o das suas recordações.
— Preparado?
Derreck há muito que sonha com este momento mas nunca conseguiu preparar-se realmente. A emoção de voltar àquele país que o acolheu durante a guerra, de ver as crianças sorridentes que os esperam e de saber que vão beneficiar com aquela carga, fez com que chorasse o caminho todo.
E ali estava ele, a distribuir sabonetes; a distribuir vida e esperança àquelas crianças que agradecem com um sorriso radiante, assim que desenterram o nariz da barra branca de sabonete que lhes foi depositada nas mãos. Depois pedem-lhe que lhes conte a história dos sabonetes. Já a contou milhares de vezes mas nunca se cansa. Ele, que foi uma daquelas crianças, teve uma ideia e concretizou-a. Graças ao seu passado, que não quis esquecer, e à sua determinação.
Por vezes, são as coisas mais simples, aquelas a que raramente damos valor, que podem fazer a diferença. Como no caso de um banal sabonete usado que ia para o lixo.
I. Birnbaum
A partir de: http://www.globalsoap.org
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sábado, 9 de junho de 2012

Portugal - Alemanha

Lá se foi a primeira oportunidade!

José de Guimarâes

Algumas razões pelas quais me acho visceralmente portuga

- Choro muitas vezes quando oiço o hino nacional, esteja onde estiver.


- Apetece-me acenar quando, no estrangeiro, vejo a matrícula portuguesa.


- Reajo mal quando alguém confunde Portugal e Espanha, achando que é o mesmo país;


- Penso sempre que os vinhos portugueses são os melhores do mundo;


- Acho incrível que em França não reconheçam a língua portuguesa;

- Considero de mau gosto que os espanhóis não entendam os portugueses, quando nós tentamos logo imitá-los;


- Não aprecio comida portuguesa adaptada a outros paladares;


- Numa livraria de língua inglesa, vejo sempre se há autores portugueses...


    Que bom que era se ganhássemos à Alemanha!

Eu que julgava ser mais indiferente ao Euro 2012,

...a uma hora do jogo, estou a torcer por Portugal.

Seria uma maravilha que Portugal ganhasse à Alemanha.

De certeza que não é apenas por questões futebolísticas 
(de que pouco entendo, na verdade)!

A pomba alugada



Um grupo de alunos precisava de uma pomba para um trabalho. Falava-se do sentido da Vida, de valores como a liberdade.
 Picasso
 Como arranjar uma pomba?
Alguém sugeriu: pode ser alugada.
E passaram à ação: num Centro Columbófilo, haveria pombas disponíveis. Foram lá.
Sim, claro, podiam ceder uma pomba. Seria, com certeza, bem tratada.
E depois, saberia regressar sem problemas?
Claro que sim. E voaria a grande velocidade.
Para a professora era surpresa. Durante a apresentação, disse, olhando o volume da gaiola coberta: até poderia ser uma pomba!
E era. No momento certo, os alunos aproximaram a pomba da janela, abriram, cuidadosamente, a porta da gaiola e a ave desatou a voar.
Fez vários quilómetros em pouco mais de um minuto.
O céu estava cinzento, mas foi um bom exemplo de que todos os seres (con)correm para a liberdade.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Com a Altura da Idade a Casa se Acrescenta

  Amadeu Souza Cardoso

Com a altura da idade a casa se acrescenta.
Não é que aumente a quantidade ao espaço.
Mas, sendo mais longínquos, o desapego pensa
maior distância quando se fica a olhá-lo.
Ou, se quiserem, uma realeza
se instala à volta dessa altura de anos,
de forma a que os objectos apareçam
na luz de quase já nem os amarmos.
Então a casa distende-se na intensa
inteligência de estarmos
a ver as coisas amarem-se a si mesmas.
Ou com a forma a difundir seu espaço.


Fernando Echevarría, in Figuras

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Diário de Mariana


Quarta-feira, 6 de junho 2012
Querido diário,

Já perdi a conta aos dias desde a última vez que escrevi  para te contar algumas peripécias. Aprendi esta palavra este ano. Demora a dizer mas é fixe.
Às vezes, vou para a escola e parece que escrevo uma página de diário na minha cabeça, mas depois começam as aulas e quando chego a casa são os têpêcês do costume. Devia haver uma manif contra os têpêcês. Eu ia logo à frente com um grande cartaz: 
Não aos Trabalhos Inutilmente Forçados!

E depois o mau ambiente que é na sala de aula:
-Quem não fez os trabalhos de casa?
Quase toda gente com os braços no ar. Ao ver aquela braçaria toda, a setora muda de cara e de tom de voz:
-Quem fez, então?
Eu por acaso faço. Mas também é verdade que às vezes faço sem saber muito bem o que estou a fazer.
Mas se não fizesse, tinha ainda mais trabalho a ouvir a minha mãe, quando fosse falar com a dê tê.
As aulas estão quase a acabar mas não me sinto feliz por isso. Hoje uma prof disse várias vezes:
- Meninos, atenção, têm de estudar mais. Têm de aproveitar melhor as vossas capacidades. O Fábio abriu a boca até cá atrás, sem pôr a mão à frente, e a prof passou-se. 

