quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Sem palavras

Ainda bem que me trouxe estes biscoitos de que gosto tanto. Gosto mais deles fresquinhos e estaladiços, mas não digo nada senão deixa de trazer ou, o que é ainda pior, deixa de vir visitar-me. Não gosto de estar aqui. Não me habituo, embora não me queixe muito. A televisão está sempre muito alto. Mas estão a saber-me bem os biscoitos. Em casa, costumava pô-los num frasco de vidro que punha sempre em cima da mesa da cozinha ao lado da garrafa de termos com chá quente.

Não para de comer os biscoitos. Nem levanta os olhos. Não deve estar a pensar em nada, apenas nos biscoitos que está a comer. Ainda bem que os tinha lá em casa. É curioso que ainda os guardo no mesmo frasco de vidro. Enquanto come, posso responder a estas mensagens e a alguns e-mails em atraso.  Agora, quando venho cá, fala pouco. Talvez por isso, apetece-me vir cá cada vez menos.

Já perguntei por todos lá de casa e gostava de saber notícias de algumas vizinhas, mas fica já de mau humor e diz que tem mais que fazer do que saber da vida dos outros. Também não vale a pena perguntar sobre o trabalho. Diz logo que está tudo bem e não desenvolve. Sei que estão a reparar em mim, porque pareço esfomeada, mas é como se estivesse à minha mesa a comer biscoitos e a tomar chá. Gostava muito do frasco de vidro onde guardava os biscoitos. Lavava-o muitas vezes para estar sempre limpinho e brilhante.

Bem, os biscoitos já estão quase no fim. Vou responder à última mensagem e vou para casa. Estou cansado. O dia não foi fácil. Raisparta o meu chefe que se arma em sherife. Vou pirar-me logo que possa. Preciso de apanhar ar e deixar de ouvir estes malditos berros da televisão.

Já foi embora. Fechei os olhos e deve ter pensado que eu estava a dormir. Também deve andar cansado. Até compreendo. E ainda falta bastante tempo para o jantar. Deve ser peixe porque já cheira.
Podia-lhe ter dito para levar o restinho dos biscoitos para comer pelo caminho. Como quando lhe dava a saquinha com o lanche da escola.



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