West Hampstead, arredores de Londres, hoje. |
domingo, 10 de dezembro de 2017
A cor do presente e a noite de Natal
António era funcionário público e os vizinhos
chamavam-lhe o solitário da rua. Tinha uma vida pacata que, para alguns, seria
monótona. Porém, sentia-se bafejado por momentos simples e felizes, como
regressar ao fim da tarde e colher legumes para o jantar. Às vezes, ficava no
quintal ou no jardim até à noite, arrancando ervas daninhas, podando ramos
secos, lançando sementes à terra, colhendo verduras ou frutos...
(...)
(...)
Também fazia caminhadas com a cadela Duna, lia,
ouvia música clássica, escrevia umas pequenas histórias que ia guardando...
Duna, uma labradora de gema, acompanhava-o, fiel e
serena, há alguns anos. Em noites de inverno, dormia a seus pés, restabelecendo
a ordem do mundo.
Filho único,
António vira os pais desaparecerem quando tinha vinte e quatro anos. Ainda
festejaram a conclusão do curso e a sua entrada no mundo do trabalho. Os tios
mais próximos, quando António ficou só, ofereceram-se para o receber. Agradeceu,
mas não aceitou o convite. Preferia ficar na casa onde sempre vivera. Os tios
concordaram porque, mais tarde ou mais cedo, casaria e haveria espaço para as
crianças.
O tempo foi passando e tornando grisalho o cabelo de
António. Nunca casou e a rotina diária era novelo que ia aumentando sem
embaraços.
A rua onde habitava tinha a planura suficiente para
os vizinhos se conhecerem. Apesar da discrição, ou por causa dela, António era
muito observado. Sabia-se que não se ausentava longamente, a avaliar pelas
janelas abertas logo de manhãzinha e luz acesa ao serão.
Porém, depois
do verão, as janelas mantiveram-se fechadas e as luzes não se acendiam. As
vizinhas, curiosas, sabiam da sua presença na Repartição e das vindas a casa,
mas de fugida.
- Onde passará ele as noites? (...)
Para os tios e primos, sempre amorosamente próximos,
alegrias vermelhas. Pensou, a seguir, nos colegas da Repartição. Para a
Fernanda, que tudo via cor-de-rosa, uma
planta da mesma cor; para a Linda, que apreciava a limpa arrumação dos papéis,
a flor branca; para a Sílvia, de bâton laranja em dias de sol, flores do mesmo
tom; para o Bruno, acastanhadas para poder oferecer a uma das muitas namoradas
para quem tinha sempre claras mentiras.
Para as vizinhas, a quem achava muita graça por tentarem, sorrateiramente,
entrar na sua privacidade, alegrias-do-lar amarelas. Sorria quando as três
diziam "nós", numa espécie de curiosíssima trindade.
Entretanto, um vaso vermelho-fogo estava separado na
estufa e era ainda mais carinhosamente tratado. Oferecê-lo-ia se o desejado
convite chegasse.
(...)
Excertos do meu conto, publicado na coletânea
Lugares e Palavras de Natal, 2017, da Editora Lugar da Palavra
Lugares e Palavras de Natal, 2017, da Editora Lugar da Palavra
Lugares e Palavras de Natal - ontem no Porto
Ontem ao fim da tarde, muitos autores das histórias da coletânea Lugares e Palavras de Natal estiveram reunidos no Café Progresso, no Porto, bom sítio, de novo escolhido pela Editora Lugar da Palavra, para a apresentação do livro que já vai na sexta edição.
Cá fora, estava frio, mas lá dentro, sobretudo à volta da grande mesa que ocupávamos, sentia-se o calor de quem escreve por amor às palavras e à vida.
Foi dito que a autora mais nova tinha dez anos. A mais velha, não sei, mas talvez mais de setenta, mas isso pouco importa.
O importante é haver momentos inspiradores, bons lugares e boas palavras, neste caso, de Natal.
Uma das janelas do Café Progresso. Também elas natalícias. |
A coletânea reúne histórias e poemas de Natal de dezenas de autores. |
sábado, 9 de dezembro de 2017
Outro texto sem importância
Tive de levar o carro ao mecânico. Outra vez. É o que faz ter carro bastante velho. Para amenizar o incómodo e o dinheiro gasto, digo que está doente e hospitalizado com frequência.
Vem-me trazer a casa porque está a chover. Falamos do Natal. E que vai ser o pai Natal na festinha dos miúdos. E dos supermercados cheios. E das horas que lá se passam. Eu digo que prefiro fazer compras à hora do almoço. E da dependência do carro. Ele confirma. E não fosse a área dele. E das compras de Natal. E não fosse a área de quase toda a gente.
Digo-lhe que preciso do carro hoje. Diz que vai ver o que pode fazer. Com ar de dia seguinte a um feriado e véspera de domingo.
Está a chover. O que é bom. Muito bom. Pensando bem, fico sem carro e não dá lá muito jeito, mas a chuva é precisa. Venha ela.
Despedimo-nos. Obrigada. Não se esqueça de que preciso do carro hoje. Pois, já me disse, diz ele, ensaiando um sorriso de Pai Natal.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
Um texto sem importância
Feriado. Podia preguiçar mais um bocadinho. Foi o que fiz. Soube bem. O tempo está frio. Cinzento. Chuvoso. Gostava era de ouvir a chuva a cair. É bom estar em casa e ouvir o barulho da chuva. Cada vez mais, mas tem-se ouvido cada vez menos.
