Já estava na caixa registadora desde
o Natal. Logo nos primeiros dias de trabalho, teve de usar um barrete de pai-natal.
Embora tivesse há uns anos deixado de acreditar naquela figurinha gorda e de
barbas brancas. E sentia pena das renas que tinham de correr muito e pouco
ganhavam com isso. E muitas vezes ninguém olhava para elas, porque quem tinha
as prendas era o pai-natal.
Nunca mais esqueceria o calor que
sentia na cabeça enquanto registava as contas do bacalhau, do açúcar, da
aletria, dos chocolates, dos brinquedos… Enquanto ouvia: ó mãe, quero um ovo,
eu quero, mas eu quero… Pronto, pega lá o ovo e está calado!
Só esperava era não ter de usar
umas orelhas de burro no Carnaval, porque até era boa aluna. Tinha era de
contribuir para as despesas dos estudos e da casa e por isso tinha um
part-time. E tinha sorte porque muitos amigos queriam e não arranjavam.
Em cada dia de trabalho, repetia
a saudação inicial mais de quarenta vezes. Assim como perguntava se o cliente
tinha cartão para os descontos. Metia as compras nos sacos, seguindo as
instruções que tinha. Algumas clientes queriam menos coisas em cada saco. Ó
menina, não ponha aí os tomates, não vê que pisa. Outras deviam ser mais
ecológicas e queriam mais coisas juntas para poupar os sacos. Outras pediam: ó
menina, posso levar alguns saquinhos?
Era chato era a dificuldade em
reconhecer alguns frescos. Sempre tinha confundido a couve-flor com os brócolos.
E as variedades de maçãs também demoraram a aprender.
Enquanto a máquina faz os
cálculos, as mãos sempre sem parar: abrindo os sacos para poupar tempo depois.
Quase sem olhar à sua volta. O pescoço já dói um pouco. E os braços também. O
vinho em promoção é pousado às caixas no tapetinho rolante e tem de pegar nelas para registar e passar ao cliente.
Tudo tem de ser feito com
simpatia e atenção às contas. No final do turno, tudo tem de bater certo.
Quando chega a casa, às vezes nem
diz boa-noite. A mãe não fica nada contente mas nem sempre pergunta porquê.