segunda-feira, 18 de março de 2019

A Clarinha e o pai


Vou falar de uma menina,
Mas antes quero dizer  
Que se chama Clarinha
E, sem dois aninhos ter,
Na sua terna candura
Parece gostar de ler;
Tal como o pai e a mãe
Apreciam a leitura!

Desculpem que me enganei,
E a verdade aqui  vai:
A Clarinha gosta de livros,
Mas quem os lê é o pai.

E desde muito bebé,
Um pequeno bebezinho,
Gosta de ouvir histórias
No bom paternal colinho.

O  pai é muito expressivo,
Imitando os animais,
E a Clarinha ri, ri, ri,
Pedindo-lhe sempre mais.

Mas um dia aconteceu
Uma coisa de espantar:
Do desenho saiu um trator
Para um campo lavrar.

A Clarinha assustou-se
E começou a chorar.
Para que ela se acalmasse,
O pai pôs-se a cantar
E a fazer atchim, atchim,
Tal como na bela história,
Que veio da Califórnia,
E que fala de um espirro
Que tudo atira ao chão,
Mas não pensem que é por mal
Porque  o autor dos espirros
Está é muito constipado;
Não lhe falta educação.

(...)


E, para além dos livros,
O papá está presente,
Pensando na Clarinha,
Mesmo quando está ausente.

De manhã, leva-a à escolinha
E também buscá-la vai,
Vindo ela a palrar
Quando do infantário sai.
E o pai parece sonhar
Quando a linda Clarinha,
Com a sua voz meiguinha,
Lhe diz a palavra pai.

E ao jantar a comidinha
Nem sempre é prioridade
Porque é mesmo de brincar
Que a pequena Clarinha
Sente  mais necessidade.
E o pai lá conta histórias,
Com a ajuda da mãe,
Para convencê-la também
A comer o peixinho,
A carne ou o arrozinho,
A fruta ou o pãozinho,
Podendo depois brincar
Com o panda ou o cãozinho,
Ou então com a boneca
A que só falta falar.

(...)


E de noite a Clarinha,
- Talvez esteja a sonhar -
Se acorda de repente,
Logo começa a chorar.
Então, o pai levanta-se,
Outras vezes é a mãe,
Dizendo à Clarinha:
- O dia está a dormir,
Vamos dormir também!

E o pai da Clarinha,
Quando olha os olhos dela,
No futuro pensando vai
E, ouvindo a palavra pai,
Sente que a vida é tão bela!


A história completa foi publicado na coletânea
Contos do meu pai, da Editorial Novembro, 2017

domingo, 17 de março de 2019

Li devagar e gostei!















Postal enviado pelo Clube das histórias

Subo um passeio branco alastrado de sombra,
luz e folhas caídas.
Pela mão vai minha filha,
juntos subimos rente ao fim da tarde.
Apertando-me os dedos, olhos nos olhos,
minha filha faz-me as perguntas de todas as crianças.
Seus olhos espelham os meus
e na boquita fresca vagueia o sorriso que outrora perdi.
Absorto, caminho rumo ao fim do tempo, ela, rumo ao princípio.
O meu poente roxo é a sua alvorada estridente.
Termino um pouco onde ela começa,
mas minhas mãos continuam nas suas.
Penso agora na morte sem angústia e na vida com outro empenho.
Minha filha vai comigo, seus olhos, seus gestos, seu sorriso,
lembrança de mim.
Vou partindo. Ela apenas chega.
A tarde cai e não é triste morrendo.

 
Rui Knopfli


(Nasceu em Moçambique em 1932, faleceu em Lisboa em 1997)

sábado, 16 de março de 2019

Tom Zé canta "Salva Humanidade"

O Pai

 

O Pai

Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.

Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.

Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.

Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.

Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.

Escutarei de noite as tuas palavras:
... menino, meu menino...

E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"

Chile
12 Jul 1904 // 23 Set 1973
Poeta [Nobel 1971] 

sexta-feira, 8 de março de 2019

CALÇADA DA CARRICHE

Há tantas Luísas na terra!

 

Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão, in 'Teatro do Mundo'

quinta-feira, 7 de março de 2019

Dia 7 de março 2019

Lourdes Castro, 1976

quarta-feira, 6 de março de 2019

Acrisart-E.agora.José?

"E agora, José?"

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade, 1942

segunda-feira, 4 de março de 2019

É possível processar quase um país inteiro?


Editorial
PÚBLICO

3 de Março de 2019 

'Carta ao sr. Neto de Moura

O senhor, vindo lá das cavernas de onde fala, está a infringir a Constituição, mas nem dá por isso – assim como os seus colegas que lhe aplicaram a advertência. Os senhores metem-me medo. E não há sociedade mais doente do que aquela que fica com medo da Justiça.


