domingo, 4 de fevereiro de 2018

Responsabilidade? Eis uma questão.

Um dia destes, ou melhor, uma noite destas, ouvi a atriz Ana Bola dizer, num programa de televisão,  que na idade em que está, 65 anos, apetecia-lhe não ter responsabilidades. E acrescentou que tem mãe e um filho que adora, que sabe precisarem dela e a quem quer ajudar, mas que também ela existe, tal como existiu muito trabalho já realizado.
Ora, dizendo isto, era como se reproduzisse o sentir de muitas pessoas dessa idade, sobretudo mulheres.
Tenho uma amiga que refere muitas vezes que faz parte da geração sanduíche, porque está aberta aos pais, aos filhos e aos netos.
E nem sempre é fácil ter a sábia paciência nem aplicar o necessário ajuste a tão diferentes situações. Quando surge a questão: e eu?, logo aparecem garras de culpabilidade. Estarei a ser egoísta? Dizer 'eu' não poderá ser entendido como desejo de afastamento daqueles que têm toda a importância para mim?
São dilemas que se juntam a outros de uma pessoa que se sente viva.
Sim, também acho que às vezes apetecia não ter responsabilidades, mas talvez fosse como representar uma peça num palco cheio de buracos.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Os talentos dos outros

Hoje de manhã, enquanto tomava o pequeno almoço, vi uma pequena entrevista com os D.A.M.A., na SIC radical. Num registo muito jovem e descontraído, falaram da "Bolsa de Talentos", aberta a todos, independentemente da idade e do género, para apoiarem pessoas que se querem afirmar na arte. 
Reconhecendo que o grupo singrou graças a apoios que não faltaram, os três sabem que grande parte das pessoas não é bafejada pela mesma sorte, apesar de haver muitos e grandes talentos desconhecidos do grande público. E, com grande entusiasmo, os três rapazes diziam poder fazer aquilo de que gostavam, e querer ajudar a que outros também o façam.
O café com leite e a torrada, habitualmente, sabem-me bem logo pela manhã, mas, perante o programa a que assistia, ainda me souberam melhor.
Os D.A.M.A. de alegre e humana alma. Ah, utilizavam, no meio de bué, fixe... a palavra Verdade. E também ela me pareceu verdadeira.


D.A.M.A - Oquelávai (Lyric Video)

domingo, 28 de janeiro de 2018

Uma a uma, chegaram sete

Vieram de sete sítios diferentes. Cada uma com uma história para contar. Cada uma delas contá-la-ia à sua maneira. Nuns casos, demoraria mais tempo; noutros, seria mais rápida.
A umas apeteceria contar tudo o que as tinha trazido ali; a outras, as poucas forças tinham tirado a vontade de falar do que vinham sentindo.
Ah, as idades também eram diferentes. A cor e o comprimento dos cabelos logo o dizia. E a lisura ou as rugas dos rostos também o mostravam. E a rapidez do olhar também contava.
Quando uma chegava, as outras recebiam-na com um sorriso no rosto que estava a descoberto.  Para dizerem que ajudariam no que pudessem. E umas estavam mais disponíveis do que outras. E umas estavam mais aptas a ajudar. Uma delas até fazia movimentos com as pernas que não queria sentir enferrujadas. Outras não poderiam prestar qualquer auxílio e seria até arriscado fazê-lo.
Havia horas certas para tudo e também muito calor, apesar de estarmos em finais de janeiro.
Em vários momentos da tarde, chegavam umas poucas pessoas e abeiravam-se de umas, ficando outras sem companhia. Olhavam e sorriam para quem elas sorria.
Ah, e havia uma janela larga que deixava entrar o sol naquela enfermaria do hospital.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Cores e dimensões naturais

Em todos os sentidos
Da cor das pedras
Círculo (s)
Magnólia à espera de sol
Leques de cores

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A noite dos três relógios!

