terça-feira, 18 de novembro de 2014

Penhora?! Como disse?



Hoje, o meu fim de tarde foi avassalador.
Como já contei há tempos, pelo mês de abril, recebi uma carta das Finanças, apresentando-me uma dívida de uns quatro mil euros, pelo facto de não ter descontado – diziam eles – para a Caixa Geral de Aposentações, enquanto tive recibos verdes.
Nesse momento, fiquei boquiaberta porque sempre havia descontado para a CGA. Aliás, nem conheço nenhum professor do ensino público que não o faça, uma vez que nos é resgatado do ordenado.
Pedi ajuda (não se confunda com cunha) para organizar as papeladas e comprovativos como, de facto, tinha as contas em dia.
Como o tempo passava e não recebia qualquer resposta, fui várias vezes à Segurança Social, mas a resposta era sempre que teria de aguardar, porque eram coisas demoradas.
Hoje, ao fim da tarde, recebo um contacto do banco, dizendo-me que haviam tido ordem para me penhorarem o ordenado. Apesar de já ter sido avisada que tal poderia acontecer pela calada e de repente, não podia crer no que ouvia.
Estava entre colegas e, claro, vieram à baila os casos conhecidos de pessoas conhecidas que roubam descaradamente; que o país está a saque; que, se não fosse a idade e a família, o desejo seria emigrar…
Seguiu-se um frenesim de telefonemas: para quem me tinha ajudado a organizar o processo e para o banco.
Bem, o melhor era ir à Segurança Social, no Porto, e expor o caso de novo!
- Pode ser amanhã?
- Sim, claro. Vou telefonar e marcar.
- Obrigada. Vemo-nos, então, amanhã.
Passados uns minutos, através de novo contacto, fico a saber que, afinal, ontem havia sido emitida ordem de cancelamento da penhora porque, de facto, como eu tinha declarado e provado, nada devia.
Uf! Que alívio!
E agora pergunto: em vez do ministrinho do Ambiente andar a propagandear a redução dos sacos plásticos do supermercado, não seria melhor contribuir para que não houvesse estes  desperdícios?!
O papel utilizado foi bastante, a gasolina gasta também. Para não falar do stress que provocam cartas maçudas e secas a apontar o dedo como garras para sacar dinheiro que já havia sido descontado. E se o meu caso for multiplicado por muitos mais, que prejuízo ambiental!
Soube que seria penhorada e que, afinal, já estava tudo resolvido em menos de uma hora! Um dos comentários que ouvi foi:
- O melhor é saber destas coisas, porque sabe-se lá o que nos pode acontecer!!
- Poça!

domingo, 16 de novembro de 2014

Não se importam de explicar???



sábado, 15 de novembro de 2014

Cores de proximidade







Mas que a obra não morra!





 

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Manoel de Barros


                                            
No descomeço era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer
nascimentos –
O verbo tem de pegar delírio.

Manoel de Barros

 

 
Manoel de Barros nasceu  a 19/12/1916  e morreu a 14/11/2014, com quase 98 anos.
Comunicado pela livraria Poetria

sábado, 8 de novembro de 2014

Exercício de escrita



Este pequeno texto resultou de duas instruções - 
Redigir um texto, em 10/15m, com, obrigatoriamente,
duas frases:
- Pensar com os pés dentro de água;
- Apanhar fruta da árvore e saboreá-la no momento.

No verão, fui ao quintal ver se ainda havia laranjas. Tinham ficado duas no cocuruto da laranjeira. Não lhes chegava. Desdenhei-as, então, como a raposa fez às uvas que apenas estavam ao alcance do seu olhar.
Queria apanhar fruta da árvore e saboreá-la no momento e as únicas possibilidades estavam mais perto do céu do que das minhas mãos. Desisti do intento,
Entrei em casa e pus-me a pensar com os pés dentro de água. Não, pensar não é “estar doente dos olhos”, mas queria sentir os frutos em vez de apenas os olhar pela janela.
De madrugada, chegariam os pássaros. Nessa altura, a bacia de água morna onde amaciei os pés ganharia a dimensão do mar. Ou não.
Porque também os sonhos se servem frios.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A menina que contava estrelas



A menina – ela tinha dois nomes e um deles era Maria – morava numa casa muito alta. O lugar era sossegado. Os carros que lá passavam eram quase todos dos moradores das casas vizinhas.
Das janelas via muitas árvores e também o rio Douro. Os pais, ou quem os visitava,  olhavam a paisagem tranquila. Esticavam o pescoço para verem melhor. Maria sentava-se e punha-se a brincar. Gostava sobretudo de representar diferentes papéis.
De uma psicóloga que queria ajudar uma criança aflita; uma médica que dizia que era preciso comer sopa; uma amiga da mãe que fazia compotas deliciosas; uma professora que gostava de adivinhas; uma avó que fazia malhas para oferecer aos netos; uma colega que era muito refilona…
Não se importava de estar sozinha e improvisava tanto que perdia a conta ao tempo em que o fazia. Desde que começava a brincar nem sabia se tinham passado muitos ou poucos minutos. Ou até horas. Só se lembrava do tempo quando tinha fome e tinha de ir lanchar.
Pois bem, o sítio dos brinquedos deixava ver o céu e, se era possível vê-lo de dia, também era visível à noite. A menos que a mãe dissesse: vou fechar a janela, porque vem trovoada e faz-me impressão.
Ou então: não quero a janela aberta, porque, com a luz acesa, as pessoas veem-nos cá dentro.
Maria ficava a pensar que mal fazia ver alguns relâmpagos e que as pessoas os vissem dentro de casa. Estavam a fazer alguma asneira? Havia coisas que não entendia.
E a menina também gostava muito do quarto dela. Era pequeno, mas tinha bonecos e brinquedos coloridos. E uma janela muito alta. Começava acima da parte mais alta da mobília. A janela tinha uma cortina grossa. A mãe, quando ia ao quarto dizer boa-noite, aconchegar a roupa e contar uma história, corria a cortina e dizia: Dorme bem, querida.
E Maria dormia, mas…
Quando ficava sozinha, antes de dormir, saltava para uma cadeira, depois para a cómoda e abria a cortina. Assim, podia ver o céu mais aberto. A lua tanto era uma laranja como uma fatia de melão. As nuvens tanto estavam inchadas como corriam levezinhas…
E as estrelas, as estrelas nem se podiam todas contar. Apenas olhar, fixar, vê-las a brilhar…
A mãe já lhe tinha contado a história de uma estrela. Ou até mais do que uma.
E, antes de adormecer, contava para si essas histórias e, olhando a janela alta que deixava ver o céu, contava as estrelas que via: uma, duas, três…
até que adormecia de vez.