Mariana
segunda-feira, 29 de dezembro de 2025
Proximidades - uma obra de autores de Gondomar
Em finais de novembro, foi apresentada a coletânea Promidades, com textos escritos por 29 autores de Gondomar. Eu, que nasci e sempre vivi em Gondomar, desconhecia que tantas pessoas gostavam de escrever e que tinham obras publicadas. Como o tempo está frio, escolhi este pequeno texto para partilhar, ao qual dei o titulo 'Neve'.
Neve
O menino, com alegre e real
vivacidade,
falava de neve como se
nela tivesse caminhado com os seus próprios pezinhos;
lembrava bonecos de neve,
feitos com o macio e frio material;
desenhava uma janela donde
se viam flocos de neve a cair, cobrindo o pequeno jardim de ondulada brancura;
contava jogos com bolas
de neve e fazia gestos redondos para os explicar;
repetia - «‘Adoio’ a neve»,
com os olhitos a brilhar. Como não sabia pronunciar os erres, substituía-os pelo
i, suave letra que cria palavras como infância, imaginação…
Quando um dia mais tarde
contaram ao menino, que já não era menino, este bocadinho da sua infância, ele sorriu
e recordou, nitidamente, paisagens de neve de que então falava e que causavam estranheza
a quem o ouvia. Sabia que existiam em
livros de histórias e em muitos dos seus sonhos.
domingo, 28 de dezembro de 2025
O Natal está onde o homem e a mulher quiserem. E puderem, é claro!
Com o Natal ainda tão próximo, partilho a história que escrevi para os Lugares e Palavras de Natal, da editora Lugar da Palavra.
Que esta quadra natalícia traga, para todos, saúde, bons lugares, boas palavras... E assim continue!
'Ao
entardecer e no regresso a casa, escuta
a
canção do rouxinol e depois com o olhar
segue
o caminho de uma pequena nuvem'
John Keats
O guia japonês e o
rouxinol ou um belo presente de Natal
Quando me preparava para
sair do pequeno museu, a minha autoestima parecia aparada rente como a relva do
jardim circundante. O que valeu foi a rececionista que, simpaticamente, me fez esquecer o que me desagradara na
visita guiada. Enquanto eu pagava uns postais, perguntou-me, gentilmente, de
que país eu era natural. Quando referi Portugal, abriu um sorriso e falou-me dos
vinhedos do Douro e da praia da Nazaré, lugares que ela já tinha visitado. Do
Douro, recordou os laboriosos socalcos e da Nazaré, a vastidão alta do mar e as
saias pujantes das Nazarenas. Realçou também sabores do vinho e do peixe fresco.
Mas voltemos ao início da
minha história.
Durante umas férias de Natal
em Londres, resolvi ir a Hampstead, para visitar a casa-museu de John Keats, o famoso
poeta romântico do século XIX, celebrizado por poemas como «Ode a um Rouxinol».
À chegada, apreciei a
arquitetura da casa, sóbria e integrada na verdejante região. Para além do imóvel,
queria conhecer um pouco da vida e obra do poeta inglês, de quem tinha lido apenas
um ou outro poema.
Quando entrei, fui
informada que haveria em breve uma visita guiada e logo me inscrevi. Como tinha
tempo, deambulei pelas poucas divisões da casa, percorrendo os espaços devagar,
parando em retratos do poeta, da mulher amada, dos amigos, e em objetos de
Medicina - área em que ele havia trabalhado antes de se dedicar inteiramente à
poesia. Detive-me também em frases do poeta, dispersas pela casa, que celebravam
a vida e os sentidos:
«Dê-me
livros, vinho francês, fruta, bom tempo e um pouco de música ao ar livre...»
A visita guiada
prometia. Seria um presente de Natal que me dava a mim
própria.