Amadeo Souza-Cardoso

A velha casa tem três relógios. Todos adiantados mas a dar horas em minutos diferentes. Um soa as badaladas quando faltam uns quinze minutos para a hora certa; outro, uns vinte e tal minutos e outro ainda, exatamente, meia hora mais cinco minutos.
Este último é o que conta para as horas das refeições que são sempre a horas certas, ou melhor, certas pelo relógio adiantado meia hora mais cinco minutos. Os cinco minutos são para qualquer distração, para alguém que bate à porta, para atender o telefone, para responder à chamada da vizinha, para fechar uma janela se o vento sopra ou a chuva não para de cair... Os trinta minutos são um dos hábitos intocáveis da casa.
Se é estranho durante o dia ouvir badaladas de três relógios, muito mais estranhas são as noites  dormidas na casa. Isto é, mal dormidas.
E, como se os sons da noite estivessem incompletos, há o estalar de uma velha parede, o ruído da água a querer passar num cano ferrugento, o ronronar do gato, os ais doridos e não contidos...
Estranha é a noite. Para mais, quando não se sabe as horas ao certo.
Talvez fixar os toques dos diferentes relógios ajude a adormecer. 
Ou tenha ficado alguma janela aberta para poder olhar a paisagem noturna. E como se ouvem muitas badaladas dispersas na noite, ninguém acorda.
Ou continue sem adormecer. Como as badaladas dos três relógios.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Eugénio de Andrade faria hoje 95 anos

Cedro solitário (1907), de Tivadar Kosztka

 

O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

"O tempo, esse grande escultor"!


Flores em dia de sol


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Fernando Pessoa sobre a mesa

Ela entrou no consultório. Há muito que lá não ia. Os seus dados pessoais nem sequer estavam introduzidos no computador.
Enquanto o médico fazia o registo, ela olhou a sala e fixou-se num livro de poemas de Fernando Pessoa sobre a mesa.  E, passados minutos, anda a ler Fernando Pessoa? Gosta? Eu gosto muito.
Não, no seu tempo não se dava Fernando Pessoa. Eram Os Maias, e do resto do programa já mal se lembrava.
Fernando Pessoa, oh, tinha-o descoberto há semanas. Tudo começou ao abrir  aquele livro que tinha em casa há muitos anos. Foi um acaso. 
- O que faz?
- Fui professora de Francês e Português.
- Então, compreende. Veja este poema. Eu sinto isto. Eu já escrevi isto, sem nunca ter lido isto. Como é possível? Leio estes poemas e parece que estão a falar de mim. É a minha vida que está aqui. Sou eu que aqui estou.
- É bom quando assim é.
- Não, causa dor e sofrimento.
- Pessoa também fala da dor de pensar.
- Isto tira-me o sono, porque queria escrever. Tenho tantas ideias na cabeça. Mas não tenho tempo nem técnica, apesar de o gosto pela escrita não ser apenas de agora.
- Há muitos médicos escritores.
- Eu não sou escritor, mas precisava de escrever mais. Foi ao ler isto que descobri que preciso de  escrever a sério. Mas não tenho tempo.
- Alguns escritores isolam-se para escreverem.
- Não sabia, mas eu não posso. Há tantas coisas que senti e agora me vêm ao pensamento.
- Talvez o sentir e o pensar também de Pessoa. Ou o seu fingimento poético.
- Não sei nada disso. No meu tempo de escola, não se falava disso. E sei pouco de Literatura. Veja só este poema. Desculpe o tempo que lhe estou a tomar. Já lhe dei a receita? Sim, em duas semanas, volta ao normal.
- Veja só mais este.  Ah, se eu pudesse escrever tudo o que eu queria. E sabe que tenho medo de ler estes poemas? Parece que roubei as ideias e nem sequer tinha ouvido falar disto.
- Desculpe, sr doutor, ter aberto a porta. Como era a última consulta, pensei que já tivesse ido embora.
- Precisava mesmo de escrever à minha vontade. E sabe que já idealizei o lugar?

