quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

‘Se senta, se tenta’


Havia um restaurante no Porto  (não sei se existe ainda), com o nome que pus em título. Lembrei-me dele a propósito de um aniversariante muito próximo que, ao fazer setenta anos, sentiu um peso a cair-lhe em cima como pedras de muro que desaba. Dado ao humor e a tornar mais leves coisas mais pesadas da vida, os setenta anos fizeram-no pensar mais profundamente nos outros e na vida.

Parece que ficou diferente - comentava quem o observava. E não era difícil ler-lhe o pensamento. Quando acenderam as velas para lhe cantarem os parabéns, lembrou-se dos aniversários da sua infância que passavam sem doces nem parabéns. Quando os convidados foram embora, ajudou a arrumar a loiça e foi-se deitar.

No dia seguinte, escreveu num grupo do whatsapp : A vida continua. Viva a Vida!

E saiu para trabalhar, como fazia há muitas dezenas de anos. Sentando-se, como habitualmente, disse para si que, se se senta, se tenta a pôr em prática as palavras que partilhou logo pela manhã do dia seguinte a fazer setenta anos.


terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Bom Dia!

 



domingo, 12 de janeiro de 2025

O (meu) olhar e (ainda) um almoço de Natal!


Há muitos anos, um colega de trabalho disse-me, amigavelmente, que o meu olhar era muito avaliativo. Nunca mais me esqueci e, na altura, desagradou-me, confesso. Não pelas palavras que acabava de ouvir, mas sobretudo porque verifiquei que era verdade. A confirmá-lo bastava ver algumas fotografias. E o pior é que ainda não aprendi a corrigir. Raios! A gente aprende (que remédio!) tanta coisa e outra tanta não consegue corrigir!

Ora, tenho um grupo de amigos de longa data que se reúne sempre antes ou depois do Natal. Pois bem, ontem foi o dia do almoço natalício,  não fosse o Natal ‘quando o homem ou a mulher) quiser’. Sempre animado e divertido o nosso encontro, trocamos presentes, partilhamos petiscos e, à boa maneira de quem gosta uns dos outros e se conhece bem, há conversas que se cruzam, que se sobrepõem e que acabam em risota. E as fotos tiradas lá vão fixando alguns momentos.

Vendo algumas agora, lá me salta à vista o tal meu olhar bastante avaliativo que, mais uma vez, confirmo. E digo para mim: raios! Não gosto nada!

Mas foi uma tarde bem passada entre amigos - é a avaliação que faço. Tenho pena é do tal olhar avaliativo. Nem sempre, é claro. E é o que vale para as boas amizades continuarem a valer.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Quantos deles leram um livro do princípio ao fim?

Hoje, debaixo de intensa chuva, os restos mortais de Eça de Queirós, que faleceu em Paris no ano de 1900, foram trasladados de um cemitério de Baião, perto da Casa de Tormes, para o Panteão Nacional, em Lisboa.

A urna, sobre uma charrete puxada a cavalos, percorria a estrada sem ninguém a ver nem a aplaudir, tanta era a água que do céu caía. O cenário era digno de  filme triste mas belo, que dispensaria legendas, mas não o silêncio.

À hora prevista, na igreja de Santa Engrácia, reuniam-se governantes, familiares do grande escritor e muitas figuras públicas convidadas para prestarem homenagem ao homem que foi cônsul, escritor, jornalista…

Segui a cerimónia pela televisão, ouvindo os discursos, a música, a leitura de textos de diversas obras do autor, nomeadamente Os Maias, O Primo Basílio,  O crime do Padre Amaro, A Cidade e as Serras. E também As Farpas, obra escrita com Ramalho Ortigão.

Achei uma ótima ideia lerem excertos de livros do autor e os palestrantes lembrarem que a leitura das obras é a melhor homenagem que se pode fazer a quem as produziu, neste caso, de forma prodigiosa.

Ora, nestas diferentes obras literárias, há uma forte - sem ultrapassar linhas vermelhas, como agora se diz - crítica (construtiva) ao Portugal da época, havendo a caracterização de personagens, com traços, curiosamente, muito semelhantes a figuras públicas atuais, fazendo rir o leitor pelo humor e ironia. Nisto também o escritor foi genial. 

E, enquanto, decorria a homenagem, ia-me perguntando: quantos políticos atuais leram um livro de Eça de Queirós, do princípio ao fim? 

É que, com as obras do autor homenageado, também se aprende muito sobre o mundo em que vivemos. E sobre o mundo em que seria melhor viver.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A travessa cavalinho e a festa dos Reis



Tenho esta travessa há muitos anos. Trouxe-a de casa dos meus pais. Vive agora pendurada numa parede. Sempre que a olho, vejo-a na mesa da minha infância, com batatas, bacalhau e hortaliças a fumegar, no tempo em que se festejava o Dia de Reis. A comemoração não era bem como a do Natal, mas não faltava a aletria nem o leite-creme nem as rabanadas, tudo feito ao fim da tarde para ser saboreado  ainda quentinho.
Agora, que eu saiba, poucas pessoas, no nosso país, festejam os Reis Magos - Belchior, Gaspar e Baltasar - vindos do Oriente e que, seguindo a sua estrela, se deslocaram até Belém para visitarem e oferecerem ouro, incenso e mirra a Jesus, recém-nascido.
Atualmente muito se fala do Oriente por guerras e conflitos que alastram, destroem e matam. Que bom seria que terminassem como termina agora a época de Natal.
A partir de hoje, arrumam-se presépios, árvores e enfeites de uns dias natalícios, dos quais ficaram boas ou más memórias. Às vezes, são objetos que trazem ao de cima muitas recordações. Como acontece com esta velhinha travessa que já cavalgou décadas. Não fosse ela uma travessa cavalinho.

