terça-feira, 21 de outubro de 2014

Um mar de números



Um sem número de pedras (ai, filha, que areia tão grossa!) debaixo dos pés. Logo a seguir a imensidade de grãos miúdos de areia fina e mais dura, embora macia. Que bom caminhar sobre ela, vendo as ondas por perto e sentindo também tão perto a maresia.
Imensas pedras de todos os tamanhos, cores e feitios (lembro-me de há muitos anos, a minha mãe apanhar algumas para pôr no jardim. Não era politicamente ecológico, mas que era bonito era).
Pedras dispersas pela areia (um ano, de cada longo passeio que dava, trazia uma pedra que ia alinhando no muro do pátio. Depois, comecei a ouvir: mãe, as pedras são da praia, é lá que devem ficar!!).
E como era fim de tarde – deste outubro que tem sido quente – as gaivotas iam pousando, mais descansadas, na areia (e não só para descarnar, com os ávidos bicos, um peixe comprido que deu à praia). E eram muitas as aves e as marcas das patitas no areal seco ou molhado.
Depois, mesmo à nossa frente e rente ao estender das ondas, um bando de pequenos pássaros (mãe, consegues ver? São imensos. Olha, estão a levantar voo!). Sim, conseguia ver, mas não logo logo. Os pássaros eram muitos, mas muito pequenos e o entardecer já ia apagando as luzes naturais e acendendo as elétricas, um pouco mais ao longe.
Fomos caminhando. Os pássaros pareciam pressentir os nossos passos. De repente, em bando, partiram em debandada e em sentido contrário.
Rochedos também muitos – uns mais visíveis do que outros. Diferentes pela maré alta ou pela maré baixa (mãe, por que é que gostamos tanto de Mindelo? Filha, é a nossa praia há tantos anos).
Muitas recordações. Muitos desejos de vir cá mais vezes (mãe, todos os anos, dizes a mesma coisa e depois não cumpres!).
Hoje não vejo a D. Lurdes, sentada num banquinho ou num degrau, de máquina firme e pronta no tripé, a fotografar, em muitos fins de tarde, as cores do sol a esconder-se na linha do horizonte em serenas chamas de mil vermelhos; a captar os voos das gaivotas que quase sempre lhe fogem do zoom, mas que ela, persistente, vai perseguindo com amorosa atenção.
Vejo fechada a esplanada do Fernando que, no verão, se torna mais clara com os copos altos de loira cerveja…
Também o bar da praia está fechado. Felizmente o de Vila Chã estava aberto e a esplanada sentava as pessoas que, mesmo conversando, se viravam de frente para o mar.
E os passadiços de mil tábuas e de léguas de corda verde a ladeá-los e a proteger quem as percorre.
E as dunas – agora mais verdes por toda a chuva caída nos últimos tempos.
É outubro e o fim de tarde é de incontáveis maravilhas. A começar pela maravilha (filha, que bom estar aqui contigo!) de (as) poder contigo contar.

Fim de tarde de outubro junto ao mar




sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Uma estória com números dentro



