sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Bom fim de semana!

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crianças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Natal sem história

Van Gogh

Este Natal seria diferente.. A prenda que Dora tinha sugerido era ir passar a noite de Natal com alguns sem-abrigo do Porto. A família concordou. Juntar-se-iam no dia de Natal para o almoço.

Para levar, fez um prato de rabanadas, pondo, por cima, o molho que lhe tinham ensinado e que levava bastante mel. Colocou as rabanadas num prato grande e fundo, despediu-se da família e caminhou até á instituição.. Alguns ela já conhecia, porque os via quando passava para o trabalho. Vinham tomar um banho, beber uma bebida quente, desabafar as mágoas…

Quando chegou à Instituição, a mesa já estava posta. No fogão, ferviam as batatas, o bacalhau e as couves. Os convidados foram chegando. Alguns já tinham estado na instituição, mas por pouco tempo. Sentiam o apelo da liberdade da rua. Tinham-se habituado a não seguir regras, a beber, a passar noites em claro, a insultar sem ter de pedir desculpa…

Um casal chegou com uma criança pequena. Estavam felizes por serem pais daquela menina e de, finalmente, viverem numa casa. Chegou depois um homem com restos de antiga beleza. Outro tinha um gorro cinzento na cabeça e olhar cavalgante e rápido. Quase ao mesmo tempo, chegou o George, de um país de leste, com um instrumento de sopro para tocar depois da ceia…

Daí a nada, estavam todos à mesa e com o prato fumegante. Eram muitos e não pareciam à vontade. Havia desconfiança, apesar de fingirem estar bem. Uns riam com a boca desdentada e escancarada, outros sorriam sem levantar os olhos do prato. E comiam pouco.

Depois da sobremesa, onde não faltava a aletria, o bolo-rei e as rabanadas com mel, os diretores leram postais de boas-festas. Depois anunciaram mais um momento de partilha. A Liza, uma adolescente amiga da instituição, de rosto aveludado e longos cabelos castanhos, iria tocar flauta e, em seguida, George tocaria uma música de Natal do seu país. O terceiro número seria depois anunciado.

Liza, com os seus gestos calmos e refletidos, ajeitou a flauta e começou a tocar. Alguns dos presentes agitavam-se no banco corrido. Ou porque aquela música suave mexia com eles, ou por ser a primeira vez que a ouviam…

Um dos sem-abrigo, Aristides, disse de forma desajeitada: Oh, vamos mas é cantar o apita o comboio… Liza continuava a tocar. George olhava-a com delicadeza.

No fim, todos aplaudiram e alguns aproveitaram para exteriorizar o que sentiam. Muitos deles tinham cantado na escola, na catequese e até em casa. A alguns apetecia dizer que tinham adorado aquela música, que lhes tinha tocado a alma; outros sentiam raiva por não terem tido carinho, apoio, palavras, sorrisos, olhares, elogios… tanta coisa que deles fugiu ou nunca se aproximou. Ou que deixaram voar.

E.. finalmente, iriam ouvir o Silva, outro sem-abrigo de muitos conhecido, ler uma história que ele próprio tinha escrito. Silva levantou-se de um canto onde quase se tinha escondido. As mãos tremiam-lhe, a voz tinha quebras e os olhos pareciam húmidos.

Disse então:

- Não sei por que se lembraram de mim. Eu até nem tenho jeito para estas coisas. De escrever ainda gosto, porque estou calado, embora esteja sempre a ouvir coisas que se passaram comigo há muito tempo e com outras pessoas. Pois, vou, então, contar a história do sem-abrigo que fazia casinhas com caixas de fósforos…

Houve risos e Aristides disse em voz alta: as tuas casas têm teto?

O Silva conhecia o Aristides porque haviam disputado a mesma entrada coberta de um prédio no Porto. O Silva, inseguro e tímido, disse em voz baixa:

- Desculpem, mas não consigo ler. E preparei-me bem como me pediram. Tenho de me sentar.

Aristides ainda cantarolou: Ai és tão boa…

Liza, embora não estivesse previsto, recomeçou a tocar. George improvisou a seguir. Enquanto Lisa tocava, o Silva sorriu-lhe e, no final, indicou-lhe a sua morada e pediu-lhe que passasse por lá no dia seguinte, dia de Natal, ao fim da tarde. Queria oferecer-lhe uma casinha de fósforos que iria fazer para ela.

