terça-feira, 12 de novembro de 2024
A propósito de comunicação
Tem-se falado bastante das dificuldades de comunicação de duas ministras, atualmente no governo: Margarida Blasco e Ana Paula Martins. As notícias dizem que foi contratada uma empresa de comunicação para as ajudar. E não deve ficar nada barato! Digo eu, que faço contas, mas não entro nestas contas.
A primeira tem optado, em sessões públicas, por ler um texto previamente escrito para não dizer nada que a comprometa ou logo possa ser desmentido, e a segunda quase nem aparece nem se pronuncia sobre casos, alegadamente de incúria, do seu ministério, como é a mais de uma dezena de mortes, alegadamente também, por atrasos do INEM.
Pois bem, como as coisas da vida - as mais simples e as mais complexas - são como as cerejas, lembrei-me de uma aluna que tive há bastantes anos. Era estudiosa, atenta, assídua, responsável, mas entrava em grande stress se tinha de apresentar trabalhos para a turma. Tinha extrema dificuldade em colocar-se à frente dos colegas, olhá-los e expor as suas ideias. Ficava coradíssima, desviava o olhar, as palavras fugiam-lhe e quase causava dor ver a dor que sentia por falar em público, mesmo quando o público era bem conhecido e restrito.
Terminou o ensino secundário e deixei de a ver. Passados uns anos, encontrei-a já não sei onde, talvez num supermercado. Logo trocámos sorrisos e aproximações. Ela mantinha o seu ar de menina, de cabelos longos e claros.
Então, como estás? E a professora? Continua na escola? E o que fazes?
Então, veio a resposta que, anos antes, eu acharia improvável: tinha seguido a tropa e dava instrução a muitos militares.
E disse-o com firmeza, entusiasmo e sem corar. Eu, que não costumo corar, acho que corei e disse coisas do género: Que maravilha! E gostas? Então, fico muito contente.
E algum tempo depois despedimo-nos. Então, felicidades. Para si, também, professora.
E fiquei a pensar na transformação daquela ex-aluna, que parecia ter vencido a enorme timidez de adolescente. Não sei se teve ajudas, mas desconfio que não. Parecia frágil, mas foi encontrando força que muitos julgavam quase impossível. Continuará a ser quase anónima, nunca será ministra nem secretária de estado, mas até podia dar uma ajuda. Só que ninguém estaria interessado.
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
Não sei o que se celebra hoje, mas há sempre o dia para celebrar!
Hoje, acordei e levantei-me cedo. Quando tenho empregada, despacho-me mais cedo, para organizar as coisas que quero que ela faça. Por isso, já fui ao quintal apanhar couves e espinafres para sopa e empadão de bacalhau. A Mariana, que é brasileira, chama escondidinho ao empadão. Acho engraçado e sugestivo o termo e agora uso-o de vez em quando. Ela também já aprendeu muitas palavras do português de Portugal que ela desconhecia. São boas estas trocas num mundo globalizado, embora, infelizmente, alguns líderes mundiais o queiram limitar.
Ah! E que bom é o chá de limão e gengibre que ela faz. Que bom estar gostoso - diz ela, pronunciando as sílabas com gosto e vagar, muito ao jeito brasileiro.
E hoje, a passear em vai-vem no meu quintal, vi que os dióspiros-maçã estou quase no fim. Apanhei um, porque me sabe bem assim fresco e pouco maduro. E olhei as árvores que, em breve, têm de ser podadas. E a horta que, em muito pouco tempo foi invadida por trevos e mais trevos, amanhã vai ser preparada para receber outras hortaliças. Felizmente tenho quem o faça. Chama-se Alexandre, é simpático e generoso. E precisa de ganhar dinheiro.
Agora, ao meu lado, tenho crónicas do Expresso que quero ler. E um pouco mais do Diário Incontinuo, de Mário Cláudio, que comecei a ler há uns tempos.
Os meus dias vão sendo tranquilos e caseiros. Estou (confio que sim) a recuperar da doença que me surgiu no verão. Ao contrário de muitos amores de verão que depressa acabam, isto demora mais. Mas não faz mal se a vida continua e pode ser celebrada, ainda que as vivências sejam simples. Sem deixarem de ser quentinhas e boas. Como as saborosas castanhas deste outono.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Hoje celebra-se a preguiça!
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Imaginem quem vai governar!
Nesta noite de leitura dos resultados das eleições, as televisões estavam ao rubro, patente que estava o mapa das votações nos Estados Unidos. A maioria dos votos ia caindo no partido republicano, pintando o quadro a vermelho.