O número de chegada
Nem sei como começar: Era uma vez… Um dia… Há muitos anos… Quando eu era pequena… No tempo em que os animais não falavam mas existiam há milhões de anos…
O melhor é não aplicar nenhuma destas fórmulas e ir diretamente àquilo que quero contar. Pode ser?
Então, lá vai.
Havia um rapaz, chamado João, que não gostava de ser número um, preferindo ser sempre o segundo. Também não gostava de ocupar outros lugares mais recuados. Que mania!
Nos jogos com os seis companheiros, quando ficava em primeiro lugar, começava a chorar, amuava, zangava-se e dizia que não jogava mais. O mesmo se passava se mais do que um lhe ficasse à frente.
Ora, no tempo em que se passou esta história, vocês, adolescentes, ainda não eram  nascidos. Nem sei se os vossos pais já tinham visto a luz do dia. Talvez os vossos avós  praticassem os mesmos passatempos de João.
Depois de chegar da escola primária, se não tivessem que ajudar a família, saíam para a rua e aí brincavam até à noite ou até a fome apertar.
Os meninos corriam o arco, desciam os caminhos em carros de guias que eles próprios construíam; jogavam futebol com bolas que faziam com meias velhas; para além de maroteiras, como atirar pedras, assustando as raparigas.
Um dia, resolveram fazer um jogo, mesmo junto à casa de João, aproveitando uma pequena encosta que o inverno tinha coberto de erva macia e verde. O jogo consistia em rebolar e o que chegasse mais depressa ao fundo seria o vencedor.
Prepararam a linha de partida, deitando-se em fila, na horizontal e, quando o mais velho deu o sinal, logo começaram a descer, tentando imprimir cada vez mais velocidade.
Enquanto os outros deslizavam, João parou a meio do percurso e ficou a olhar o céu  que estava sardinhento e que levava sempre a mãe a acrescentar: “Céu sardinhento, ou chuva ou vento”.
Quando a prova terminou, todos correram encosta acima para ver o que se passava com o João que, num instante, se levantou e desatou a correr como uma lebre.
- João, João, ó João...
Quanto mais eles chamavam, mais ele corria. Parecia que seres invisíveis o empurravam.
Ouvindo a gritaria, a mãe de João veio à porta saber o que se passava, se algum deles  tinha batido no filho ou se ele tinha agredido alguém.
Que não, senhora Lurdes, ele é que de repente ficou esquisito, parou a meio do jogo e desatou a correr sem ninguém saber porque sim ou porque não. Tinham de o apanhar para saber o que se passava. Até já, senhora Lurdes.
Isto foi explicado pelo Dimas que era um pouco mais crescido e de quem as mães gostavam e a quem pediam para tomar conta dos mais pequenos e não os deixar fazer asneiras.
Os seis continuavam a correr atrás do companheiro que não parava nem parecia abrandar a correria.
De repente, João foi contra uma pedra do íngreme caminho, inclinou-se todo para a frente, vacilou e caiu estatelado no chão.
- Ó João, que te deu? Pareces tolo, Por que é que estás a fugir?
João parecia não querer responder.
- Estás mudo, ou quê?
João continuava sem nada dizer. Até que perguntou:
- Quem ganhou o jogo há bocado?
- Fui eu, disse o Leonel.
- E em segundo quem ficou, perguntou também João.
- Foi o teu primo, o António.
- Diz lá o que foi, por que é que correste tanto, como se estivesses a fugir, perguntaram alguns dos companheiros quase ao mesmo tempo.
- Eu não queria ser o primeiro e, quando parei, já ia à frente.
- Deixa-te disso que ficas maluco. Vamos começar uma corrida todos ao mesmo tempo?
- Eu não quero, já disse, gritou, um pouco alterado.
Naquele momento, a mãe de João, vindo à janela, chamou, crispada:
- Ó João, anda cá para ires a um recado.
Nisto, João começou a correr e, como se houvesse uma grelha de partida, todos o acompanharam. Quando chegaram ao largo, estava a mãe à espera de João. Para fazer a vontade à mãe, nem reparou que chegava em primeiro lugar.
Meu filho, disse a mãe, até que em fim chegaste em primeiro lugar e sem chorar nem ficar chateado. E acrescentou: “como prémio, podes continuar a brincar. Eu vou, por ti, à venda comprar o pão”.
E todos recomeçaram novas brincadeiras.
Muito perto, um grupo de meninas jogava à macaca, outro saltava às cordas, outro brincava às casinhas com bonecas.
João passou por elas, a correr o arco, caindo este, em cheio, na segunda casa do jogo da macaca.
Alicinha, naquele momento, saltava para não calcar a casa onde estava a patela. Precisamente onde caiu o arco. João ficou a olhá-lo e também Alicinha, muito bonita e ousada, pelo que era conhecida por maria-rapaz. Ela não deixava nada por dizer e logo quase cantarolou, “És um João mimalho e chorão”!
João pegou no arco e, com a guia bem colocada, logo o pôs a rolar.
E uma ideia lhe entrou na cabeça: no próximo jogo, seria o primeiro e, se não fosse, seria o segundo, ou terceiro, ou quarto ou quinto, ou sexto, ou sétimo. Que mal tinha?
Ou até o oitavo, se entrasse Alicinha e visse que ela queria ganhar.



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Fotograf(r)ias



Hoje tive de revisitar álbuns antigos de fotografias. Há imagens para as quais nem consigo olhar longamente. Ou porque trazem culpabilidades maternais (mesmo que corra tudo bem, julgo que esse sentimento é recorrente), ou porque me atiram aos olhos a irreversibilidade do tempo, ou porque me mostram pessoas amadas que partiram para sempre…
Por outro lado, também me mostram imagens de uma formosura que o espelho do tempo, que se diz presente, nunca parece evidenciar. Afinal – apetece dizer – eu não estava nada mal nesse tempo.
E uma esperança fica: que daqui a uns anos, possa dizer o mesmo.
O melhor é tentar, com o calor da crença no futuro, ficar bem na(s) fotografia(s). Para que, ao vê-las, não pareçam fotografrias.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Para o "meu" 10º ano, turma 9

Olá, meninos!

A meados de setembro, quando o ano letivo teve início, conheci-vos. Nesse dia, começaram a entrar na sala de aula e pude contar quase três dezenas de rapazes e raparigas. Vocês vinham de diferentes escolas e adivinhavam-se muitos sonhos e desejo de felizes descobertas. Tinham todos a idade de Mariana – uma menina que “escreveu” um diário neste blogue, mas que agora não tem escrito. Vá lá saber-se porquê. Se calhar, vai ter vontade de voltar a falar do seu dia a dia na escola porque, apesar de parecerem iguais, todas as aulas e dias são diferentes. Não acham?
Fazendo a chamada – agora já sei os nomes de quase todos os alunos – vi que, embora com todas as naturais diferenças, havia nomes repetidos: Mariana, Carolina, Inês, António, Pedro…
E como vocês rondam os quinze anos, entusiasmaram-se com a crónica de Miguel Esteves Cardoso sobre essa idade tão “complicada”, como vocês disseram. E estão a aderir às várias propostas – não imaginam como isso é bom para os professores – como o contrato de leitura, a “história com números dentro”…
Um dia destes, ou seja, em breve, volto a escrever-vos mais uma mensagem.
Termino com um desejo: como estivemos a ver hoje a pontuação, gostaria que me justificassem as vírgulas que utilizei. Se explicarem os outros sinais de pontuação, tanto melhor!
Um beijinho e até à próxima aula!