Um pouco antes do início
da visita, perto de mim e também à espera, já estavam dois homens e uma mulher,
todos de aparência nórdica: muito altos e muito brancos. A um canto da loja,
integrada na sala de entrada, estava sentado um jovem magro e de baixa estatura,
camisa branca, cabelo preto espetado, ar tímido, e rosto com traços orientais.
À hora certa, levantou-se, aproximou-se, cumprimentou-nos, e disse ser o nosso
guia. A visita ia começar.
Vi logo que nós, os quatro
visitantes, deveríamos ter idades similares, que os três nórdicos se expressavam
muito bem em língua inglesa e que conheciam bem a época do Romantismo, assim
como a vida e obra de Keats, sobretudo o casal. O outro homem era bastante reservado,
talvez menos conhecedor daquelas matérias, preferindo receber a informação de
forma menos ativa. Tal como eu.
A visita foi-se
desenrolando e fui dando conta de pormenores que me tinham escapado na deambulação
anterior, o que me agradava porque me acrescentava saberes. Porém, o meu
conhecimento da língua inglesa não me permitia captar todas as palavras ditas
ao ritmo normal de um falante inglês, o que se refletiria nos meus olhos. Ora,
o guia, nas suas explicações, olhava sobremaneira para o casal mais interventivo
e para o outro homem quando este se manifestava. A mim, porém, nunca dirigia o
olhar, talvez por eu não intervir com questões ou achegas. É que quase tudo
para mim era novo e estava ali essencialmente para ouvir e aprender.
O facto de nunca ser
olhada lembrou-me a existência de tanta gente anónima por quem se passa sem
olhar, como se não estivesse ali uma vida, uma história, um rosto. Tornei-me
assim um pontinho nessa multidão tão próxima, mas que julgamos tão diferente e distante.
Eu seguia o pequeno grupo,
ao longo das poucas salas e corredores, mas sentia-me uma frágil medusa entre
seres enormes e invencíveis.
Eu era um peixe que podia
nadar dentro ou fora da água, com ou sem ruído, mas que ninguém tentaria pescar,
porque era impercetível.
Eu era um aluno nunca olhado
na sala de aula e cujo nome é ignorado ou confundido.
Eu era alguém que espera
a sua vez numa fila qualquer, vendo pessoas mais seguras a passarem-lhe à
frente e logo atendidas.
Eu era o menino pequeno e
moreno que quer jogar, mas a quem não passam a bola porque tem menos treino.
Eu era o velho de quem
desviam a atenção e o olhar, porque não está a perceber.
Eu era a criança que se
distrai porque se sente esquecida.
A visita continuava e a
minha imaginação ia voando como o rouxinol do poema de Keats ou da pintura de Joseph
Severn, que vi na sala grande que dava para o jardim.
E, nestas divagações, imaginei
o guia em criança, de rosto redondo e calças muito largas, a caminhar com o pai,
lado a lado e em silêncio, debaixo de cerejeiras floridas, dando passos lestos
e miúdos. O rapazinho precisava de um olhar, mas como o pai não o ouvia, não
alterava o rumo dos passos nem dos olhos.
Talvez o jovem repetisse agora o que vira
fazer durante muito tempo.
Ainda lhe faltariam
muitos Natais para inovar?
Apenas na despedida da
visita guiada, vi o seu olhar distribuído por todos os elementos do grupo,
bastando esse pequeno gesto para se acenderem luzes na árvore da humanidade.
À minha saída, a amável
rececionista perguntou-me se eu tinha gostado da visita. Respondi-lhe que sim, apesar
de não ter compreendido muitas coisas. Ela, talvez pela experiente empatia, elogiou
a minha expressão em língua inglesa. Sorrindo, agradeci e desejamo-nos um Feliz
Natal.
Bem perto dela, estava o
jovem guia de novo sentado na cadeira do canto à espera de novos visitantes.
Com a luz a incidir-lhe na cabeça negra, ele parecia uma figura mística de
olhos voltados para a janela alta e larga.
Pudesse ele estar a olhar
os diferentes pássaros que por lá se cruzavam, sem buscar apenas o rouxinol.