O azul democrata era tímido e quase marginal.
No início, o candidato republicano falou de fraude, mas logo deixou de o dizer quando viu que era ele o favorito nas urnas. O seu ego, mais alto do que a sua torre em Nova York, subia altíssimo, o que evitava qualquer invenção de queixa.
Conhecidos eram os insultos, mentiras, falcatruas, subornos, misoginia, fuga ao fisco, centralidade em si para resolver os seus problemas com a justiça, arrogância, ganância pelo poder, desrespeito… tanta coisa que causa estranheza ao ver tanta gente a votar em pessoa com estes comportamentos.
A candidata Kamala foi recorrentemente ridicularizada por ele. Muitos desses insultos caíam no saco roto da normalização.
Hoje ouvi uma ex-emigrante nos Estados Unidos, durante longos anos, a dizer uma coisa interessante: Muitos eleitores de Trump não leem, rejeitam o contraditório e apenas ouvem o que o seu partido lhes grita e que é apenas o que conhecem.
Oxalá o envelhecimento do candidato vencedor lhe traga maior compostura e menos postura de reality show, que tanto exibe.
Contentes estarão os trumpzinhos que o vão imitando logo que haja palco, como em Portugal também já existe.
Descontentes estarão muito jovens que votaram em Trump. Só que o descontentamento vai demorar algum tempo a chegar. A menos que a normalização de atitudes e linguagem rude e boçal não os traiam ainda mais.
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
domingo, 3 de novembro de 2024
O milho da eira
Em tardes de outono cheias de sol, como a de hoje, lembra-se da antiga eira da casa das tias, coberta de milho a secar. Ela era uma menina de longas e negras tranças que adorava ‘virar’ o milho, fazendo reguinhos com os pés, trazendo para cima a camada de milho que precisava de mais sol para secar.
Nunca mais esqueceu a sensação do milho quente debaixo dos pés descalços que iam deslizando naquele mar macio sob a luz doce e amarelada de outono.
Agora, da junção das pedras da eira crescem ervas daninhas e os campos de milho deram lugar a outras utilidades mais urbanas.
Mas, na sua memória, a menina, então de longas tranças e batinha costurada pela mãe para não sujar o vestido, continua ainda a voar sobre o milho da eira pintada de tons amarelos.
Esse quadro antigo daria um belo quadro, fosse quem fosse a criança feliz com os pés descalços a abrir pequenos sulcos sobre o milho.
Porém, nunca ninguém o pintou, nem sequer nele reparou, mas todos os anos o outono faz questão de o lembrar.
O Isolino
Era um homem discreto, afável, falava pouco e o sorriso era sereno. Sempre o vi junto ao fogão da cozinha de grandes dimensões. Ao centro, havia uma mesa também grande, onde a Comunidade Emaús, então sediada na rua do Almada, no Porto, tinha as refeições.
A Comunidade era, e continua a ser, constituída por pessoas sem abrigo - designados companheiros - por voluntários e um pequeno grupo de dirigentes.
Ora, o Isolino era voluntário e cozinheiro e administrador da cozinha que sempre mantinha limpa e organizada. A comida que fazia era boa e saborosa. Quando os tachos, ainda a fumegar, estavam prontos para ir à mesa, sorria sem alarde e depois ficava contente se via que a sua comida estava a saber bem.
Isolino fez este trabalho durante longos anos, dedicando o seu tempo livre à Instituição.
Soube há pouco do falecimento deste homem pacato, persistente, solidário, sábio confecionador de sabores e alimentos.
Apesar da sábia dedicação, Isolino nunca abriu nem abrirá telejornais, mas deixa a sua marca. Para muitos também um porto de abrigo.
sábado, 2 de novembro de 2024
Nova (a)normalidade?
sábado, 19 de outubro de 2024
Em busca do documento perdido
Embora esteja quase tudo informatizado, muitas vezes precisamos de documentos em papel. É o que me está a acontecer por estes dias. Preciso de um documento que não encontro.
Não sou muito organizada, mas o suficiente para, habitualmente, saber onde estão as coisas, porque costumo pô-las em sítio certo. (Nem sempre, é claro). Pois bem, não encontro o documento de que preciso. Tiro as pastas da gaveta, abro as pastas, folheio a papelada, vejo o tema das folhas, separo as que foram lá parar mas deviam estar noutras capas, encontro tudo e mais alguma coisa, mas o documento que procuro é que não.
