Quando
éramos pequenas, perguntavam-nos se éramos gémeas. Lembras-te? Gostávamos de
dizer que a diferença de idades era só de um ano, um mês e um dia. A nossa mãe costurava-nos
os vestidos e as batas que tinham folhos e bolsinhos, onde guardávamos
bocadinhos de pão ou pedrinhas… Como a nossa mãe sempre gostou de flores, nós
víamo-la a semeá-las, regá-las, colhê-las… E dizíamos: “Mãezinha, posso ir
buscar o meu regadorzinho?”
Lembras-te da
fotografia em que estamos ambas descalças no pequeno jardim da pequena casa em
que nascemos? Tínhamos tranças, presas no alto da cabeça com um laçarote
branco. Os teus caracóis eram férteis e a minha trança depressa se desfazia
de tão pesada que era.
Depois, quando
mudámos para uma casa maior, continuámos a ter por perto os campos, os regatos,
os caminhos onde apanhávamos flores pequeninas, sem a preocupação de lhes saber
o nome. A não ser dos pampilhos com que fazíamos macios colares amarelos.
E havia a casa
alta de azulejo verde, que tinha um mirante, onde gostávamos de brincar com as
outras meninas vizinhas. E por cima das nossas cabeças caíam, altas, flores de
que já não lembro a cor. Havia também a de azulejo azul com um portão que fechava o
interior da casa, cujos donos tinham passo apressado e lábios que nunca abriam
a janela de um sorriso.
Fomos
crescendo, ouvindo palavras que a época obscuramente cinzenta propagava:
obediência, submissão, resignação, acentuadas na condição de mulher que não
precisava de estudar, porque o futuro de esposa e de mãe não o exigiria. Desde
cedo, troikas semelhantes já nos
faziam franzir o sobrolho, mas éramos seres comuns e, comummente, não se cantava claro
contraditório.
Começámos a
bordar, a fazer renda, a cozinhar, a tratar da casa. Líamos os livros que o
nosso pai nos comprava na Feira do Livro do Porto, os que havia na estante da sala,
mas também procurávamos, às escondidas, O
crime do Padre Amaro e outros.
Ao longo da
vida, fomos gostando dos mesmos livros, dos mesmos filmes, dos mesmos lugares.
Como Paris, onde fomos um par de vezes. Com os nossos maridos, brindámos lá com
um Bordeaux, fomos à Torre Eiffel, ao Arco do Triunfo, mas o que te encantava –
e a mim também – era passear pelas margens do Sena, os pequenos teatrinhos do
Quartier Latin, as ruas estreitas com os cafés envidraçados, as mercearias com vistosa
fruta bem disposta. E também as descontraídas livrarias simples e inspiradoras. E ver a gente
que teria histórias para contar. E visitar os pequenos museus onde a quantidade
não distrai mas convoca o olhar.
Dizia-te,
quando a felicidade era, para ti, pássaro que não pousava: “Temos de nos alegrar
com as pequenas coisas; de outro modo, somos infelizes”.
Gostavas tanto de
viver, mas tinhas medo de que a vida pudesse entristecer-te ou ao teu
núcleo familiar.
Eras culta,
tinhas ideias próprias, detestavas a hipocrisia, gostavas de ajudar os mais frágeis, mas pouco sorrias
de tanto receio dos reversos da medalha.
Em ti, tinhas “todos
os sonhos do mundo”, porém, com a pessoana e triste convicção de que “Nunca serei nada”.
As incertezas faziam apagar as luzes da
ousada celebração da vida.
Estiveste doente
durante vários anos. Partiste há dois dias e quis o acaso, ou destino, ou Deus,
ou a tua vontade que eu estivesse junto de ti. Nesse momento, um frio silêncio
calou, então, qualquer murmúrio que, tantas vezes, o sofrimento agudizou.
No (teu) silêncio, continuarei a
dizer-te: Então, minha irmã,…