Dias antes de fazer anos, disse que não queria festejar. A família insistiu. Ele persistiu. Na véspera do aniversário, uma filha perguntou-lhe, com atenta indiferença, a que horas poderia ser o jantar de anos com a família reunida. Ele encolheu os ombros, rendido. Mesmo sem o dizer, estava contente com a firmeza do convite.
Fazia oitenta e cinco anos e tinha ainda muitos projetos: uns partilhados, outros mais ou menos plantados entre os seus botões.
No jantar de aniversário, conversou, recordou, também riu, e comeu a sopa de peixe de que tanto gostava. O vinho estava fresco e a noite bastante quente. No pátio, onde decorria o jantar, fechou os olhos.
- Olha, o avô está a dormir.
- Não, não estou a dormir. Estava a ouvir-vos e a pensar que esteja onde estiver, sou sempre o mais velho. Raio!
- Deixe lá, pai, também me vai acontecendo o mesmo. É a vida.
Pois é a vida. Tão curta e, vista pelos mais novos, até parece longa. A infância ainda morava ali: crua, dura, mas lisa e leve. Um tempo em que os meninos para se fazerem homens não tinham tempo de ser meninos. O trabalho começado tão cedo. Em idade e no dia. Mais tarde, muito mais tarde, a alegria das idas à Feira do Livro no Porto. A paixão pelos livros de Camilo. Grande homem. Para quem a vida era vivê-la.
Os pratos ainda estão sobre a mesa. Todos falam, riem… As bisnetas correm “entre os vasos de flores”. Como se tudo fosse feliz e eterno. O velho cão chega a arfar em busca de companhia e logo a seguir de sossego.
É dia de aniversário. Cantam-se os parabéns. Foi a bisneta mais nova que deu o tom. Ela chegara com um desenho e uma frase bonita para o avô. A folhinha colorida ficou, durante a noite, caída no chão. Aberta à luz redonda da lua. Persistente e sem idade.
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