E logo me lembro da minha mãe que andava muitas vezes à procura ou do porta-moedas, ou do bilhete de identidade, ou de uma folhinha da vida de um santo que venerava… e a minha mãe sofria com isso, dizendo que estava a ficar sem memória. Tentávamos consolá-la dizendo que acontece a toda a gente e uma neta chegou a dar-lhe algumas instruções para que tal não acontecesse. Se bem me lembro foi que devia sempre pôr as coisas no sítio certo e não as deixar noutros lugares.
Porém, o documento que procuro estará no sítio certo, apesar de não o encontrar. Ou será que não está? Já duvido.
Apetece-me pensar que haverá uma solução e que o documento, apesar de ser importante para mim, não é caso de vida ou de morte, mas não vou desistir de procurar o fugitivo no meio das papeladas. Lamentarei o tempo que vou perder, mas será ganho se o encontrar, embora duvide que haja o desejado encontro.
Mãe, como a compreendo. Desculpe de só agora o dizer desta maneira.
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
Vou mudar, sim, quero mudar!
Sempre que posso, acompanho as noticias do dia, isto é, dos dias, porque se repetem e prolongam até à exaustão. E muito se tem falado ultimamente de corrupção no BES que tanta gente lesou; de corrupção no Futebol em proveito de alguns dos dirigentes; de mentiras na política...
E só me refiro a dentro de portas.
Às vezes, oiço políticos e comentadores sobre esses assuntos e satisfaz-me haver, quase sempre, mas nem sempre, contraditório, o que é um bom sinal de democracia. No entanto, há líderes políticos que se refugiam no silêncio, recusando responder a perguntas, ou que preferem o retrógrado pensamento único ou que tiram sempre mentiras da cartola.
Seguindo as notícias que se repetem e pouco se alteram ao longo do dia, as horas escoam-se facilmente, as irritações vêm à flor da pele, e a tristeza aumenta por faltarem exemplos bons e estimulantes a seguir. Pode até vir a pergunta: o que aproveitei com este diálogo tantas vezes de surdos ou de palavras sobrepostas que perturbam o entendimento do discurso?
Quando hoje abri as janelas e vi o sol a espreitar por entre nuvens, pensei que tenho de mudar o modo como passo bastante tempo. Tenho livros importantes que quero ler, podcasts de que gosto muito de ouvir e com os quais posso aprender, plantas que esperam que as mime e ajude a crescer...
Interrogo-me como persistem comportamentos de figuras públicas que entristecem tanta gente. Nem chego a perceber se o fazem sabendo bem o que fazem sem se importarem nada com isso, ou se a ambição de poder é tanta que julgam navegar acima de tudo e de todos. Para não dizer que consideram talvez que os cidadãos anónimos são parvos.
Hoje comecei a impor-me mais disciplina neste âmbito: apaguei a televisão, li as primeiras páginas de um livro que uma amiga me emprestou, vou agora ao meu quintal apanhar ar e colher dióspiros... O resto virá, como veio esta vontade de prestar mais atenção ao que existe e não exige comando. E já não é sem tempo.
E que bom seria se valesse a pena! E que houvesse motivos para acreditarmos mais e para confirmarmos mais. Mas, por este andar, a procissão ainda está muito longe.
segunda-feira, 14 de outubro de 2024
‘Lugares e Palavras de Natal: convite’
Partilho aqui o regulamento para a escrita de um conto de Natal - enviado pela Editora Lugar da Palavra.
Boas escritas!
‘LUGARES E PALAVRAS DE NATAL – VOLUME XIII
domingo, 13 de outubro de 2024
Como será este domingo?
Bom dia, desde já, e bom domingo.
Mas como será o dia, podemos perguntar, embora as respostas se embrulhem sempre no mistério que se vai desvendando, enquanto as horas passam. Às vezes, com doçura, outras com agrura. Mas a vida é mesmo assim e, mesmo assim, pode ser - e ótimo seria que fosse para todos - incomparavelmente bela.
Mas há tantas questões que surgem como, por exemplo:
Haverá mais acusações de mentiras a soprar-nos aos ouvidos e a entristecer os nossos olhos?
Continuarão a impor-se as imagens das guerras em que as pessoas que sobrevivem desesperam indefesas? Em que os lugares de legitimo e necessário abrigo são amontoados de destroços?
Veremos mais tempestades a impor-se na fúria de tanto desmazelo ambiental?
E não ficariam por aqui as questões. Mesmo por ser domingo.
Sejamos felizes no que pudermos. Pode ser que outros também o sejam e, embora em círculo pequeno, é sempre bom quando o dia fica melhor.
Mais uma vez, bom domingo!
sábado, 12 de outubro de 2024
sexta-feira, 11 de outubro de 2024
É quase inverno, mas ainda falo de verão
Escrevi estes versos, no verão do ano passado, após um breve internamento de urgência num hospital de Londres.
