terça-feira, 4 de outubro de 2011

Diário de Mariana

4 de outubro

Querido diário,

Fiquei de contar o que se passou na 6ª f. passada e vou tentar dizer agora. Entrei na sala de aula com a Bea como quase sempre. Somos amigas e já somos colegas de carteira desde o sétimo ano de escolaridade. Estamos na segunda carteira da segunda fila. Atrás de nós, mas do lado da porta, está o Gi que teve um acidente e partiu um braço. Estávamos a escrever o sumário e ouvi um comentário do Carlos, que tem a mania de ser irónico e cruel. Ele disse tipo: coitadinho, estás a chorar. Queres colinho? Eu olhei logo para trás. A Bea é que não. Ela está sempre concentrada. Um dia, uma prof disse que a escola podia cair que a Bea continuava a não olhar para o lado. A Bea faz-me lembrar as minhas irmãs. Eu gosto de estudar, mas não consigo ser assim. Parece que as outras coisas me chamam para além do que vem nos livros. Talvez elas sintam a mesma coisa, mas acham que devem saber tudo tudo tudo o que está escrito.Fogo!

Quando olhei para trás, vi a setora com a mão no ombro do Gi a perguntar assim: Gil, o que tens? Por que estás a chorar? E ele respondeu: ó setora, dói-me muito o braço, tenho comichão e muito mal-estar. E a prof: Ó Gil, lembra-te que está tudo a correr bem; o que sentes deve ser natural; vais ver como ficas melhor. Tenta descontrair.

Achei altamente a prof querer ajudar o Gi e fiquei comovida e com vontade de ir ter com ele. Quando cheguei cá fora, a Bea foi ao bar comprar uma garrafa de água e eu perguntei ao Gi: estás melhor? Vais ver que daqui a pouco já estás bom. Ele olhou para mim com aqueles olhos que parecem faróis e disse-me assim: obrigada, Mariana, o que a dê tê disse foi fixe mas vires ter comigo foi melhor. Eu fiquei mais corada do que o laço vermelho do meu cabelo e disse um pouco desajeitada: vou ter com a Bea, deve estar muita gente no bar.

Querido diário, parece que estou sempre a ver os olhos do Gi a olhar para mim. Nunca pensei que isto me acontecesse.

Fico por aqui porque nem sei explicar o que sinto. Será isto o amor? Que pergunta. Nem me conheço.

Até amanhã

Mariana

“Paridela”


Visitei há pouco um ateliê de designers em Gondomar. Desenham peças de mobiliário. Trabalham, diariamente, num pequeno gabinete, tendo, frente a cada um, o seu computador. O ambiente é jovem e descontraído, apesar de não haver muita claridade nem o local ter grande visibilidade.

No gabinete, o “comercial” mostrava aos visitantes algumas peças e, chegando a um exemplar que havia sido premiado, apontou para um dos jovens de escultural cabeleira: esta mesa foi uma “paridela” deste designer. Este, sorrindo e em silêncio, ia clicando para mostrar diferentes pormenores da peça que (re)criou e que já é um objeto que pode ser adquirido pelas pessoas.

O tempo breve neste ateliê confirma que para haver criação é necessária muita observação prévia, muito trabalho de organização e que um ambiente estimulante é tão ou mais importante do que as boas condições físicas.

Em terra de tradicional marcenaria, é bom encontrar um grupo de jovens criativos que, para além de alimentarem o negócio, desenvolovem e concretizam novos conceitos.

Retomando uma das palavras lá ouvidas, oxalá sejam sinais da “paridela” de um mundo mais belo e sólido. Que pode emergir aos poucos como uma boa peça de mobiliário.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Diário de Mariana

3 de outubro

Querido diário,

Hoje é feriado municipal e vou sair com a minha mãe. Ela quer ver umas cadeiras Ainda se fosse comprar ainda se justificava, mas só ver. Fogo. A minha mãe disse-me logo de manhãzinha: Mariana, vais comigo ver umas cadeiras para a nossa casa? Eu já sei que quando a minha mãe faz este tipo de perguntas está a dar-me uma ordem.

Mas eu, no fundo, até gosto de ir, porque vejo coisas engraçadas na rua, acho piada à maneira como as pessoas falam, etc. Por exemplo, olho sempre para a minha mãe quando na loja alguém diz: tem aqui o troco, menina. Depois, a minha mãe diz-me assim: tem algum jeito dizer menina? Já podia ser minha filha. Uma vez, eu disse assim, pensando que estava a ajudar: até podia ser tua neta. Foi quando ouvi pela primeira vez: é pior a emenda do que o soneto.

Quando andamos às compras, ou a “ver”, como a minha mãe diz, a minha mãe diz assim: Mariana, como é bom andares comigo. Andas sempre bem disposta, achas piada às coisas pequeninas, és mesmo boa companhia. Pois é, o que a minha mãe não vê são os meus pensamentos. Até gosto de arejar, de ir lanchar a uma confeitaria, mas o pior é a tortura que já prevejo: Mariana, ainda não corrigiste esta avaliação diagnóstica? Mariana, não passaste a limpo a composição?...

Bem, acabei por não te falar do que se passou na última aula de 6ª f. Pensava que comigo isto nunca iria acontecer. O assunto merece uma página inteira. Pode não parecer importante, mas para mim foi e é. E será?

Até à vista, querido diário

Mariana

domingo, 2 de outubro de 2011

Diário de Mariana


2 de outubro

Querido diário,

Hoje a minha mãe contou-me que quando tinha a minha idade, estreava sempre roupa na Festa do Rosário. E às vezes era impossível vestir a roupa nova. Ou porque era quente e no dia da festa estava calor, ou estava frio e a roupa parecia ainda de verão. As raparigas também usavam os primeiros sapatos de salto alto nesse fim de semana. Que cena, coitadas. Para mais, iam e vinham a pé e a estrada era de paralelos. O tacão metia-se nos buracos e às vezes até se soltava. A solução era tirar os sapatos e vir com eles na mão. Só visto. Se calhar, até ficavam com calos.

Eu é que não gostava de viver nesse tempo. Eu gosto de liberdade e de andar à minha vontade.

Mas, infelizmente, a liberdade nunca é completa. E eu que o diga. Esta semana há menos aulas por causa dos feriados e, mesmo assim, já começou a tortura: Mariana, deixa-me ver os teus cadernos; Mariana, por que ainda não puseste a um lado os textos e a outro a avaliação dignóstica?; Mariana, por que ainda não respondeste a estas fichas?; Mariana, já fizeste os exercícios?...

E agora, amigo, pergunto-te eu: por que é que a gente não pode fazer apenas o que gosta? Nestes dias quentes em que gostava de ir à praia ou ficar mais tempo na Festa do Rosário, estou a pôr os materiais da escola em dia! Não acredito.

Tenho de terminar. Vem aí a minha mãe e sinto que vai recomeçar o interrogatório.

PS – Na última aula da semana passada, aconteceu uma coisa que mexeu comigo. Amanhã, quero contar. Se “ordens superiores” não me ocuparem o tempo todo nem me roubarem a minha liberdade.

Mariana

Frutos de outono ou da Festa da Senhora do Rosário, em Gondomar






sábado, 1 de outubro de 2011

Telhados sobre o rio

As árvores procuram o Céu


Janela de sol