domingo, 14 de janeiro de 2018

O sábio

Era uma vez um sábio, mas só ele era sábio, porque os que estavam à sua volta nada sabiam, como pensava o sábio, e de quem se ria e voltava a rir.
Quando os outros - que para o sábio não eram sábios - falavam, o sábio afinava a garganta, interrompia e muitas vezes punha a mão no braço dos não sábios para que esperassem, ou melhor, para que o ouvissem porque só o sábio sabia o que dizer sobre os mais variados assuntos.
E assim viveu o sábio durante alguns anos e os não sábios também. Quando estes viam o sábio, sabiamente faziam de conta que o não viam, porque o sábio demoraria muito tempo a dizer o que os não sábios já sabiam e também tinham mais que fazer.
O sábio partiu então para terras mais sábias onde haveria outras sabedorias que não encontrava nem perto nem longe; nem na cidade nem na aldeia, e muito menos numa vila que era um misto neutro de um espaço e de outro.
Os anos passaram, passaram e o sábio teve oportunidade de conhecer um sábio, apenas um, e esse era mesmo sábio e não pensava que só ele era sábio e não punha a mão no braço do interlocutor para lhe mostrar que era sábio e que, por isso, o melhor era não falar porque não era sábio e não era bem assim como dizia. E nunca se ria com ironia para mostrar tudo o que sabia e que os outros ignoravam.
E o primeiro sábio passou a admirar muito o sábio que conhecera. E, desta vez, ouvia e ouvia e, quando podia e o sábio não estava presente, tentava imitá-lo, mas não conseguia.
Porém, não foi o sábio que chegou a esta conclusão. Foram os que para ele não eram sábios.
Os anos passavam e passavam. O sábio continuou a achar-se sábio, sobretudo com aqueles que ele considerava não sábios e a quem queria sempre mostrar, prolongadamente, a sua sabedoria.
E os não sábios cansaram-se de tanta lição sobre assuntos e em momentos que não vinham nada a calhar.
Como a idade não perdoa, o sábio começou a cansar-se mais e a precisar dos não sábios que, perante tão demorada e previsível preleção, sem tempo de antena para contraditório, continuavam a viver a sua vida.
Era a solução mais sábia que encontravam. 
E o sábio foi procurando palcos avulsos para exibir a sua sabedoria. Um dia, ouviu alguém dizer a  palavra solidão. Sentou-se num banco frio de jardim e começou a chorar.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Nem todas as estrelas são iguais!


quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Aproximação


Era uma vez um cogumelo...


... que apareceu debaixo de um pinheiro e outras árvores.
Todos os anos, no tempo das chuvas, aparecia, com outros companheiros de diferentes dimensões, e, sem se aperceberem, davam mais cor à terra, onde iam morrendo restinhos secos do outono.
Um dia, ouviu-se o clic de um telemóvel e ouviu-se também uma recomendação:
- Atenção, são belos mas podem ser perigosos.
Veio uma chuvada e o silêncio colorido também.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

The Moody Blues - Nights In White Satin

Ao ouvir falar da morte de Ray Thomas, um dos músicos de Moody Blues,
lembrei-me desta música - não apenas de época, mas de muitas épocas.
E é belo o cenário - Paris - para qualquer partida ou chegada.

Ano Novo Flor Nova!

Há anos que, dentro de casa, não via um vaso de orquídeas 
a produzir novas flores. Vi-o agora e gostei do que vi.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

A janela e a máquina da roupa

Aurélia de Sousa - 1916
Aceitou que lhe penteassem o cabelo. Dirigiu-se à casa de banho. Arrastando os pés, puxou a cadeira de maneira a ver a paisagem pela janela pequena. Procurou o pente dentro da máquina da roupa.
Não, o pente não estava ali - ouviu, mas continuou a procurar. 
Logo de seguida, inclinou-se para a janela, embaciada pelo pó e pela humidade. Olhou e voltou a olhar. Tentou alisá-la com a mão. 
A acompanhante observou também a paisagem. O tempo e as enxurradas tinham tapado as pedras que as crianças antigamente subiam e desciam a correr sem tempo nem idade para pensar na corrosão do tempo. E ambas olharam os campos. Tudo estava agora  mais vazio e mais gasto.
Ambas olhavam, mas a uma bastava descortinar pelos bocadinhos do vidro ainda transparente; à outra, tudo o que era visto através dos pequenos vidros parecia confuso.
Sentou-se. A acompanhante já tinha pegado no pente de cima de uma mesa pequenina, onde estavam outros pentes com alguns cabelos crespos e grisalhos presos aos dentes, ainda não partidos.
Poucas vezes tinha cortado o cabelo na vida. E diziam que tinha um cabelo bonito. Foi rareando e enfraquecendo.
A acompanhante fez-lhe uma trança, agora fininha, enrolou-a e prendeu-a com pequenos ganchos. E disse: agora está mais bonita.
Ela sorriu e foi até à cozinha. Apoiou-se na banca da cozinha e voltou a olhar para fora que, neste caso, era para o quinteiro interior da velha casa, e disse: é preciso regar os vasos. Não quero que sequem. As minhas irmãs também não gostavam.
E pareceu-lhe ouvir que não era preciso regar nada porque tinha chovido bastante. Fingiu acreditar mas, logo que pudesse, iria regar as begónias.
Talvez o melhor sítio para se manterem verdinhas, como as irmãs gostavam, fosse a máquina de lavar a roupa. 
E não deixaria que fechassem a janela para entrar sempre o sol.

