terça-feira, 9 de agosto de 2011

Mesmo assim, é bom o verão


Começo de agosto. Domingo. Praia de Mindelo. Deserta. Um vento constante. E cortante. As barracas despidas de toldos. Se não fosse o sol, poderia ser uma imagem de final de outono. Areal claro e vazio. Varrido pelo vento.

Sento-me na esplanada. Procuro um recanto abrigado do vento. Olho o mar. Revolto, empertigado, com cristas agitadas de espuma. A luz é intensa, o que me impede de ler a revista que trago comigo. Não me importo. Fico quieta, dando liberdade ao pensamento. Numa outra mesa, fala-se de avaliação de alunos. E os fracos resultados da primeira fase agigantam-se na minha memória.

Vejo uma colega que se reformou recentemente. Sempre se dedicou à escola e aos alunos, mas diz não ter saudades. E muito menos do toque das campainhas. E do stresse. E da imensidade de relatórios. E do barulho. E das aulas de substituição… Fala e sorri, contando momentos da sua vida atual. Parece feliz.

Olho de novo a praia quase deserta. Barracas esqueléticas. Vento a empurrar a areia e a engrossar a multidão do Outlet das proximidades. Onde a curiosidade supera a necessidade.

Apesar do quase escaldão na esplanada, sinto frio junto à praia. Frio em pleno verão.

Como te compreendo, Álvaro de Campos:

“Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio…”

Nota – Este texto foi escrito há dias.

Hoje, dia 9 de Agosto, souberam-se os resultados da 2ª fase dos exames nacionais do 12º ano. A média de Português continua negativa: não sei se 9,1 ou 9,2. Já se previa que o resultado melhoraria umas décimas apenas. Prevejo também que, enquanto não houver mais aulas semanais à disciplina, os resultados manter-se-ão. A menos que o próximo exame seja milagrosamente fácil. Porém, é difícil acreditar em certos milagres.

Desenho


Ela chama-se Maria. Para além desse, tem outro nome, mas toda a gente a conhece só por Maria. O nome fica-lhe bem. É pequenino e alegre como ela.

A família está de férias. E felizmente há tempo para todos falarem um pouco mais.

A Maria gosta de aprender e é uma boa aluna. A EVT teve uma nota um pouco mais baixinha do que às outras disciplinas.

- Não gostas de desenhar?

- Gosto, tia, gosto muito, disse a Maria com o seu olhar vivo e sincero.

- Mas preferes as outras disciplinas?

- Gosto de aprender coisas diferentes, mas sabes por que tive esta nota?

- Porquê?

- Eu não gosto de pintar outros desenhos. Prefiro desenhar e pintar os meus e à minha maneira, como eu quero, disse, inclinando a cabecita num modo cheio de verdade e bem explicada justificação.

- E a professora não concorda contigo?

- Ela quer que eu pinte os desenhos já feitos, mas eu não gosto. Sabes, mesmo assim, eu fiz o melhor possível. Não gosto de pintar o que já está desenhado, mas esforcei-me e tentei fazer o melhor que pude.

Este foi um pequeno desenho esboçado numa manhã de férias.

Se estes segmentos existem, haverá espaço para linhas mais largas da esperança. O olhar expressivo de Maria ajuda a acreditar que sim.

Um jantar romântico


Estavam de férias e, naquela noite, foram jantar fora. Era a primeira vez que iam àquele restaurante em Vila do Conde. Arranjaram-se, saíram tranquilos e felizes.

Não conheciam o restaurante, mas, visto por fora, parecia bonito, asseado e as pessoas simpáticas. Entraram. O menu era convidativo. Escolheram peixe. Foi servido fresco e saboroso.

A conversa, ao longo do jantar, foi amena e sem pressas. Em cima da mesa, foram colocadas umas pequenas velas acesas.

À saída, o casal com as duas filhas pequenas sentiam a calma de saber que os dias continuariam a ser de descanso e férias.

E a pequena Leonor comentou: gostei muito das velas, parecia mesmo um jantar romântico!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

É noite e o dia é de agosto


Apesar de já ser agosto, muitos professores têm ainda trabalho de correção de exames e elaboração de relatórios. Muito trabalho é desenvolvido em casa, longe do toque áspero da campainha, mas pressente-se cansaço. Daqui a um mês, o ano letivo estará a começar. Os alunos chegarão à escola com legítimas e ruidosas expectativas. E, apesar da alegria de muitos reencontros, apetecerá, com certeza, um pouco mais de silêncio. Tê-lo-emos?

Este ano, a correção de exames foi para um grupo de professores, do qual felizmente faço parte, um tempo amigável e bom. Durante vários dias, houve troca de ideias e de opiniões, perante questões concretas, para que o trabalho comum de correção fosse mais eficaz. E descobriram-se ainda mais capacidades nos colegas, o que a todos enriquece. O tempo em que o professor abria os seus conhecimentos só quando fechava a porta da sala de aula pertence ao passado. Atualmente, a exposição é maior, a necessidade de estudo é permanente, mas mais sustentada e tranquila será a desejada felicidade.