Dora a tudo assistia. No dia seguinte, passou pelo local onde Silva costumava instalar-se. Viu-o a trabalhar com os fósforos, aproximou-se dele e disse-lhe que gostava de ouvir a sua história de Natal.



Comentário para/de Mariana

Anónimo disse...

Olá Mariaana!
Vamos lá ver se desta é de vez! Já tinha escrito alguma coisa e de repente apagou-se tudo! Que chatice, já não me lembro bem o que estava a dizer! É que tenho um computador novo e ainda não sei lidar bem com ele. Coisas de cota!
Pois o que te estava a contar era que um dia destes fui à tua escola e logo, logo à entrada ouvi uns palavrões tão grandes, proferidos por alguns colegas teus, que até me arrepiei. Vê lá se tu e o teu amigo dos faróis não dizem tanta asneira junta. Não fica nada bem dentro de uma escola, nem fora, ainda por cima ditos por raparigas todas fashion!
Eu até acho que tu não és dessas. Porque quem consegue escrever um conto de Natal com tanta sensibilidade como o que tu e o Gil escreveram tem de ser especial. Ainda bem que surgiu esta oportunidade da escreita de um conto de Natal. A tua professora de português deve ser fixe! vais ver que ela não vai propor grandes alterações, mas também se quiser alterar não há mal nenhum nisso. Tens de pensar que os profs querem sempre ajudar os seus alunos a melhorar.
Já deves estar farta de tanto moralismo, mas como tu és uma jovem atinada vais compreender o que esta tua fã está a tranmitir.
Agora vou terminar a minha sopa. Gostas de sopa de nabiças ou és como alguns jovens que não gostam de sopa?
Felicidades para o concurso dos contos de Natal. Bjs para ti e para o Gil.
Até um dia destes.

Obrigada. Achei altamente este comentário. Não sei ao certo de quem é, mas desconfio. Puxei-o para esta página para não ficar escondido. Eu nunca pensei ter fãs e acho fixe. Eu dantes não pensava bem assim, porque parecia vaidade ou que me estava a armar, mas agora é um bocadinho diferente. Se a gente gosta de fazer alguma coisa, por que não dizer ou mostrar? Eu acho.
Não tenho é escrito o diário. É só testes. Ando cansadinha e nunca tenho as coisas em dia como eu gostava. Às vezes, apetece-me escrever, mas parece que estou a cometer um pecado, porque devia estar a estudar para os testes. Eu acho que não devia ser assim. Devíamos ter mais tempo para fazer as coisas. Oh!

Um xi-coração
Mariana

PS 1 - O Gi achava que não era capaz de escrever um conto de Natal e, afinal, até conseguiu. Os olhos dele são muito giros e, quando viu o conto pronto, até brilharam. E eu vi.

PS 2 - Eu gosto muito de sopa, mas... sem nabiças.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Por 2 euros

Falávamos do vencimento que, funcionários públicos, recebemos hoje. Uma auxiliar de ação educativa referiu o seu vencimento: 2 euros superior ao ordenado mínimo nacional. Acrescentou, contente, que este ano recebia o subsídio de Natal por inteiro.
Porém, no próximo ano, não teria direito ao subsídio por causa dos 2 euros que recebia a mais!
E ninguém mais nada acrescentou!

Reciclar, reutilizar, relaxar, realizar...








Trabalhos realizados no Ateliê de Artes Visuais da ESG.

Vendo/fazendo, aprende-se que com materiais acessíveis surgem trabalhos que acendem um brilhozinho nos olhos.

Tal como fazem muitos poetas, é preciso é olhar à nossa volta.

Neste dia, estavam gerações muito diferentes à volta da mesa com papéis, tecidos, cola, tesouras, tintas... com a boa disposição e alegria de interagir produzindo objetos de arte.

E na luz da sala já se viam muitas estrelas de Natal.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Também outono

Quero apenas cinco coisas.
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

Pablo Neruda

domingo, 20 de novembro de 2011

Início de um Conto de Natal


A Magia do Natal

À Catarina

“Era uma vez uma menina que se chamava Catarina. Era uma moreninha de quatro anos, muito bonita e muito inteligente. Era também muito sensível e estava sempre atenta ao que as pessoas grandes – também conhecidas por adultos – faziam e diziam.

A Catarina morava na Covilhã, que é uma cidade muito... muito quente no verão e muito... muito fria no inverno. tão fria que às vezes nevava.

Todos os anos, a Catarina passava o Natal em casa da avó..."

