domingo, 1 de maio de 2016

Por ser Dia da Mãe

Pablo Picasso - mother and child


Hoje, felizmente, já dei os parabéns à minha mãe e recebi os parabéns das minhas filhas. São momentos bons e de meigas aproximações, apesar de, também felizmente, não ocorrerem apenas na comemoração dos Dias.
As celebrações são, porém, como a necessária água que se põe nas plantas e que, ao colocá-la, se olham melhor as folhas e as cores.
Nos nossos dias, o contacto nem sempre é em presença, porque a mobilidade é um facto e o trabalho tem de ser realizado, apesar das festividades do calendário.
 O recurso ao skype é magnífico e, de facto, ajuda a encurtar as distâncias geográficas. Por isso, e logo pela manhã, fui presenteada pela mensagem de uma das minhas filhas, via skype. Vieram os parabéns, os soninhos e as comidinhas e os dentinhos e os alegres sorrisos da bebé, as notícias familiares, o tempo que faz cá e lá...
... e não dei os parabéns à minha filha. E tão carinhosa ela é com a bebé! Claro que também a olhei nos olhos daquele rosto tão bonito ainda de menina, mas, se calhar, a maior parte do tempo do nosso diálogo foi dedicado à minha neta!
Quantas vezes existem destes esquecimentos, embora o amor seja imenso!
E lembrei-me de todas as jovens que emigram e que são mães nos países de acolhimento. Longe das famílias, de amigos, de mimos da casa materna....
São como plantas que saem de um vaso aconchegado e que conseguem continuar a florir, apesar de a terra ser diferente.
Hoje estão de parabéns, porque, para além da sua profissão, essas mães seguram carinhosamente as crianças ao colo, preocupam-se com elas, brincam com elas, riem com elas. Tudo fazem todos os dias. E hoje também nada fica por fazer, apesar de ser Dia da Mãe!
Como planta que cresce naturalmente, sem cobrar qualquer lembrança!!

Poema à Mãe

Van Gogh

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

sábado, 30 de abril de 2016

Que sorte haver músicas e letras amigas assim!


Obrigada, IAzinha, por teres partilhado este vídeo no teu assíduo Postal de fim de semana.
Já tinha ouvido esta música na rádio e logo me cativou porque, para além da voz e da música, plantam-se palavras como casa, horta, flores, livros, discos...

E deixo uma sugestão: vejam o blogue Bem-Vindo ao Paraíso https://isauraafonseca.wordpress.com/ Para além deste belo lugar campestre, outros luminosos espaços encontrarão.
 E, felizmente, também haverá Sol!

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Um texto a partir de uma imagem





Renoir


 Este texto resultou de um workshop de Escrita Criativa
que a Oficina de Língua da ESG, Clube de que faço parte,
dinamizou ontem para professores do Agrupamento AEG1 de Gondomar.
Nós, as dinamizadoras, também apresentámos uma proposta de texto para diferentes imagens.
Este foi o meu olhar sobre a situação sugerida num quadro de Renoir.
E gostei particularmente destas três horas, ao fim da tarde, em que as palavras 
iam sorrindo quando ditas ou escritas em folhas A4,
cuja brancura deu lugar ao início de uma narrativa, 
a uma página de diário, a um texto de reflexão...
Uma professora disse no final da sessão:
"Oh, gostava de ficar mais tempo a escrever para continuar o meu conto!.
Felizmente há fins de tarde que se escrevem assim!
 
Um barquinho de papel
É fácil recordar-me. Existem objetos e momentos que nos plantam na memória situações vividas.
A manhã estava calma, clara e azul. O mundo parecia limpo e organizado. As pessoas passeavam devagar numa repousada manhã de domingo. Horrores ruidosos do terrorismo, gananciosos crimes de corrupção, gigantescos desastres ambientais, inúmeros migrantes em desespero, multidões de desempregados, caladas e doridas solidões... pareciam injustiças já ultrapassadas.
Na esplanada do pequeno museu, eu escutava vozes de crianças acompanhadas e felizes; via as árvores do parque que espargiam incontáveis perfumes, abria o folheto da exposição de pintura impressionista e saboreava todas as cores e sensações a que tinha acesso.
Tudo decorria como numa bela pintura. As altas árvores eram pessoas serenas que protegiam a harmonia do lugar. Os ramos, como cabelos esvoaçantes na brisa tranquila, semeavam na relva múltiplos verdes. Os montes à volta abraçavam o lugar,  emoldurando-o.
 Ao fundo, havia baloiços onde as crianças se divertiam e se alegravam pelos sorrisos dos pais.
Bem mais perto, estendia-se um lago onde um pequeno barco à vela deslizava com tempo e com espaço. Num plano ainda mais próximo, duas jovens remavam descontraidamente, mas eu mal lhes via os rostos; apenas os laços dos chapéus e os claros vestidos, cuja imagem dançava na limpidez da água.
Não, não era sonho, nem ilusão de ótica. Tudo era verdadeiro, apresentando-se nitidamente perante todos os meus sentidos.
Tão real como a explosão medonha que, ao fim da manhã e de repente, se fez ouvir a pouca distância.
Enquanto todos os visitantes do museu fugiam, ainda pude ver os barcos virados no lago que não perdera, estrondosamente, a cor azul.  
Infelizmente, hoje, passado algum tempo, o lago está poluído e nele não flutua sequer um barquinho de papel.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Trova do Vento que Passa


Acabei de ouvir a notícia e fiquei contente

Manuel Alegre recebe Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores

Manuel Alegre recebe de Associação Portuguesa de Escritores o Prémio Vida Literária 2015/1016. A cerimónia decorre no salão nobre da sede da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa.

Um poema que M. A. escreveu

Trova do Vento que Passa

Para António Portugal

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi meu poema na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(Portugal à flor das águas)
vi minha trova florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre, in 'Praça da Canção"