Se tal
acontecesse, seria também um belo presente de Natal.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
Dia 10 de dezembro
Ontem
Quando a minha filha mais nova era adolescente, leu quase todos os livros que Clara Pinto Correia ia publicando. A professora, cientista, escritora, jornalista era um ídolo para ela. Ontem dei-lhe a notícia da sua morte. E acrescentei coisas que li e conclusões pessoais a que cheguei: era genial, produziu tanto desde tão nova, teve aplausos e reconhecimento de toda a parte, nem beleza física lhe faltava, amou e foi amada…
Porém, as asas foram perdendo fulgor e a queda foi abrupta quando foi acusada de plágio por artigos enviados para a revista Visão. Parece que morreu só e com ordem de despejo da casa onde vivia.
Hoje, várias capas de jornais mostram o seu belo e expressivo rosto. Num dos títulos, aparece a palavra Princesa. É que o ‘viveram felizes para sempre’ é final em que já ninguém acredita.
Hoje
- Mãe, o dia 10 de dezembro também calhou numa quarta-feira, não foi?
- Sim, filha.
. …
- Tínhamos estado os dois de mãos dadas no hospital, desejosos de voltar para casa.
- …
- E voltámos só nós.
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
Flashes com um feriado dentro
Manhã de domingo
Enquadrada na Feirinha de Natal, estive na pequena tenda da APEG - dos autores de Gondomar, no Parque Urbano. Julgo que foi a primeira vez que fui 'livreira' e gostei da experiência. Na banca, estavam livros escritos por autores que residem ou estão ligados a Gondomar. Muito perto, havia uma barraquinha de doces. Boa e gostosa vizinhança. Curiosas são as reações das pessoas que passam: umas aproximam-se e olham, mesmo que nada comprem; outras aceleram o passo dando a entender que livros não interessam; outras dizem às crianças para escolherem um livro... E as pequenas conversas ali geradas foram bonitas, mas muito mais ainda era ver crianças risonhas, na companhia dos pais, com o seu livrinho na mão.
Tarde de domingo
Fui ao Teatro Nacional de S. João com amigas ver a peça Branca de Neve e Outros Dramalhetes, de Robert Walser, encenada por Nuno Carinhas. Apesar de 'o Porto aqui tão perto', há bastante tempo que não passava nas imediações do Teatro. Como chegámos mais cedo, deu para entrar no cinema Batalha, agora de cara bem fresca e lavada, com grandes cartazes das Meninas Exemplares, filme de João Botelho, que mostra pinturas de Paula Rego e que lembra as histórias da Condessa de Ségur. Impossível não recordar os tempos há muito já idos em que corríamos para ir buscar livros à biblioteca itinerante da Gulbenkian, que passava em dias certos e felizes.
Manhã de feriado
Será que a mesa da sala iria ficar com menos tralha? Ou, melhor dizendo, sem os sacos de papel, as fitas, as prendinhas para começar a organizar o Natal? Fiz o pequeno almoço. Para tomar devagar. Liguei o rádio na cozinha - um velho rádio que tenho há uns quarenta anos e que, de vez em quando, começa a falhar. De repente, perde o pio. Ao lado, a pequena televisão que também perdeu a voz e o rosto. Digo para mim: Substituo-a? Com o rádio, aprendo mais. Café, torradas, um ovo mexido - tudo tomado quentinho, vou para a sala. Dali a um par de horas, a mesa está mais desanuviada, mas ainda com jornais e revistas. Ah, e o medidor da tensão para registar os números na folhinha. Fica para a tarde. Não me apetece tirar o casaco.