Tinha lá ido visitar a família e festejar os meus anos.
Parabéns!
- Feliz aniversário,
Maria!
- Ah! Então, como
souberam?
- Vimos a data na ficha
E colegas nos disseram.
- Eu nunca nunca pensei
Vir hoje ao hospital;
Foi preciosa a vossa
ajuda
Neste meu súbito mal.
- Sob estas nuvens de Londres,
Nós queremos trabalhar,
Pra todos serem felizes,
Com saúde e bem-estar.
- Vim do meu país de sol,
Pequeno mas com beleza,
Pra visitar minha neta
Que, juntamente com meu
neto,
São minha grande riqueza.
- Noutros países nascemos,
Terras de eterno verão,
De cores várias e dimensão,
Mas grande pobreza lá
temos.
- Também portugueses
emigram
Para a vida melhorar;
Tantas vezes o esquecemos
Em vez de sempre o
lembrar.
- Muito difícil é viver
Com a pele de cor diferente;
Ter coragem de partir
Enobrece a forte gente.
- Obrigada pelo bolo
Com velinha e doçura;
Para vós, mil parabéns
Pelo saber e ternura!
O texto juntou-se a outros mais da coletânia Mimos de..., publicada pela Editora Lugar da Palavra. |
sábado, 5 de outubro de 2024
A Portinha
Há nomes na nossa vida que passam a ter um sentido próprio para quem os usa. Adotamo-los sem os questionar. É o caso da Portinha.
A Portinha era um terreno que as minhas tias tinham fora, mas perto da casa de lavoura onde sempre moraram enquanto viveram.
Logo que se entrava na Portinha, havia uma ramada e um enorme castanheiro. Por esta altura do ano, havia a vindima. A nós, os mais pequenos, cabia apanhar do chão os pequenos cachos (dizíamos gaipas) de uvas que iam ficando para trás e estavam ao nosso alcance ou caíam ao chão para serem aproveitados.
Queríamos era apanhar os cachos a sério, subindo ao escadote e usando tesoura de poda, mas era o tempo em que o querer de criança era como a parra da uva: pouco interessava para o efeito.
Ora, a limitar este espaço havia um muro que terminava com uma entrada para a horta, onde havia diferente hortaliças - nesta altura também havia nabos com rama alta e muito verde -, flores para o cemitério, onde estavam os antepassados -, e um grande espaço de erva onde a roupa era posta a corar. Se havia sol e estava calor, era regada devagar com um regador, para que ficasse mais limpa e branquinha. E havia muitas vezes umas toalhinhas pequenas de felpo que eram regadas para que as manchas saíssem. Só mais tarde lhes conheci a função e desvendou-se o mistério.
Lembro-me muitas vezes da Portinha que deixei de ver desde que as minhas tias faleceram e deixei de ir à velha casa.
Feliz ou infelizmente, não sou muito saudosa, mas estou grata (palavra muito usada atualmente e oxalá não se gaste) por ter tido essas experiências até à minha adolescência.
Nem sei se a Portinha ainda existe, porque foi construído um viaduto nas imediações, espaços desportivos e uma estrada onde se pode caminhar.
São boas as portinhas que a vida nos vai abrindo, nem que sejam como pequenos cachos de uvas que vamos agarrando para que não desapareçam no chão.
sexta-feira, 4 de outubro de 2024
Andamos todos zangados?
Ontem à tarde, na Assembleia da República - conhecida pela Casa da Democracia - discutia-se o Orçamento de Estado e todos estavam zangados, chateados, mal humorados, afinados, furiosos, exaltados…
Nas intervenções dos governantes e deputados, era quem mais queria evidenciar o seu trabalho e maldizer, criticar, desprezar, anular as pretensões e palavras dos outros.
Uma guerrilha teimosa e feia, uma crispação nada exemplar. Cada um atirava palavras duras, culpabilizadoras, jogando ao ataque e à defesa ao mesmo tempo. Enquanto isso, os sobrolhos carregados faziam prever que quando não há entendimento, não há orçamento. Tudo irrevogável.
E tudo se encaminhava para um virar de costas nas negociações - um namoro conflituoso que terminava com ofensas na praça pública que assistia à prolongada e grande gritaria. Não, o casamento não era possível e no ar, e na AR, pressentia-se o fechar do pano de uma longa novela, enquanto se apregoava: ‘Está tudo terminado entre nós.’