Maria Clara Miguel (pseudónimo de Isaura Afonseca), Histórias para lermos juntos, Edit. Lugar da Palavra

Em tempo (já) de azevinho...

Conheci, agora, um blogue de bonequinhas da pano: http://ocantinhodaisaura.blogspot.com/
Pode dar ideias para se reutilizarem materiais, dar alegria a quem são oferecidos os presentes, e por que não, a quem os faz!

Como gosto de palavras, juntava-lhes um postal, um marcador de livros, uma pequena estória... com ilustrações.
Bom trabalho!

PS - Vê-se que o nome Isaura é revelador de muitos talentos. Que o digam os amigos e leitores de Isaura Afonseca - que escreveu (para além de todos os poemas e contos que vai partilhando) o livro Histórias para lermos juntos, com o pseudónimo Maria Clara Miguel.



Caminhamos no outono

sábado, 19 de novembro de 2011

Éramos vinte e seis...


Não estávamos todos. Talvez metade da família do tronco materno. Diferentes gerações reuniam-se para um almoço. Alguns conheciam-se mal, apesar de serem primos, tios, sobrinhos... O objetivo do encontro era que todos se conhecessem melhor.
À volta da mesa, estendia-se a curiosidade: aquele é filho de... aquela é filha de...
Uma das tias mais velhas, numa cadeira de rodas, pediu para a mudarem de lugar. Queria ver todas os rostos de frente. Então, o momento não era especial? Olhou para os filhos como ramos, que, por sua vez, outros ramos puxaram, e sentiu que a vida estava ali e parecia mais forte.
Na despedida, a árvore da família tinha fortalecido. Na próxima vez, os ramos seriam mais de vinte e seis.

Amanhecer com sol?


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Bom fim de semana

Ilha Teresa
Neste livro de Richard Zimler, encontramos uma família que deixa Portugal para ir viver nos arredores de Nova York. A protagonista - uma adolescente de 15 anos - vê-se confrontada com diferentes situações nada apaziguadoras.

Estou a ler este livro que é uma espécie de diário em oito capítulos.
Gostei dos três capítulos que li e, quando acabar, conto dizer mais algumas coisas.

Ah, é verdade, tem uma capa vistosa e bonita. Também gostei muito do marcador a condizer. Quem disse que estes pormenores não são importantes? Eu acho que contribuem para o prazer da leitura.
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Mas se ainda não viajou através de um livro, ou se tem muitas coisas para fazer no fim de semana, aqui vai um poema de Fernando Pessoa. Veja lá se estava a ser sincero ou irónico. Não se esqueça que este poeta escreveu: O poeta é um fingidor...

Liberdade

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Viço

Lei natural

Frio aconchego

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Obrigação


Uma encarregada de educação foi à escola da filha para falar com o diretor de turma. Um pai havia chegado mais cedo, estava a ser atendido e a reunião demorou algum tempo.

Enquanto aguardava a sua vez, a encarregada de educação ia observando o que se passava perto de si. Viu, então, que os alunos se abeiravam da funcionária em busca de informações. Nenhum dizia boa tarde à chegada nem obrigado após esclarecimento.

No diálogo com o diretor de turma da filha, a encarregada de educação falou do assunto. E disse: não compreendo estas atitudes; isto é uma escola. Ele lembrou-lhe que estas coisas são aprendidas em casa. Ela olhou-o durante alguns segundos e rebateu: a gente em casa não liga a isso, mas pensava que na escola eram obrigados!

Não me Peçam Razões...


Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, in Os Poemas Possíveis

Hoje, 16 de novembro, José Saramago faria anos.

A estória


A menina fazia sete anos. A tia escreveu-lhe uma estória. Pequenina e terna. Chamou-lhe A boneca feliz. Feliz podia ser a boneca ou podia ser a menina. Pô-la em folha A4, frente e verso, em forma de livrinho. Ilustrou-a com desenhos e colagens. Ficou apelativa.

Mesmo assim, a tia não sabia se a sobrinha ia gostar. No momento de dar o presente, estava atenta à reação da pequena aniversariante. Queria dizer-lhe que reparasse na estória. Devia lê-la só depois da festa para compreender melhor.

Estava a gostar de ver a sobrinha com gosto e curiosidade. Ao lado, outra menina, dando a mão à autora da estória, disse risonha: olha, eu também vou fazer anos. É dia 30!

Também a tia ficou feliz.