Quero ir ao encontro de alguém, mas não de encontro a qualquer coisa!


Por todo o lado, incluindo na comunicação social, ouvimos as expressões 

Ao encontro de 

De encontro a

Ambas existem, mas o seu significado é bem diferente, apesar de serem usadas, por distração ou desconhecimento, como se o significado fosse o mesmo.

Se vamos ter com alguém ou concordamos com certas ideias, vamos ao encontro dessa pessoa ou dessas formas de pensar ou agir, como, por exemplo:

'Fui ao encontro dos  meus amigos, como tínhamos combinado.

'Ele é generoso e vai sempre ao encontro das necessidades dos outros


Porém, ir de encontro a significa esbarrar, ir contra qualquer coisa, como, por exemplo:

'A criança ia a correr tanto que foi de encontro ao muro.


Num mundo de tantos choques e tantos desencontros, saibamos então distinguir:

. ir ao encontro de - satisfazer, dar resposta, aproximar-se de alguém ou de ideias, sem choque físico.

. ir de encontro a - colidir, chocar


Acrescento, então:

Hoje vou ao encontro de uma pessoa amiga. Espero não escorregar na rampa do café e ir de encontro à  porta de entrada.


Que este Dia de Reis de 2025 vá ao encontro dos desejos de cada um e que os políticos não vão, mais uma vez, de encontro às ideias de todos os adversários, mesmo que sejam boas para o país.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Olhemo-nos uns aos outros!

 Primeiro (não) olhar

A menina era uma boa aluna. Raramente se queixava dos professores. Havia, porém, uma professora que dirigia quase sempre o seu olhar para o melhor aluno à sua disciplina, o que não era confortável. A professora parecia querer ter o seu aval do que dizia e do modo como agia. Os outros alunos sentiam-no e, claro, a adolescente que era boa aluna à disciplina, mas talvez nem tanto como o colega de turma, também. Passados alguns anos, a professora e a ex-aluna encontraram-se por acaso. Reconheceram-se, falaram do tempo de escola, a professora elogiou-a, desejou-lhe muitas e bem merecidas felicidades. E, curioso, passado tanto tempo, a imagem do não olhar na sala de aula não deixou de dizer presente. 


Segundo (não) olhar

A mãe foi ao médico com a filha. Era a mãe que precisava da consulta. A filha, já adulta, levaria o carro e faria companhia à mãe. A consulta era num hospital particular para a marcação ser mais rápida, apesar de ambas não dispensarem e reconhecerem toda a importância do SNS. Após a consulta, o médico, que parecia apressado e com pouca paciência, comunicou o diagnóstico. Fê-lo, olhando apenas a filha, como se a pessoa mais velha, a principal interessada e, felizmente, na posse de todas as suas faculdades, não estivesse ali. E ia pensando que o ato médico é também um ato de comunicação. Cada vez mais. O olhar com empatia pode melhorar muita coisa. A falta dele pode estragar muita coisa também. 


Terceiro (não) olhar

A visitante chegou ao pequeno museu no país estrangeiro. Estava feliz, porque já há muito tempo queria conhecer aquele espaço, onde tinha vivido um grande poeta. À hora marcada, havia quatro pessoas para a visita guiada. Três delas eram falantes da língua do país e uma vinha de fora. O guia, um jovem estudante, bem informado sobre todo o espólio do museu, ia dialogando com os visitantes. Ou melhor, com todos menos com a visitante que não dominava a língua daquele país. O seu olhar ia, portanto, ao encontro daqueles que o entendiam por completo. A visitante olhava-o para compreender melhor a sua mensagem e ficar mais informada, mas o olhar não lhe era retribuído, com alguma tristeza sua. Terminada a visita, a visitante saiu. O guia estava distraído, mas a senhora, que estava junto dos objetos à venda, sorriu-lhe e desejou-lhe bom dia. Até ali, a visitante tinha prometido a si própria que não voltaria, mas, depois daquela saudação empática, talvez voltasse um dia. 


FELIZ ANO NOVO! 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Uma aldeia natalícia

 


Chama-se Quintandona, fica no concelho de Penafiel, distrito do Porto, e vale a pena visitar.
Em família, foi o que fizemos ontem, em tarde cheia de sol, ainda que um pouca fria.
A aldeia tem sido restaurada e encontram-se, aqui e ali, muitos elementos decorativos, feitos pelos habitantes, e aproveitando produtos naturais, como troncos de árvore, cabaças, pinhas, etc.
Numa loja, ampla e moderna, a que chamam Feirinha, vendem mel, compotas, chás, casinhas e presépios de xisto, etc. Não resisti.
Tive pena de estarem esgotadas as tigelinhas de barro onde servem café da púcara ou as tigelas maiores onde se come o caldo da aldeia, feito em panela de ferro. No meio de um terreiro, as chamas iam cozinhando a sopa e aconchegando os visitantes, mesmo ao lado de um restaurante, que também tem dinamizado muito a aldeia.
Ah, e há pelo menos um trilho para caminhadas, através da floresta bem próxima. Não tive coragem para tal, mas fiquei a saborear o momento e a olhar as laranjeiras, as árvores já despidas de inverno, as casas e muros reconstruídos, os arranjos manuais a embelezar a aldeia natalícia que soube bem visitar, em vésperas de Ano Novo. 
Talvez muitas aldeias também o façam. Oxalá haja apoios para tal e pessoas que as visitem. E que comprem alguns dos produtos da aldeia. E olhem e sorriam para quem lá mora, não como seres decorativos, mas como pessoas que vivem dando vida à terra onde vivem. E se há criatividade, como acontece em Quintandona, ainda melhor.