sábado, 26 de abril de 2014

O 25 de Abril na(s) Escola(s)

Imagens da belíssima exposição dinamizada pelo grupo de História
                                   na ESG (Escola Secundária de Gondomar)
Obrigada, AC, pelas fotos


A avaliar pelo que vi, li e ouvi, o 25 de Abril foi abordado, com mais tempo, nas escolas. Felizmente. As exposições, debates, saraus, visitas, trabalhos... também ajudaram.
Se calhar, um pequeno conteúdo ficou por lecionar ou rever, mas o diálogo com as crianças e jovens sobre este assunto vale(u) mais do que mil discursos, com ou sem cravos ao peito.

Uma menina de nove anos respondia a uma questão, mais ou menos assim, do manual: “Como se sentiria o cravo na mão de tantas pessoas reunidas?”
A menina escreveu: “O cravo sentiria-se triste porque deixava a terra dele”. Passado um bocadinho, corrigiu: “…sentir-se-ia triste porque deixava a terra dele”. E pouco depois (as palavras são mesmo impulsionadoras!) acrescentou: “… mas também contente porque via as pessoas felizes”.

No diálogo que travei com os meus alunos (do 10º e 12º ano), partilharam-se algumas ideias que eles tinham colhido de conversas com os pais ou avós, de poemas ou outros textos alusivos à data, de pesquisa ou reflexão sobre alguns dos temas mais recorrentes, etc.
E eles referiram quase sempre o testemunho dos avós, porque os pais eram ainda crianças quando ocorreu o 25 de Abril de 1974 - a mãe de uma das alunas ainda não tinha nascido.
Eis algumas das ideias apresentadas:
- O meu avô ficou só com a 2ª classe para trabalhar e ajudar os pais. Teve muita pena porque queria continuar a estudar. Ficou sempre com esse desgosto.
- O meu avô esteve em Angola na guerra colonial e gostou, porque não ficou ferido e foi uma maneira de viajar e conhecer outras terras.
- Os meus avós passavam fome. Eles dizem que agora há muita gente que tem pouco de comer, mas naquela altura a miséria era maior.
- O meu  avô pertencia à Legião Nacional. Um dia o Salazar cumprimentou-o e ele ficou muito contente.
- A minha avó emigrou clandestina para França com cinco filhos pela mão e não sabia ler nem escrever. Foi muito difícil.
- O meu avô andou na guerra colonial e, durante vários anos, se ouvisse foguetes, ficava transtornado, porque se lembrava logo dos amigos que morreram em combate ou quando as minas rebentavam.
- Antigamente havia mais respeito nas escolas. 
- Com a censura, as pessoas sabiam só uma parte do que se passava.
- Muito pouca gente sabia ler, o que interessava aos ditadores, porque assim o povo não tinha instrução e não se revoltava.
- Há muitas pessoas que não sabem aproveitar a liberdade que têm.
- O 25 de Abril trouxe direitos e deveres, mas muita gente só fala dos direitos.
- A PIDE prendia pessoas só porque tinham opiniões diferentes do Governo.
...
E eu, que  vivi o antes 25 de Abril, pude dar achegas.
Num dos pontos do diálogo, lembro-me de ter dito aos alunos:
- Já imaginaram que esta conversa não seria possível antes do 25 de Abril?
E eles, que nasceram em tempo de Liberdade, não responderam logo. Para eles, tal hipótese seria impensável. Ainda bem.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

Flores em LA

Flores de abril junto a um museu de Los Angeles

PORQUE na voz de Poeta(s)

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

                      Sophia de Mello Breyner Andresen
 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

"Onde estava no 25 de Abril"

 
Maria Helena Vieira da Silva
  
Como me recordo! O dia começou de forma habitual. Fui para a Faculdade de Letras do Porto. Nessa altura, a Faculdade estava instalada no edifício em frente ao Hospital Sto António, onde hoje funcionam as Biomédicas.
Subindo os Clérigos, ouvia-se um estranho silêncio. Havia pouco movimento nas ruas. Nem parecia um dia de semana. Aqui e ali, viam-se pessoas a procurar as notícias que iam sendo transmitidas pela rádio.
Eu não sabia o que se passava, nem tinha sequer um pressentimento. Tinha nascido e vivido com a ditadura. Achava estranho quando o meu pai contava - também lhe tinham contado - que um pequeno grupo de pessoas estava a falar na rua e logo apareceu a PIDE para os questionar.
Na Faculdade, por entre os estudantes, entranhavam-se os “Bufos” que ouviam as conversas para depois denunciarem quem criticava o regime ou se pronunciava contra os professores ou contra a Direção. Muitas vezes, vi alunos a entrarem de rompante na Biblioteca, sentarem-se a fingir que liam ou estudavam, porque eram perseguidos pela polícia que aparecia à paisana e os prendia, sem contraditório.
Nas aulas, só excecionalmente eram permitidas questões sobre a matéria ou outras. Um dia, um jovem professor de História de Portugal travou diálogo com os alunos sobre a matéria. Receoso, como se estivesse a cometer um grande pecado, olhava para a porta. Se entrasse o Diretor, seria chamado à atenção. E assim aconteceu: de repente, a porta abriu-se e uma figura impôs-se, num silêncio pesado, mostrando viva discordância pela atitude a que de imediato pôs fim.
O medo era avassalador, calando muitas vozes e limitando muitos gestos.
A guerra colonial ia ceifando as vidas de muitos jovens que matavam e morriam sem saber porquê
E eram tão longas as trevas impostas pelo regime autoritário que a grande maioria das pessoas se habituara a conformar-se. Os mais conscientes da situação política revoltavam-se e a sua coragem custava-lhes muitas vezes a prisão e até a tortura.

