segunda-feira, 6 de abril de 2015

Momentos de Londres

 O leitor de Oxford Street
Sentado, aconchegou o casaco até ao nariz. Estava a ler e a noite chegara iluminada e fria. Como o segurava na mão,via-se a espessura do livro. Ia quase a meio de várias centenas de páginas. As pessoas passavam num frenesim ruidoso de véspera de feriado. A leitura continuava concentrada. Quando a noite entrasse pela madrugada, fecharia o livro, puxaria a si o cobertor e tentaria dormir. Se não conseguisse, tinha o livro para ler.

A boneca japonesa
Circulava entre os retratos da National Portrait Galery. Quase nem tocava o chão, de tão franzina leveza. Os olhinhos pequeninos passeavam, mas em poucos retratos se fixavam. As pontinhas da escura saia rendada quase lhe chegavam aos pezinhos com sapatinhos de veludo decorados com um pomposo pom-pom preto. 
Não sei se tinha capeuzinho como usam, muitas vezes, as bonecas. mas estas também não costumam ir às exposições e muito menos de retratos do tempo da rainha Vitória.
Mas quem o pode negar?

O ruído na Casa de Chá
Uma casa de chá. Cheia. Pessoas à espera na entrada do piso que dava para a rua, ladeado por dois espaços ao fundo e ao cimo de uma meia dúzia de degraus. Em mármore. Se a Casa de Chá não fosse tão grande, lembraria o Café Majestic, no Porto.
Ouviam-se vozes - muitas vozes -; gargalhadas - muitas gargalhadas -, num alegre ambiente  sem pressas. A pressa seria de afastar qualquer stress.
Um som mais forte elevou-se daquela pequena multidão. Repetido.Viria de alguém mais entusiasmado de um dos espaços mais altos. Uma pessoa olhou para trás. E outra. E talvez ainda outra.
À volta da mesa de um casal, inclinavam-se vários funcionários do estabelecimento.
Um homem tinha-se engasgado, A mulher gritara por ajuda - gritos diluídos e confundidos na vasta vozeria.
O problema surgiu e foi resolvido, sem que quase ninguém se tivesse apercebido. 
O chá com bolinhos nunca deixou de ser saboreado, num espaço que se circunscrevia a cada mesa.

Só mais uma vez.
Todos os dias a passadeira de Abbey Road, que foi capa de disco de Os Beatles em 1969, é visitada e atravessada por turistas. Em busca de diversão, de um minuto de imaginada glória, de revivalismo, de seguir pisadas de ícones e muito mais razões que cada um encontrará.
Um homem de casaco castanho de bombazina atravessou a rua, imitando (talvez) os seus ídolos. 
A família fotografava. Ele parecia divertido, passando para lá e para cá de uma nova realidade. Um rapaz passou a correr, quase indiferente. Três carros estavam parados à espera de poder avançar. O homem de casaco de bombazina continuava a atravessar a passadeira de Abbey Road. A mulher chamou-o. Lembrou-lhe que estava a interromper o trânsito. 
- Nem tinha reparado - disse ele, satisfeito. Acrescentou: só mais uma vez!

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2 comentários:

  1. Como sempre, belos momentos captados pelo teu olhar atento, minucioso, perspicaz produzem textos interessantes, mas, por vezes, deixam-me intrigada. Será que havia mesmo um leitor em Oxford Street, uma jovem japonesa que parecia uma boneca, ou um acidente na casa de chá? Ficção ou realidade?
    Nunca será demasiado dizer-te: Continua a escrever e alimentar o blogue. Um dia nascerá (também) um livro, estou certa!
    Bjs
    Ci

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  2. Obrigada, amiga.

    De facto, sinto que ganhei o dia quando observo algo que me leva a pensar: Isto dá uma pequena história.

    E, na verdade, tudo isto aconteceu, embora tenha, depois, acrescentado uns pozinhos de ficção.
    O "leitor de Oxford Street" foi o título que me surgiu quando vi um sem-abrigo a ler um espesso livro, precisamente nessa rua. Ele estava sentado e parecia concentrado e indiferente ao que se passava à sua volta. O resto veio por acréscimo.
    No National Portrait Gallery, vi uma jovem asiática mais ou menos com os traços que descrevo.
    "O ruído na casa de chá" aconteceu mesmo como conto.
    O texto sobre Abbey Road é quase tudo ficção. Como vi um homem de casaco de bombazina a atravessar a mítica passadeira, imaginei o resto.
    É caso para dizer: Felizmente há a realidade para nos despertar a imaginação.
    Beijinho
    M.

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