Tarde de feriado
Depois de almoço, tomo o café no sofá. Em caneca, não em chávena pequena. Gosto de sentir o calor prolongado nas mãos. Dou uma vista de olhos a Expressos das últimas semanas, trazidos pela minha filha, mas que tinham ficado por ler. Separo o que me interessa mesmo e que não gosto de perder, como o caderno 'Ideias', onde está a crónica de Isabela Figueiredo que leio sempre. Recebo um telefonema de uma amiga muito talentosa que produz peças bonitas e originais. Passará por cá, porque preciso ainda de algumas coisas e gosto sempre de falar com ela. Separo os jornais já lidos. Costumavam ir para reciclar, agora vão para uso de um mecânico que mora perto. Queixa-se de que não encontra jornais para limpar os carros! Pode ser que, pelo menos, leia alguns títulos.
Na próxima semana, não haverá feriados. Que sejam bons todos os dias!
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Ajudas a escrever a carta? Perguntou ela!
Mãe, ajudas o menino a escrever a carta?
Claro, respondi eu.
Precisava era de saber que tipo de carta tinha de ajudar a escrever e para quem. Estava tudo na mensagem enviada pela educadora. Li. Que bonito, pensei. E tão necessário. E tão diferente do que se fala nos tempos que correm. Ainda bem que a educadora, jovem, motivada e alegre, fala destes assuntos com os meninos. Tinha havido um sorteio e cada menino ficou a saber a quem deveria endereçar a sua carta. Uma carta de bondade.
Ora, já no carro, e de regresso a casa, perguntei-lhe sobre a carta, para irmos já falando sobre o que iria ficar escrito. Eu queria que as ideias fossem dele e não minhas, porque era ele que conhecia o amiguinho, de cujas qualidades queria falar.
Então, meu amor, o que vamos escrever na carta? Fui perguntando e ouvindo respostas.
Ele aceita as minhas desculpas, mas às vezes não aceita de outros meninos.
Como era uma carta de bondade, achei melhor realçar o que era positivo e disse:
- Talvez seja melhor só dizeres que aceita as tuas desculpas. Até pode ser que passe a desculpar mais.
Concordou.
E foi acrescentando:
- E ajuda-me quando é preciso.
E também o ajudas? - Perguntei eu.
- Também.
Ótimo, disse eu.
Então, podemos dizer que gostas de brincar com ele, que ficas contente quando ele te ajuda e que também gostas de o ajudar.
- Ó avó, ele fala línguas diferentes, acrescentou.
Que bom, disse eu.
Na cartinha que escrevemos, quando chegámos a casa, ficou também: Gosto de te ouvir a falar línguas diferentes. É muito fixe.
E, já agora, abordar estes temas (não quero dizer valores, porque é palavra que serve para tudo e mais alguma coisa) na escola e na família é ainda mais fixe, senão, daqui a pouco, as crianças nem sabem o que é bondade, respeito... porque os adultos vão-nos apagando a uma velocidade atroz.
Felizmente (ainda) há Esperança!
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Chama-se Maria?
Há dias, fui a uma farmácia aonde não costumo ir e que fica num Centro Comercial do Porto. Quando entreguei a receita à farmacéutica, bastante jovem, ela fez-me uma pergunta: Chama-se Maria?
Eu disse que sim, estranhando momentaneamente a questão. Ora, a razão da pergunta seria a de facilitar as perguntas seguintes que me iria fazer:
- A Maria quer genérico?
- A Maria tem cremes hidratantes em casa?
- A Maria quer número de contribuinte?
...
Não deixei de achar graça à forma de tratamento, porque não é usual, sobretudo antecedida pela pergunta do primeiro nome e sendo eu de uma geração muito mais antiga. Seria mais comum dizer 'a senhora' e ainda bem mais habitual, na região, dizer 'você', palavra que sempre começamos por bê e que nem sempre cai bem. E não é só pela troca do vê pelo bê, mas porque o 'você' implica outra proximidade.
Ah, para além da forma de tratamento que usou e que fixei, também não esqueci o conselho que me deu e que tenho posto em prática e com sucesso:
- Se a Maria tem creme Nivea em casa, use-o para hidratar as mãos.
Para a próxima, volto lá.













