Há nomes na nossa vida que passam a ter um sentido próprio para quem os usa. Adotamo-los sem os questionar. É o caso da Portinha.
A Portinha era um terreno que as minhas tias tinham fora, mas perto da casa de lavoura onde sempre moraram enquanto viveram.
Logo que se entrava na Portinha, havia uma ramada e um enorme castanheiro. Por esta altura do ano, havia a vindima. A nós, os mais pequenos, cabia apanhar do chão os pequenos cachos (dizíamos gaipas) de uvas que iam ficando para trás e estavam ao nosso alcance ou caíam ao chão para serem aproveitados.
Queríamos era apanhar os cachos a sério, subindo ao escadote e usando tesoura de poda, mas era o tempo em que o querer de criança era como a parra da uva: pouco interessava para o efeito.
Ora, a limitar este espaço havia um muro que terminava com uma entrada para a horta, onde havia diferente hortaliças - nesta altura também havia nabos com rama alta e muito verde -, flores para o cemitério, onde estavam os antepassados -, e um grande espaço de erva onde a roupa era posta a corar. Se havia sol e estava calor, era regada devagar com um regador, para que ficasse mais limpa e branquinha. E havia muitas vezes umas toalhinhas pequenas de felpo que eram regadas para que as manchas saíssem. Só mais tarde lhes conheci a função e desvendou-se o mistério.
Lembro-me muitas vezes da Portinha que deixei de ver desde que as minhas tias faleceram e deixei de ir à velha casa.
Feliz ou infelizmente, não sou muito saudosa, mas estou grata (palavra muito usada atualmente e oxalá não se gaste) por ter tido essas experiências até à minha adolescência.
Nem sei se a Portinha ainda existe, porque foi construído um viaduto nas imediações, espaços desportivos e uma estrada onde se pode caminhar.
São boas as portinhas que a vida nos vai abrindo, nem que sejam como pequenos cachos de uvas que vamos agarrando para que não desapareçam no chão.