sexta-feira, 21 de julho de 2017

E ainda não víamos a Glorinha à janela

Salvador Dali
Quando eu era miúda, viam-se mais pessoas à janela do que agora, pelo menos na minha aldeia. Muitas dessas janelas estão agora sem ninguém e não raramente em ruínas.
Quando as olho, parece que ainda vejo essas pessoas. Talvez recolhessem, com os olhos, motivos que lhes alimentavam mais gostosamente os dias: quem passava e com quem passava; palavras que o ar deixava ouvir; o que os vizinhos faziam e como faziam... E tudo regalava a vista como quando procuramos o mar para nos lubrificar a alma.
Algumas dessas pessoas - sobretudo mulheres - apoiavam os braços no peitoril das janelas e ali ficavam muito tempo quando a lida da casa o permitia e era preciso um pouco mais de ficção nas suas vidas.
Também havia homens à janela, embora fossem mais raros. Lembro-me de um que passava uma boa parte das manhãs de sábado à janela. Ajeitava-se aos peitoris, tal como as mulheres, e ia virando o rosto para a esquerda e para a direita, consoante as imagens que queria observar.
Outra mulher havia que - dizia ela - tinha de saber o que se passava para contar ao marido que trabalhava em casa e raramente saía. A janela era uma espécie de jornal local.
Era o tempo de canal quase único de televisão. E ainda não víamos a Glorinha, a da telenovela Gabriela, também à janela à procura de ver fora ou o que não podia encontrar dentro.
 Agora, o tempo não dá para ser passado à janela e as televisões substituem-nas com muitas imagens tão coloridas como ruidosas para quem está em casa.
Quando passo, sobretudo a pé, e ainda vejo alguém à janela, saúdo com um sorriso, como se o tempo não tivesse fronteiras.

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