Não gosto nada destes tempos mortos e o pior é que eu nunca sei muito bem quem tem razão. Começo a pensar e digo para os meus botões: por um lado é assim, mas por outro é assado.
Às vezes, tenho dificuldade em definir-me. Um dia destes, apetecia-me falar sobre isto mas não tinha ninguém para ouvir. As minhas colegas estavam a estudar e não quis chateá-las. O Gi anda esquisito e quando começo a falar destas coisas, ele fica a olhar para mim e só lhe falta bocejar. Falar com as minhas irmãs não era boa ideia, porque têm mais que fazer e davam-me logo a entender que são coisas de adolescente com borbulhas. Falar disto à minha mãe também não convém nada, porque fica logo a pensar que eu tenho o mesmo problema de uma amiga de uma amiga dela. A hipótese de falar à minha avó também a pus logo de lado. Ia logo começar a dizer: nem sabes, querida, como a vida era dura no meu tempo…

E sabes, querido diário, foi um dia em que senti solidão. Eu  que achava que nem sabia o que isso era.
Mas não fui capaz de dizer nada ao Gi. Ele anda  mesmo  esquisito. Fala menos do que falava e outro dia começou a chorar. Foi quando me disse que o pai também ficou desempregado.
À tarde,  em todos os intervalos, ia ao bar comer croissants com fiambre e beber ice-tea. Eu olhei para ele e ele disse-me que eu estava a criticá-lo e que a vida dele era uma merda.

Há quem diga que se escreve com mais vontade quando se está triste, portanto daqui a nada vou escrever outra vez.
Mas ao Gi não vou mandar nenhuma mensagem. Para mais tenho pouco saldo no telemóvel.
Ou seria melhor enviar? Não me estou a sentir nada altamente.

Muitos abracinhos, querido diário.
Mariana

O Vale da Neblina

Sisley
Numa terra longínqua havia uma bela cidade. Ficava escondida num vale profundo, sempre coberta de neblina.
Ninguém no vale tinha subido as encostas da montanha para ver o que havia para além dela. Nem nunca tinham visto o sol a brilhar no céu, lá bem no alto. A lua e as estrelas eram-lhes de todo desconhecidas. E nunca nenhum viajante tinha alguma vez chegado com notícias.
Os mais velhos da cidade diziam “Nada pode ser mais belo que o nosso vale, portanto, não pode haver nada fora dele.” E os pais explicavam aos filhos “ Temos tudo o que precisamos. Não há necessidade de procurar fora seja o que for.”
As crianças acreditavam neles e, quando cresciam, diziam a mesma coisa aos seus filhos e netos. E assim se passaram anos e séculos.
Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)
Mesmo às portas da cidade vivia um homem idoso com o seu neto.
Quando as pessoas passavam por eles exclamavam “Olhem, é ali que vive o Stefan com o seu avô velho e tonto.”
Porque, uma ocasião, o idoso tinha afirmado que, por detrás das montanhas, havia um outro mundo, brilhante e cheio de cor… Desde então, chamaram-lhe louco e acabou por ser expulso da cidade.
Um dia, o avô de Stefan disse-lhe “Estou demasiado velho para subir de novo. Talvez um dia, quando fores suficientemente crescido, possas descobrir o teu próprio caminho até ao topo da montanha e ver o brilho da luz, tal como eu o vi, uma certa vez.”
Nessa noite Stefan permaneceu acordado. Sabia que o avô estava a dizer a verdade. E queria prová-lo a toda a gente. Decidiu assim pôr-se a caminho até ao topo da montanha.
A floresta estava muito escura, mas Stefan continuou corajosamente. Através das árvores, podia ouvir o rio impetuoso, um mocho a piar e os lobos a uivar. E pensou que o rio estaria a dizer-lhe “Não continues, é uma perda de tempo.” O mocho na árvore parecia piar “Não há nada para além do vale.” Os lobos pareciam uivar “Se continuares, vais morrer”. Stefan estava muito assustado mas, mesmo assim, continuou a andar noite fora.
À medida que subia, a neblina tornava-se cada vez mais fina. Por fim, deu por si já no cume da montanha e, pela primeira vez na vida, viu o sol nascer sobre a terra, enchendo o mundo de luz e cor. E Stefan conseguia ver como as nuvens pairavam em baixo, enchendo o vale. Apenas as torres mais altas do palácio espreitavam através da neblina.
Stefan apressou-se a voltar à cidade e foi falar com a Assembleia dos Mais Velhos.
“Vi um mundo cheio de luz e cor para além da montanha, “ disse-lhes.
Alguém gritou “Não liguem, é apenas o Stefan. Enlouqueceu como o avô!”
E toda a gente se riu.
Stefan ficou zangado. “Mas vocês também o poderão ver, do topo da torre mais alta do palácio!”
“É proibido subir às torres,” gritaram os mais velhos. “Os soberanos antigos diziam que era perigoso. Ninguém está autorizado a subir até lá.”
“Disparate!” gritou Stefan, enquanto corria em direção à porta da torre mais próxima e começava a subir as escadas. Movimentava-se muito rapidamente e depressa desapareceu.
Os mais velhos lançaram-se atrás dele, aos gritos “Chamem a guarda! Detenham-no!”
Os guardas apressaram-se no seu encalço, escadas acima. “Volta para trás,” berravam eles, “ou fechar-te-emos na prisão.” Os mais velhos seguiam atrás, tão rapidamente quanto podiam. Stefan viu que eles não conseguiriam apanhá-lo e continuou sempre, sempre a subir, até que chegou mesmo ao cimo da torre.
Quando os guardas e os mais velhos chegaram ao topo e olharam em volta, gritaram de surpresa: ”Ah! Oh! Ah! Oh!” De tal modo ficaram admirados com a luz e a cor sobre toda a terra!
Afinal, Stefan e o avô sempre tinham razão!
Stefan correu para casa ao encontro do avô, para lhe contar tudo o que tinha acontecido. O avô olhou para ele com orgulho e alegria.
A partir desse dia, muitos habitantes partiram para explorar o que estava para além das montanhas. Aprenderam coisas sobre o mundo lá fora, cheio de sol. Descobriram outras cidades e outras gentes e falaram a todos do seu vale da neblina.
Em breve vieram viajantes de muito longe para ver a beleza da cidade da bruma.
Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)
Lá no alto da montanha, onde o sol e a neblina se encontram, vivem agora Stefan e o seu avô, numa pequena casa.
Mas, atualmente, quando as pessoas por ali passam, param e dizem “Olhem, é ali que vive o Stefan com o seu sábio avô.”
Arcadio Lobato
The Valley of Mist
Edinburgh, Floris Books, 2000
(Tradução e adaptação)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Casa das Histórias - Paula Rego, em Cascais