sábado, 6 de janeiro de 2018

Esta ideia não é nova

Andei a arrumar a minha roupa do guarda-fatos, a separar a de verão e a de inverno, se bem que agora não há muitas diferenças no que se veste, bastando um casaco que se põe ou que se tira, conforme o frio ou o calor.
Pois bem, cheguei à conclusão que tenho roupa suficiente para bastante tempo e que, por isso, não vou perder tempo nem dinheiro em coisas de que não preciso.
Não sei se conseguirei, apesar de não ter paciência para os saldos que atulham muitas lojas. A horas mortas ainda aguento, com muita gente e a roupa em desalinho, fico cheia de calor e o que me apetece é sair daquele espaço o mais depressa possível e apanhar ar fresco.
As compras pela net são uma boa solução para evitar sufocos e o calor apertado dos provadores. mas se a peça não serve, é preciso ir trocar e lá se vai o tempo que parecia ganho.
Não, não preciso de comprar nada. Posso até dar algumas coisas que poderão ser mais úteis a outras pessoas do que a mim. Gosto e preciso cada vez mais deste despojamento e arrumação.
Mas não sou generosa ao ponto de dar peças de roupa de que gosto e que conservo há muitos anos.
Ai, é verdade, preciso de um casaco. E o pior é que na mesma secção não há apenas casacos!
Vou-me "focar", como agora se diz, e escolher apenas o casaco.
Mas este propósito também não é novo!


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Que o Ano seja NOVO

 O comentário do último post
convocava as Manhãs
de Sophia, belas palavras
para um Ano NOVO.


Menina sentada - Maria Keil

Manhã futura 
 
Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner Andresen


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Fogo de artifício

Sentou-se no sofá. Sempre veria bocadinhos de espetáculos em muitas cidades e o fogo de artifício nos países que iam entrando no Ano Novo. 
E a vontade alegre de celebrar 2018.
E a alegria louca de alguns. E a alegria contida de outros tantos. 
E os palcos cheios de frenéticas luzes dançantes e coloridas.
E crianças a dizerem que estava a ser fixe, deixando adivinhar que estavam a pensar em jogos mais fixes.
E a segurança mais apertada porque o momento era de diversão, mas de um momento para o outro poderia rebentar a confusão.
E fãs dos Xutos que diziam, olhando o firmamento calmo da noite, que o Zé Pedro devia estar aos saltinhos e tinham vindo porque os Xutos são sempre os Xutos.
E as imagens todas juntas e os sons quase em simultâneo a mostrar o mundo. Não fossem as legendas e os países e as ilhas e as cidades pareciam uma praça grande a celebrar o Ano Novo. E com os mesmos sorrisos. E com os mesmos desejos. E com os mesmos votos. E com os mesmos gestos. E com os mesmos sonhos. E com a vontade crente de que o ano que aí vem vai ser melhor do que o que já ficou para trás no calendário.
Continuou no sofá.
Estava a apreciar o vigor esbelto de muitos apresentadores e apresentadoras. E das roupas que não se engelhavam nem saiam do sítio certo. E dos penteados que se mantinham intactos. E dos sorrisos que nunca esmoreciam. E dos movimentos sempre vibrantes.
E de tanta exterioridade.
Acabou por adormecer.
Acordou ao som do estrondoso fogo de artifício que parecia surgir de toda a parte.
Olhou o telemóvel. Marcava OO.OO.
2018 tinha chegado. Uau! É verdade, as passas. Estavam em cima da mesa numa caixinha. Oh!  Custava a abrir. Quase as engoliu e quase se esqueceu dos desejos. Queria atender também o telefone que tocava. E ligar também para desejar Bom Ano. Não podia falhar. Não queria falhar.
Conseguiu. 
O fogo de artifício de proximidade ia abrandando.
Voltou a adormecer, sem desligar a televisão com imagens que via de forma intermitente.
De manhã, quando acordou, leu uma mensagem não lida: 
"Tenho um feeling que este ano vai ser bom. Feliz Ano Novo."
Ao lado, uma bela imagem abria um incessante fogo de artifício.