Senhor Neto de Moura. Não nos conhecemos, felizmente. Digo felizmente, porque, embora o jornalismo me obrigue, de quando em vez, a contactar com as catacumbas da sociedade, prefiro, como dizia o famoso Bartleby do Herman Melville, não o fazer.
A verdade é que gostaria de o processar. Não tenho muita paciência para tribunais e os juízes metem-me algum horror, porque já vi em acção alguns exemplares como o senhor. Também não tenho muito tempo livre e a Justiça é lenta. Depois, é verdade que não tenho muito dinheiro e, já se sabe, a Justiça é cara.

Eu tenho um problema de saúde: perante o asco, tenho vómitos. Às vezes também tonturas. As últimas decisões que tomou provocaram-me problemas de saúde. Talvez isso seja um motivo para o processar. Fico literalmente doente ao ver a sua, vá lá, doença com as mulheres. O prejuízo para a minha saúde dos seus acórdãos pode ser um motivo para um processo.
O meu problema com situações asquerosas é uma razão porque evitei, até este momento, escrever sobre o acórdão em que o senhor invocou a Bíblia e considerou exemplares – no sentido de lhe servirem de exemplo — as sociedades que apedrejam as mulheres adúlteras para “acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras)” e por isso a dita sociedade “vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.
O senhor, vindo lá das cavernas de onde fala, está a infringir a Constituição, mas nem dá por isso – assim como os seus colegas que lhe aplicaram a advertência. Os senhores metem-me medo. E não há sociedade mais doente do que aquela que fica com medo da Justiça.

Eu sinto-me humilhada, vexada pelo senhor e a sua repugnante ideia de “sociedade”, mulheres e adultério. Acho que o senhor não me respeita e ofende todas as mulheres deste país.
O adultério não é crime, a não ser na sua cabeça, que me abstenho de qualificar ainda mais. A questão é que o senhor é juiz e põe em causa a segurança das pessoas, desde que sejam mulheres. Isso ofende-me.
A ideia de lhe dar um soco na cara até me pode passar, assim de repente, pela cabeça, mas não o farei. No meu quadro moral e seguindo os preceitos da lei e Constituição, acho que a violência física não é de todo desculpável – nem contra um juiz que a desculpa'.

domingo, 3 de março de 2019

Conversa ao pé da porta

- Nem me lembro de um Carnaval assim.
- Sim, costumava chover mais.
- As tulipas até se desfolham com a secura.
- Também tenho de regar as minhas plantas.
- Temos estado demasiado distraídos a ver a banda a passar.


Maria Bethânia - Samba da Benção

sábado, 2 de março de 2019

Conversa ao pé da porta

- Tenho andado a organizar armários e gavetas.
- Também gosto. Mas há alguma razão especial?
- Não quero dar trabalho um dia mais tarde.
- Ainda é cedo para pensar assim.
- Enquanto dura o Carnaval, sabe bem algum despojamento.


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Em tempo(s) de máscaras!

  
  Postal enviado pelo Clube das Histórias
 clubecontadores@gmail.com

Depus a máscara e vi-me ao espelho. 


Depus a máscara e vi-me ao espelho. 
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sou a máscara.
E volto à personalidade como a um terminus de linha.

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa, 1934

 


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Miramar "I'm leaving"



Ouvi hoje e gostei. Da música e das imagens.
Oxalá gostem também.

Uma notícia do Expresso, há dois dias

Portugal é 22º país mais saudável do mundo (mas está um bocadinho pior)



REDA&CO/ Getty Images

O líder da lista dos mais saudáveis está bem perto de nós. Os dez primeiros lugares são sobretudo ocupados por países europeus

Portugal é o 22º país mais saudável do mundo numa lista de 169 nações liderada por Espanha. O “Bloomberg Healthiest Country Index”, divulgado este fim de semana, lista os países e tem em consideração factores como a esperança média de vida, risco com o consumo de tabaco e a obesidade, acesso a água potável, entre outros.
Olhando para a tabela disponibilizada pela Bloomberg, apesar de a posição de Portugal no 'ranking' estar consolidada entre os melhores, perde um lugar relativamente ao ano passado, o que significa uma de duas coisas: ou estamos menos saudáveis ou os outros estão fazer mais do que que nós para melhorar. Portugal tem uma pontuação de 87,95 em 100.
Este ano, Espanha roubou o lugar a Itália, que teve de se contentar com o segundo lugar. O pódio encerra com a Islândia. Seguem-se o Japão, Suíça, Suécia, Austrália, Singapura, Noruega e termina com Israel. A maioria dos melhores ficam na Europa. Já os EUA estão em 35º.
A zona do mundo com piores resultados é a região da África Subsariana, em que 27 nações ocupam os últimos 30 lugares da tabela. Os restantes três lugares são ocupados pelo Haiti, Afeganistão e Iémen.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Quando tocam o útil e o agradável


Recordo o post de 8 de setembro 2018: "Uma proposta genial - Uma vitória, uma moeda", a partir do blogue Bem-Vindos ao Paraíso, de Isaura Afonseca.

