Mundo, ao longo de tantos meses, tive tantas saudades tuas. Quero voltar a ti e abraçar-te como quando reencontramos alguém que amamos e de quem tivemos de nos afastar por circunstâncias cruéis e exteriores a nós. Sempre pensei que nada nem ninguém nos podia separar. E muito menos uns seres invisíveis ao comum dos mortais e que os cientistas dizem ser redondos e cheios de olhos invasores. Também de crueldade variável e que se abeiram das nossas bocas não para nos beijarem, mas para cansarem a nossa respiração e suspenderem a nossa vida.
Mundo, vejo-te como um enorme ser vivo muito amado, mas do qual todos tivemos de nos esconder durante demasiado tempo, para fugirmos a contágios prováveis e muitas vezes letais. Porém, mesmo em confinamento, continuei a amar-te e a rever-te em algumas das tuas cidades, sem recorrer a fotografias ou desembrulhar souvenirs. Bastava a memória para, magicamente, de olhos abertos ou fechados, logo percorrer, por exemplo, a rua das Flores com cheiro a livros antigos, a vinho do Porto das mercearias, a chocolate quente da pequena mas cosmopolita esplanada; com a graça dos graffiti e frases à moda do Porto... Também me vi a passear devagar junto ao Sena, a subir à Torre Eiffel em tarde fria e de vento, a vaguear num nostálgico boulevard literário com cafés abertos a encontros e desencontros; a entrar num quente pub londrino de vozearia alegre e vinho tinto ou cerveja a jorrar para copos altos, vendo pela janela autocarros vermelhos e táxis de todas as publicidades...
Mundo, deixa-me convocar, mas sobretudo revisitar estas e outras cidades, que são marcos felizes que não quero apagar do mapa amoroso da minha vida. Como as amo e como as sentia tristes e sós durante a pandemia, sem ninguém para lhes olhar ou mimar as formas redondas ou lisas de bela e humana arquitetura, o movimento agitado das ruas, a pressa ou lentidão dos carros, os sem-abrigo de olhar parado porque ninguém para para os olhar, os velhos nas passadeiras com medo da rapidez dos mais novos, os turistas que pousam as mochilas enquanto fotografam e delas se esquecem quando validam o momento no facebook, as vendedeiras que apregoam peixe miúdo ou meias para homem, senhora e criança, e que têm de ter sete olhos porque pode aparecer a polícia, as mulheres de saltos altos seduzidas pelas roupas que vão experimentar mil vezes, os homens de camisas abertas aos olhares que desejam, as mulheres tristes e cansadas que seguram sacos pesados nas mãos grossas e vermelhas, os homens e mulheres de negócios com andar de sucesso seguro, os adolescentes a comer sandes e batatas fritas que saem dos sacos gordurosos de papel pardo, os apaixonados que se beijam e se abraçam no prazer imediato que é quase o único que conhecem, os artistas que criam nas mesas solitárias dos cafés, os mercados de todas as vozes e de todos os cheiros e de todas as cores...
Mundo, preciso de te reencontrar nestes e noutros espaços que amo. Em pessoas que amo. Em obras de arte que preciso de olhar para conhecer, amar e compreender melhor a vida que tanto amo. Mundo, escuta com atenção o meu pedido: não voltes a deixar-nos cair em pandémica solidão.