Nessa manhã do dia 25 de Abril de 1974, quase a chegar à Faculdade, perguntei a alguém que segurava o transístor junto ao ouvido, o que se passava. “É uma Revolução de militares em Lisboa” foi a resposta. Na Faculdade, anunciava-se que não havia aulas. Regressei a casa. À hora do almoço, ouvimos as notícias e tudo soava a estranhamente novo. Um sistema demasiado enraizado parecia estar a tremer.
Tu telefonaste-me. “Vamos sair. Está a haver uma revolução. Já chegou ao Porto. Está a espalhar-se por todo o país”.
E fomos. Atravessámos o rio pela ponte D. Luís e fomos para a Serra do Pilar, onde julgo que um militar discursava num comício, onde as pessoas iam chegando incrédulas.
Nos nossos olhos havia espanto. Tudo era novo, porque a Censura tinha riscado os factos que não agradavam aos governantes seguidores da política de Salazar.
No ano seguinte, casámos em tempo já de Liberdade.



terça-feira, 22 de abril de 2014

Para que a memória não deixe de tocar


domingo, 20 de abril de 2014

Páscoa - Impossível não me lembrar



- da espera do Compasso em domingo de Páscoa
Com o soar pressentido da campainha que anunciava a chegada do grupo de homens que repetia a palavra Aleluia. E que todos repetiam também. A devoção rimava sobretudo com tradição.

- das flores no chão, junto da porta de entrada, para que a casa não fosse esquecida.
E eram goivos e páscoas e margaridas porque o tempo era de ressurreição também das flores. Depois ficava o cheiro pisado que o vento noturno secaria.

- da impaciência refilada dos rapazes que queriam sair porque tinham as namoradas à espera e a Visita Pascal demorava.
E ficavam, ficavam à porta e juntavam-se com os vizinhos que também esperavam à sua porta, falando todos uns com os outros porque era Páscoa e cumpria-se a tradição: receber o compasso em casa. Ou beijar a Cruz, como também se dizia.

- das crianças que corriam à volta do compasso e recebiam amêndoas.
Era o tempo em que as crianças brincavam na rua. E corriam o arco. E jogavam às caçadinhas. Ou ao pião. E chutavam uma bola de pano. E as meninas jogavam à patela. E fugiam com medo dos rapazes que se escondiam entre o milho e atiravam pedras para as assustar.

- das orações que o Padre repetia na sala melhor (com as cortinas e os tapetes lavados) com a família reunida em semi-círculo.
E se estava calor, o Padre e os outros homens transpiravam e davam os pés de Cristo a beijar na Cruz, e o afago passava pelo respirar quente de todas as bocas.

- do cheiro a assado no forno e das idas da mãe à cozinha para vigiar a assadeira para que nada se queimasse, enquanto o pai ia calculando o tempo que faltava para o compasso chegar.
E eram certas as casas onde o Compasso parava para almoçar. Quase sempre de grandes mesas e de fortes alegrias sacramentais.

- das melhores colchas à janela para receber Cristo ressuscitado.
Muitas de renda branca, outras de tecido adamascado, outras fininhas mas lavadas e alisadas para o efeito.

- das brincadeiras, dos sorrisos, dos medos, dos sonhos…
- do feliz esquecimento de que nada seria para sempre. E de que nem todos estariam presentes em futuros domingos de Páscoa.



sábado, 19 de abril de 2014

Em abril, flores mil


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Em "tempos de um abril diferente"

Li e gostei muito do poema de Vítor Oliveira no seu blogue Carruagem 23
Senti vontade de alargar a partilha,
porque retrata bem algum do nevoeiro que se foi instalando
 ao longo destes 40 anos pós 25 de Abril de 1974. 
Como também vivi o Portugal de então, é inegável que o país está melhor
 - as pessoas, é claro, e não uma entidade oligárquica ou abstrata -,
mas, infelizmente, ainda há muitas áreas em que é roubado 
"ao futuro o tom da alegria".


                                                                                                                     Vítor Oliveira

ESCREVER contra a morte


 Há muitos muitos anos, li os Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez. O romance impressionou-me pelos enredos ao longo de várias gerações. Era difícil não conhecer alguém semelhante a uma qualquer personagem.

Este ano, no 10º ano de escolaridade, abordámos o conto "Surpresas de agosto", incluído na coletânea Doze Contos Peregrinos do mesmo autor.

A história começa assim:

"Chegámos a Arezzo pouco antes do meio-dia, e perdemos mais de duas horas à procura do castelo renascentista que o escritor venezuelano Miguel Otero Silva comprara naquele recanto idílico da campina toscana. Era um domingo de princípios de agosto, ardente e buliçoso, e não era fácil dar com alguém que soubesse fosse o que fosse no meio das ruas a abarrotar de turistas".

O final - não o transcrevo no intuito de aguçar a curiosidade de quem o não conhece - é inesperado e confirma o "realismo mágico", sabiamente manejado pelo escritor.
Recordo-me da reação de alguns alunos (muitas vezes dizemos que nada lhes agrada e nada os surpreende) de aberto espanto perante o final inesperado e nada convencional.

Os meios de comunicação social estão a divulgar a morte deste grande escritor que nasceu na Colômbia em 1927.

Morreu o homem mas a sua obra reitera a ideia que ESCREVER é também uma luta contra a morte.