No dia seguinte, fomos ao
British Museum.
Quando saímos, disse-me com
voz de encantamento:
- Gostei tanto, Saturnino,
das exposições. Que bom estarmos os dois aqui e agora, sentindo tanto amor um
pelo outro. Dizem que Paris é a cidade do amor. Para mim, é Londres.
Fiquei extasiado, abracei-a
e o British Museum passou a ser o melhor museu do mundo.
No penúltimo dia em Londres,
tomámos o english breakfast no hotel e começámos a programar o sábado. Como gostava muito de falar inglês, ela optou por dizer saturday,
começou a rir-se e disse com desvanecida
ironia:
- Como não gostas de
Saturnino, posso chamar-te Saturday!, pronunciando o tê como se fosse dê.
Não achei piada à graçola e
disse-lhe que bastava de picardias. E que ela não gostava de ninguém para além
de si própria.
Continuou no mesmo registo
de zombaria, dizendo que a ela lhe poderia chamar Sunday, porque era bem mais
luminosa do que eu e que, felizmente, como os pais sempre a tinham amado, não
lhe tinham posto um nome que tolhesse a sua alegria à nascença. Isto tudo
enquanto engolíamos o resto do café azedo e já morno e terminávamos um sumo
deslavado de laranja.
De repente, disse-me com voz
risonha de menina a pedir colo depois de birra insuportável:
- Desculpa, Saturnino,
estava a brincar.
E logo me recordou que tínhamos
combinado andar na Roda Gigante, para vermos Londres bem do alto. Fomos a pé,
ela deu-me a mão e, com encantamento, ia partilhando comigo o que ia vendo.
Quando entrámos na cabina,
abraçou-me, dizendo:
- Adoro-te, Saturnino.
Eu abracei-a, mas como
pressentiu alguma desconfiança da minha parte (eu começava a ter
consciência da efemeridade dos seus gestos e das palavras corrosivas em tantos e repetidos momentos), afastou-se um pouco,
criticando a minha insegurança, a não entrega ao momento, o facto de parecer
que estava sempre à espera do pior e de não desfrutar consistentemente do que
de bom a vida nos oferece a cada instante.
Agarrei-a pela cintura,
abracei-a e pedi-lhe que vivêssemos, então, aquele momento bem juntos, como se
fosse o último.
- I love you, Saturnino, disse ela.
Ao almoço, fomos a um pub
comer fish and ships com cerveja local.
O tempo estava fresco, o céu
com muitas nuvens, mas, mesmo assim, preferimos ficar no exterior, saboreando
os petiscos que nos iam pondo na mesa de madeira, de forma efusiva.
Aconchegou a si o casaco e achei
que o rosto dela ficava ainda mais bonito com o rosado que a aragem fria lhe
punha na pele. O cabelo esvoaçava e ela deixava-o em liberdade.
Eu disse-lhe que ela era
linda. Retribuiu-me, pondo a mão dela sobre a minha e dizendo:
- És o homem da minha vida, Saturnino.
Pela primeira vez não lhe respondi, o que estranhou, mas vivemos
as restantes horas do dia sem discussões nem azedume.
À noite, continuava deslumbrante,
alegre e meiga. Depois do jantar, ela quis ir beber um copo a um pub que tinha visto numa
Time Out, no hotel. A distância era significativa. Disse-lhe que estávamos
cansados, que tínhamos de nos levantar muito cedo no dia seguinte e que o
melhor seria passarmos o serão mais perto, já que não faltavam bares e pubs
acolhedores nas imediações.
Lançou-me um olhar feroz,
acusando-me de não saber ultrapassar os meus constrangimentos e sobretudo os meus
traumas que me impediam de apreciar a vida em todo o seu esplendor. E que, de
facto, a escolha do meu nome tinha sido premonitória. Fomos para o quarto, ouvindo-se apenas os nossos passos no corredor do hotel.
Quando acordei, ela
surpreendeu-me com um desnudado abraço largo e lânguido:
- Amo-te tanto, Saturnino.
Estendida na cama, com
volúpia, começou a rir-se dos próprios caprichos, de ser tantas vezes infantil
e imprevisível, chamando-me, com os braços estendidos, espreguiçadamente, Sa-tur-ni-no.
Como a um gato que não se quer ver fugir pela janela.
Foi quando ela me ouviu
dizer, atónita e descrente da minha convicção:
- Quando chegarmos a Portugal, o melhor para ambos é tratarmos da
nossa separação.
Com mais segurança do que habitualmente, fechei a pequena mala.
E Londres passou a ser, de facto e para mim, a
melhor cidade do mundo. Cinzenta, perplexa, mas liberta.