A ideia consiste em contribuir para a APPDA Norte (Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo), com uma moeda por cada vitória do nosso clube preferido. No final do campeonato, pode entregar-se o donativo diretamente na Associação.

Quem não gostar de futebol, mas gostar de ajudar, pode encontrar outras formas de participação.

Aqui fica um modo de conhecer melhor a Instituição:
https://www.appda-norte.org.pt/index.php/contactos


Oxalá que hoje e no próximo sábado possa colocar duas moedas de um euro. Pelo FCP, é claro!!!!


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Conversa ao pé da porta

- Não acredita como ando com fome.
- Fome?
- Sim, de ler, de escrever, de ir ao cinema, de ver o mar...
- Ah, estava a ver se era de alimento!
- E acha que isso não é também alimento?

Lady Gaga e Bradley Cooper cantam juntos Shallow no Oscar 2019

Shallow - A Star is Born (Lady Gaga & Bradley Cooper)

'Roma' - um filme sem máscaras e... com três óscares.

 Quando vi este filme, pus este post. Partilho-o de novo porque o filme recebeu, esta noite e em Los Angeles, os óscares de realização, fotografia e filme estrangeiro. Para mim, apenas pessoa que gosta de cinema, bem merecidos.

Começo pelo fim. Não pelo fim do filme, mas pelo final na sala do cinema Trindade, no Porto, onde o filme também está em exibição. Toda a gente continuou sentada, durante os minutos em que passou o genérico, embora os carateres fossem esbranquiçados e de difícil leitura.


De facto, o filme, a preto e branco, entra no coração e na razão das pessoas.

Uma família mexicana de quatro filhos, uma mãe/sogra, duas empregadas e um cão. Vivem numa zona privilegiada, de nome Roma.
A protagonista (para mim) é uma das empregadas, Cleo, uma rapariga pobre mexicana, interpretada na perfeição por Yalitza Aparicio. Ela vive silêncios, sofrimentos, perdas tremendas, levantando-se sempre quando toca o despertador.


Apaixona-se por um rapaz que a abandona. Também os donos da casa se separam.
Num contexto de forte agitação social dos anos 70 no México, surgem fenómenos naturais adversos, desilusões, lutas, sentimentos fortes...
Tudo sem rodeios, sem fingimentos, sem cinismos, sem mentiras. Há cenas em que a vida é tratada a cru.

Gostei muito do modo como agem as crianças, os quatro filhos do casal. Correm para as ondas do mar, zangam-se com os irmãos por tudo e por nada, sentem a natural tristeza pela falta de amor do pai, etc.

E são todas diferentes. E todas gostam de Cleo, que sempre ajuda e acarinha.

Parece que o realizador e argumentista, Alfonso Guarón, quis homenagear as mulheres que contribuíram para o seu crescimento e educação, para além da mãe e da avó que, no filme, estão sempre presentes.

Uma das crianças tem uma forte imaginação. Não sei se, através daquele menino, ele desenhou alguns dos seus próprios traços. 
O que sei é que este filme prende ao longo de mais de duas horas. 
Perdurando nos olhos e no pensamento.




Conversa ao pé da porta

- Também fui à praia este domingo.
- Parecia verão.
- Verão em fevereiro.
- O Trump até diria que gosta deste aquecimento global.
- É tão ignorante que nem sabe o que isso é.
- Pode ser que alguém lhe explique devagarinho e tim-tim por tim-tim para ele perceber.
- A ele e a muita gente. Antes que seja tarde de mais!