Eis senão quando, passadas umas duas horas, o casamento entre o casal desavindo voltava a ser possível, o incêndio das palavras abrandava e o diálogo aproximava-se da porta para entrar.
Que bom - disseram uns, o país não aguenta com tantas eleições em tão pouco tempo.
É preciso esperar - diziam outros mais prudentes - porque os noivos ainda não contaram a história toda e podem afastar-se outra vez.
Enquanto isto, e também por causa disto, o país vai-se mantendo tristonho, zangado e crispado. Ah, e de sobrolho carregado.
Se eu fosse nova, emigrava. Só vinha cá de vez em quando. Para não desaprender de ser feliz.
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
O ministro zen?
Porquê?
Ele fala pausadamente, dividindo bem as sílabas das palavras, acompanhando o discurso que profere de gestos com as mãos, juntando o polegar ao indicador, mostrando que nada está a escapar à sua equipa de governo e que o caminho tem sido perfeito, como nunca foi. Está implícito, é claro, que os outros é que estragam tudo.
Ele aparece perante as câmaras para apaziguar, explicar, justificar, ‘amar a todos como a nós mesmos’, como numa aula imaginária e bondosa para crianças sentadinhas que se limitam a ouvir e a sorrir. Tudo muito zen, límpido e transparente. Ah, e ‘com sentido de estado’, que é expressão muito usada por quem está no poder e que assume múltiplos sentidos, consoante o momento.
Mas gabo a paciência do jovem ministro e a visível lealdade ao seu líder e a uma causa que, nas suas palavras lentas e quase soletradas, parece não ter mácula. Mas tem, como tudo na vida, corra ela mais depressa ou devagar.
De facto, (tentar) representar bem também estará no rol de quem é político. E se essa capacidade ajudar a pacificar e desenvolver o país, tanto melhor. Ainda que, confesso, às vezes o excesso até dê vontade de rir ou, pelo contrário, não tenha piada nenhuma, se o que se diz é bem diferente do que se faz.
Seja como for, mais vale ser zen do que incendiário como, infelizmente, também os há, dentro e fora do governo. Estes correm depressa para as câmaras de televisão para que, sempre a velocidade cruzeiro, nenhum descontentamento lhes escape e com ele só eles possam ganhar.
É caso para dizer:
Nem tanto ao mar nem tanto à terra, ou seja, nem tão devagar nem tão acelerado. E, sobretudo, que bom seria que os políticos fossem, de facto, mais francos, na prática e não só na teoria, porque são muito importantes na vida de um país.
Mas, às vezes, dá vontade de desligar do que dizem e fazem para ter(mos) momentos verdadeiramente mais zen, no recato (outra palavra atualmente muito usada) da nossa vida do dia a dia.
terça-feira, 1 de outubro de 2024
Com franqueza!
Há governantes que repetem sistematicamente chavões como ‘sejamos francos’. Ora, é fácil concluir que se precisam de repetir tanto que estão a usar a franqueza, é porque mentem mais do que deviam ou tomam para si apenas o lado da verdade que no momento mais interessa. Muitos políticos parecem estar demasiado habituados a estes filtros da verdade, consoante o momento e o interesse, manipulando e pretendendo puxar muitas pessoas para o seu lado, ou melhor, cativando votos que, em qualquer altura, podem ser necessários.
Bem fora da cena política, que os media mostram e tantas vezes exploram também consoante a sua linha editorial, conheço alguém que, em meia dúzia de frases, usa sempre a expressão ‘sou sincera’. Pelo que se conhece, a realidade é por ela alterada com frequência e sempre a seu favor. Observar esse comportamento chega a ter graça, mas quem está a ser visado não achará piada nenhuma.
Antigamente faziam-se juras para garantir que a verdade estava bem viva e presente. Não sei se estão a cair em desuso, porque não as oiço tanto. Quando eu era miúda, até em pleno jogo da macaca, lá saíam juras e logo se ouvia em resposta: quem muito jura muito mente.
Também se diz que ‘a mentira tem perna curta’, mas, com perna curta ou perna longa, ela nasce e corre em demasiadas direções. E há mentiras que são ditas e postas a circular de tal modo que se confundem com verdades que influenciam e tornam tudo mais opaco, ainda que se proclame a transparência.
Não é por se apregoar a franqueza que ela existe, pelo contrário, leva até à descrença e à desconfiança, porque mais importante do que dizê-la é praticá-la, por pessoas anónimas como eu, ou por figuras públicas que marcam rumos do país.
Porém, muita da prática atual encaixa-se num pequeno provérbio: ‘Bem prega frei Tomás, olha para o que diz e não para o que faz’.