Há uns anos, em dias de mais cansaço, pensava na reforma e, em conversas de intervalo para café, comunicava-o às vezes a colegas. Eram minutos em que, embora um bocadinho a correr, se falava das nossas vidas como gostos e desejos, estados da saúde (sem muitos pormenores, senão lá ia o intervalo todo), idas aqui ou ali, coisas de etc.
Num dia em que falei do assunto, uma colega, de quem sou amiga, disse-me: 'enquanto puderes, não te reformes. Dizem logo que temos todo o tempo do mundo e pedem-nos tudo e mais alguma coisa'.
Apesar de já ter passado bastante tempo, lembro-me bem da conversa e, em muitos casos, sei que é assim, mas não devia ser, na minha opinião. Quem se reforma, depois de longos anos de trabalho, tem toda a legitimidade de ter tempo para se dedicar a coisas que lhe dão prazer, como passear, ler, ir ao cinema, jardinar, aprender outras coisas, dedicar-se a outras causas, etc. sem nunca ouvir: 'podes porque não tens nada para fazer'.
Isto faz-me lembrar uma peripécia contada por uma das minhas tias, que sempre viveram numa casa de lavoura: um dia, um homem que lá trabalhava estava na hora do descanso, a seguir ao almoço, já depois de ter trabalhado longas horas. Um outro homem, que descarregava um carro de bois, voltou-se para ele e disse-lhe: enquanto descansas, anda-me ajudar!
Ora, não ponho em dúvida a ajuda a família, o que, para mim, é inquestionável. E às vezes a gestão não é fácil porque muitos de nós, que já não estão no ativo, temos filhos, netos e pais. Daí chamarem-nos a geração sanduíche.
Se às vezes é difícil gerir tudo, também é um privilégio sentir que ajudamos e aliviamos um bocadinho aqueles que amamos. Gosto muito de o fazer, mas também gosto muito de ter algum tempo por minha conta. E tenho-o, felizmente. Oxalá todos e todas pudessem dizer a mesma coisa. Com alegria e sem culpabilidade.