Quero fazer a árvore de Natal. Há uns anos que a fazia com ramos secos de árvore. Faz-me impressão ver árvores cortadas ou arrancadas para esse efeito. Embora algumas sejam arrancadas com critério e por necessidade da organização da floresta. Vi há pouco uma notícia vinda dos Açores que achei de relevo: venda de árvores etiquetadas pelos serviços florestais para garantir que não eram cortadas indiscriminadamente.
Optei este ano por comprar uma árvore artificial. Vem a Clarinha e julgo que a magia será maior do que os ramos secos, ainda que com enfeites bonitos.
Este ano, em Londres, ao ver as luzinhas acesas na árvore de Natal, vi o sorriso e os olhinhos dela a iluminarem-se.
O tempo continua cinzento mas a chuva mal se ouve.
Daqui a pouco, o peixe do forno vai exalar um cheirinho quente. Espero eu. E a abóbora assada com batata doce. Novos hábitos e sabores que vamos adquirindo.
Oxalá possa ouvir a chuva cair nem que seja à noite.
E que as luzinhas que vou pôr na árvore de Natal acendam também o sorriso da Clarinha. E não só.
E que as coisas, aparentemente sem importância, continuem a ter importância.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
A mesma ideia
Estes saquinhos com bombons, frutos secos, um pequeno objeto natalício como um presépio, etc poderão ser um pequeno e carinhoso presente de Natal.
terça-feira, 5 de dezembro de 2017
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
A visita
O dia estava mesmo frio. Uma boa altura para ir ao Camden Arts Center, perto do centro de Londres. Um pequeno museu. Sossegado. Pessoas
simpáticas na receção. Átrio com exposição de livros e postais bonitos.
Não turísticos. Um café luminoso com vista para o jardim. Sandwiches e
saladas. E sopa do dia. A galeria é no andar de cima.
Visitantes
da galeria apenas um: a visitante. Não fazia mal. Não precisava de se pôr
em bicos de pés para ver as obras. Estava tudo ao alcance do seu olhar.
Havia
duas exposições: uma ocupava uma sala e era de Christian Nyampeta (Words after World), um jovem artista nascido em 1981; e
outra de Nathalie Du Pasquier (Other rooms), menos jovem, nascida em 1957, que ocupa duas salas e
dá capa ao catálogo.
A visitante percorreu as três salas com
vagar e alguma atenção. Fixou-se mais na exposição maior: pelas cores
exuberantes, pelo desenho, pelo geometria. Pelos volumes.
Leu referências sobre os
autores dos trabalhos. Desceu até ao átrio. Havia escadas. Usava menos o
elevador. Num écran, os autores falavam dos seus trabalhos e do local
onde estavam expostos.
A visitante parou a ver e a ouvir.
Nathalie Du Pasquier, com um sorriso de alegre encantamento,
falava do seu trabalho.
Havia legendas. Muito bem. Assim a visitante compreendia
melhor. A designer e pintora foi dizendo que era feliz todos os dias
ao realizar o seu trabalho. E estas palavras tão simples e ditas com verdade da expressão cativaram a visitante. Tanto como a obra exposta.
A visitante comprou alguns postais não turísticos e saiu.
A visitante tinha ganhado o dia.
terça-feira, 28 de novembro de 2017
Quando um livro acaba e a vontade de o reler começa!
Acabei de ler o Manual para Mulheres de Limpeza de Lucia Berlin. Li toda a coletânea de contos sempre com a mesma vontade. São mais de quinhentas páginas que nos fazem segurar o livro durante todo o tempo possível porque tudo é contado com muita vivacidade e de uma maneira verosímil - a autora diz que não é preciso que a história seja verdadeira, tem é de ser verosímil, venha ela donde vier.
O final das histórias é sempre inesperado e sugestivo, o que dá logo vontade de ler o conto seguinte.
Problemas como a droga, a doença, o alcoolismo, o fracasso familiar, a miséria são apresentados de uma forma realista mas não deprimente. Estão lá e as pessoas que os corporizam riem, choram, falam, pedem ajuda, calam-se, gritam...
Mas o amor, os encontros felizes, a reconciliação, os afetos estão presentes e pressentem-se os abraços e as conversas e os silêncios...
A infância e a juventude são igualmente recorrentes, como são as relações sobretudo mães-filhos.
O fascínio pela natureza também lá está, tanto pela observação do momento (as montanhas, as flores, as árvores, as aves, o céu estrelado) como imagens da memória.
Também gostei do facto de haver várias histórias em que a leitura e a escrita são referidas, como o conto que aborda um curso de escrita criativa numa prisão.
Ao longo das narrativas, tantas vezes tecidas com bom humor, existem personagens de quem é dito que "gostam das pessoas".
Que bom haver boas sugestões!
Presto sempre atenção às sugestões literárias e musicais de Nicolau Santos, no seu Expresso Curto. Ontem, Seal foi um dos cantores sugeridos, embora não por estas músicas.
E, habitualmente, acho boas as suas partilhas.
É bom ver e ouvir um homem que tanto sabe de Economia falar destas coisas de cultura, reconhecendo-lhes muita importância para a vida de cada um.
Referiu também o livro 4321 de Paul Auster.
O título é sugestivo porque, a meu ver, muita coisa haverá para descobrir.
Quando puder, vou tentar lê-lo.
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