Com as inúmeras atividades letivas e não letivas no horário dos docentes, nem sempre descemos (ou subimos?) ao pormenor com os nossos pares, na preparação das atividades escolares. A correria é grande e curto o tempo de trabalho comum. Estamos, muitas vezes, rodeados de pessoas e, mesmo assim, sentimo-nos sós. E nem reparamos que os outros também podem estar a sentir o mesmo. E eu, professora em final de carreira, digo para mim que é preciso dizer não a muitas coisas para dizer sim a outras de forma mais cabal. Vou ver se (ainda) consigo.

Dia 3 de Agosto, muitos professores entregarão as provas já corrigidas. Conferidas as grelhas, muitos corretores sentirão o que experimentam os atores no final de uma peça trabalhosa. Porém, no teatro, as cadeiras são ocupadas por pessoas que dão a conhecer as suas reações de imediato. As provas de exame, sem nome e sem cabeçalho, são como uma multidão em papel. Em breve, o resultado será afixado nas escolas e o que era anónimo passa a ter um rosto cujos olhos revelarão alegria ou tristeza.

Boa noite e que Agosto traga novos e bons dias!

A propósito de Estropiar

Há muito tempo que não vou a EMAUS, na rua do Almada, - uma instituição que dá apoio a pessoas sem abrigo.
O tempo é-nos dado de graça, mas há sempre tantas coisas a fazer que, às vezes, até parece que nos fazemos "caros"!

Um dia, assisti à situação que conto na pequena estória seguinte.

Recordo a exuberância garrida e o sorriso de júbilo das duas mulheres.

De facto, quem vê caras não vê logo corações.

Estropiar

Estropiar

No final de uma tarde de sábado, duas mulheres entraram numa loja onde se vendiam velharias: coisas que sobravam a uns e eram úteis a outros.

As duas mulheres procuravam sobretudo tecidos. Com avidez nos olhos e nas mãos. Queriam panos usados. Não paninhos delicados de tabuleiro, de mesinha de cabeceira, de cómoda… Não panos da peça, mas retalhos e, se possível, gastos pelo tempo.

Aproximaram-se de um cesto onde também havia bordados que tinham sido abandonados a meio. Talvez a bordadeira tivesse perdido a vida ou a vista para tais minúcias.

A vendedora ia-lhes mostrando alguns dos panos que havia para venda. E elas respondiam, firmes e convictas, que não, eram bonitos de mais para estropiar. Era pena estragar.

E continuavam a busca. Talvez este. E este. E aquele. E também estas meadas de linha – diziam, separando o que escolhiam.

- E este pedaço de linho?

- Isso não. Para estropiar, não.

A vendedora estava perplexa. Tecidos e linhas para estropiar? E imaginou as duas mulheres com facas, navalhas, tesouras… a cortar em pedaços os tecidos e as linhas, enquanto se riam muito e atiravam os farrapos para o ar como pétalas num casamento em que todos estavam unidos pela loucura.

Seriam também loucas? Loucas varridas a varrerem a loja de coisas que tinham sido oferecidas com amor para serem vendidas e com os lucros ajudar os sem-abrigo?! E amorosamente dispostas nas mesas, nos armários, nos cestos?! Sim, claro, muitos objectos acusavam o abandono em caixas e arcas onde tinham permanecido longo tempo. Mas daí a estropiar!... A dita vendedora, que era generosa, curiosa e amante das estórias, procurou até, à sorrelfa, a palavra num dicionário, também à venda na loja: desfigurar, estragar, decepar, adulterar…

Enquanto isto, as duas clientes iam juntando, em dois montes, com entusiasmo estridente, o que seleccionavam.

Fez-se o preço. Para estropiar podia ficar mais barato. Não é possível? Pronto, está bem.

Depois de pagarem, as duas mulheres saíram, felizes, com dois grandes sacos cheios. E uma disse: - Vão ficar giras as bonecas de trapos.

E a outra, com um largo sorriso: - Os miúdos vão adorar a peça.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Fartura e folga

Li ontem na Notícias Magazine: "Estamos todos fartos de acontecimentos. Dêem-nos uma folga".

Título apelativo. Como convém quando muitos leitores da revista estão de férias e sentem outros apelos.
De facto, são muitos os ruídos a camuflar algum silêncio que é necessário ao equilíbrio da vida humana.
Saber dos acontecimentos também é fundamental, mas os media contam-nos a verdade? Ou é revelada apenas a face do que mais interessa?
Os ruídos, às vezes, são muito mais abundantes do que os factos. A verdade fica só para alguns a quem não interessa destapá-la.
Digo então: "Estamos fartos de ruídos e de mentiras: dêem-nos uma folga"!

Bom primeiro dia de agosto. O amanhecer foi cinzento. Verdade inegável aqui e agora.
Muitas praias estão vazias. Estarão? Gostava de estar mas não estou lá!