Imagem da net

Por onde andará Mariana?

Há muito tempo que a Mariana não escreve o diário. Ou  escreve e não diz nada, o que me parece estranho!

Deve andar com muitos testes a pobrezita. Na próxima semana, vou tentar saber melhor o que se passa com essa adolescente de cabelo farto, bom coração e notas assim-assim.

Deve andar preocupada com o final do ano letivo. Já sabe que vai ouvir: se estudasses mais, poderias ser excelente aluna como as tuas irmãs!

Será que continua a gostar de escrever mas nem tempo tem para uma atividade que tanto prazer lhe dá? É uma injustiça, não é?

Será que o Gi ainda a faz sonhar?

Confesso que estou com saudades dela.

Não deixarei que a próxima semana passe sem a procurar. E encontrar, é claro!





Como é possível?

Vi um pouco de uma entrevista a António Fonseca, um homem do Teatro.

Referiu a experiência que lhe tem ocupado muitos dias, semanas, meses e anos: saber de cor Os Lusíadas de Luís de Camões.

Eu, que só raramente decorei pequenos poemas na íntegra, fiquei a pensar que poderá ser uma boa experiência.

A fazer com poemas curtos, é claro. Por exemplo, Torga, Sophia...

Para decorar uma Epopeia é preciso ser épico, homérico e saber enfrentar muitos mares e adamastores. Como é possível?

Mas um rio, por pequeno que possa parecer, também valerá a pena atravessar. Neste caso, decorando um poema curto de que se gosta.



domingo, 3 de junho de 2012

"Não se perdeu"

Guilherme Parente

Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.

Sophia de Mello Breyner

sábado, 2 de junho de 2012

O Tesouro, de Maria Clara Miguel, na Bertrand





Hoje, Maria Clara Miguel (pseudónimo de Isaura Afonseca) esteve presente na Bertrand do Centro Comercial Plaza, no Porto, para autografar o seu livro O Tesouro.

Em tarde de chuva, a escritora (e também Professora) falou da sua escrita, da sua criação literária, de imagens ou palavras que desencadeiam o início de uma história, de personagens que constrói e que vai "reencontrando" nas suas turmas ou em diferentes escolas... 

O livro, muito bem escrito, com uma história amorosa e sabiamente construída, não deixa que o leitor pare de ler: três dos motivos que terão levado uma adolescente de uma Escola do Porto a afirmar: "não há motivo nenhum para não ler O Tesouro de Maria Clara Miguel".

Há Tesouros em que vale a pena acreditar!

Na contracapa do livro, pode ler-se:  
"Algures, no Norte do país, num solar, há uma estante proibida muito bem guardada. Numa manhã de agosto, desaparece um livro que esconde uma mensagem e dá-se, assim, início a uma caça ao tesouro! Conseguirão Joana, Pedro e Afonso "ser inteligentes e acreditar", descobrindo, desse modo, o mistério?"

... Eu quero!

- Quem quer ser criança
que levante o dedo.
-Eu quero! E levantei.
-Você não tem idade para ser criança.
-Eu sei! Mas pendurei
Um baloiço dentro
dos anos que tenho:
Uma das cordas prendi-a
ao tempo que já vivi,
a outra corda atirei-a
até onde o sonho alcança:
todos os dias baloiço,
todos os dias sou criança

... Eu quero!
Nuno Higino, Criança todos os dias

sexta-feira, 1 de junho de 2012

As meninas de Velasquez