Conversa ao pé da porta

- Como é que ele se está a dar por cá?
- Anda felicíssimo.
- Custa a crer depois de dezenas de anos fora.
- Muita gente da idade dele já não mudaria de país.
- Será que consegue arranjar trabalho aqui?
- Ele está confiante e também que ninguém o assalte.
- Oxalá possa continuar a confiar.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Ler (com) Sophia

Ontem, na Biblioteca Municipal de Gondomar, realizou-se a prova oral, relativa à fase concelhia, do Concurso Nacional de Leitura.
Os alunos, do 1º ciclo ao Secundário, haviam lido uma obra de Sophia de Mello Breyner para a sua prova de leitura, de interpretação e representação.
As obras foram assim distribuídas:
1º ciclo - A noite de Natal;
2º ciclo - O Rapaz de Bronze;
3º ciclo - O Bojador;
Secundário - Contos Exemplares (contos 'A viagem' e 'Retrato de Mónica'.
Foi uma tarde feliz e luminosa com crianças e jovens a ler, a interpretar, a representar com prazer. E, nos bastidores de todo aquele belo desempenho, estavam professores, pais, profissionais que acreditam, elogiam, motivam, sabem descobrir, prestam serviço público...
Sophia teria gostado de assistir a todo este trabalho e acrescentaria, por certo, outro poema ao mar da sua Prosa ou Poesia.

Gente feliz com... deficiência



Ontem à tarde, participou, na Biblioteca Municipal de Gondomar, a Associação Social de Silveirinhos, S. Pedro da Cova.
O grupo de dança da Instituição estava representado por dois elementos que dançaram e comoveram o público, constituído por alunos e professores de escolas do concelho, assim como encarregados de educação e elementos ligados à autarquia.
Como se celebrava Sophia no Concurso Nacional de Leitura, a nível concelhio, a dupla dançou uma música ligada ao mar e, no palco, havia um bonito barco, também realizado na Instituição.
A jovem dançarina era a ensaiadora do grupo e a todos encantou pelo belo movimento. Dulce - a senhora da cadeira de rodas - a todos comoveu pela alegria revelada ao interagir com todos através da arte.
A mentora da obra é a dra Matilde Monteiro que, com alegre dedicação, celebra o valor precioso da dignidade humana. E que, com certeza, com boa colaboração, torna muitas pessoas felizes, apesar da deficiência.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Conversa ao pé da porta

- Está tudo bem?
- Muito bem, felizmente. Nem imagina onde fui.
- Foi ver o mar?
- Não, pelo contrário; fui a Trás-Os-Montes, à terra da pintora Graça Morais.
- Não conheço, mas imagino que seja inspiradora.
- Tudo: os rostos, as árvores, as pedras...
- Também gostei da minha tarde de domingo.
- Foi onde?
- Não saí. Fui ao jardim e ao quintal e estive a olhar as camélias com mais atenção.


Paulo de Carvalho - E depois Do Adeus

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Conversa ao pé da porta

- No rádio e na televisão, não se ouve outra coisa.
- Sim, hoje só se fala de amor.
- Mas, amanhã, já ninguém se lembra.
- Lembra-se quem contar o que fez hoje.


Clã | Problema de Expressão

Clã - O Sopro do Coração

Um adeus português

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora agora o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
E avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde mores ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal.

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

Alexandre O’Neill

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivete Sangalo - O Meu Amor

Um Céu e Nada Mais

Um céu e nada mais — que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul — como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
neram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais — que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.

Ana Luísa Amaral, in “Às Vezes o Paraíso”

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Escrever Amor


Fala-me de Amor - Santos & Pecadores

Da verdade do amor


Da verdade do amor se meditam
relatos de viagens confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito

pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados

não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
o seu brilho cresce
sem rumor

José Tolentino Mendonça, in "Baldios"

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Conversa ao pé da porta

- Li uma entrevista com uma escritora que se fechava em casa para escrever.
- Devem ter acreditado nela desde pequena.
- Ou ela foi muito corajosa e conseguiu o que achava melhor.
- Pois. Mas quando isso acontece, acontece também amor.



leonard cohen dance me to the end of love

insinceridade


quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento às vezes é brusco

nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés

a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio

sem perdão e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada

por isso afinal não quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem é sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Dead Combo - Esse Olhar Que Era Só Teu

blues da morte de amor

já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim.

Vasco Graça Moura


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Conversa ao pé da porta

- Viu ontem uma entrevista com uma enfermeira que apoia a greve?
- Sim, ela acha que os enfermeiros são mais importantes do que os médicos.
- Faz-me lembrar uma pergunta de antigamente.
- Sim? Qual?
- Gostas mais do teu pai ou da tua mãe???



terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Sérgio Godinho - Até Já, Até Já

Conversa ao pé da porta

- O meu amor por ela nunca morre.
- Que bonito. Pode sorrir à vida.
- Queria era que ela sorrisse para mim.
- Mas a vida até lhe sorri.
- Ela é que não.

Também concordo


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O Amor...