“ Se as estrelas falassem”
Tudo aconteceu num dia chuvoso e frio, em novembro. As
pessoas andavam irritadas por causa do tempo e as lojas pouco vendiam.
Eu e a minha única irmã, a Joana, de oito anos, decidimos
ir fazer compras, apesar das condições meteorológicas. Sempre gostei de passear
com ela. Era uma menina alegre, carinhosa e sonhadora. Partilhávamos tudo uma
com a outra, mesmo sendo grande a nossa diferença de idades – onze anos. Ambas
contávamos os nossos segredos e perspetivas da vida. Ela dizia muitas vezes que
as estrelas lhe davam conselhos quando precisava. E eu exclamava: “ Mas elas
nem sequer falam!”. Porém, ela afirmava que as escutava todos os dias à noite.
E eu fazia que acreditava.
Como estava a chover, fomos de carro. No ano anterior, eu
tinha tirado a carta e comprado imediatamente o automóvel com as minhas
poupanças. A Joana dizia que ele era muito pequeno, apesar de confortável.
Embora o para-brisas estivesse sempre a funcionar, a estrada mal se via com
tanta chuva. Infelizmente, o pior aconteceu. O carro despistou-se e caiu numa
ravina. A partir desse momento, tudo ficou negro.
Acordei no hospital, numa cama com lençóis rosa floridos.
Sentia-me atordoada, mas nada de mais. O médico veio ter comigo e disse-me: “
Teve muita sorte em ter sobrevivido. Infelizmente, já não posso dizer o mesmo
da sua irmã. Lamento imenso.”. Como era possível? A pessoa mais importante da
minha vida morreu? E por minha culpa? Como é que não consegui controlar o
carro?
Hoje, passados dois meses, estou sentada na cama da minha irmã
Joana. Os cobertores ainda têm o cheiro dos seus cabelos encaracolados. Tudo
naquele quarto me faz lembrar a sua vivacidade. Porém, ela já cá não está. As
recordações de todos aqueles anos ainda se mantêm intactas na minha mente. Parece
que ainda ouço o seu riso, a sua voz.
Olho para a mesinha de cabeceira e vejo o seu pequeno livro
de notas azul. Este estava cheio de imagens de estrelas e, por baixo destas, um
texto. Quando o li, percebi do que se tratava: era uma espécie de carta, na
qual constavam aspetos da vida diária da minha irmã. E o remetente era uma
estrela. Perante este facto, sorri. Lembrei-me do que ela costumava afirmar com
absoluta convicção: “Eu falo com as estrelas e elas ajudam-me.”. Larguei o
livro e pedi perdão à Joana. Por tudo. Por não ter acreditado nela e,
principalmente, pelo acidente. “Desculpa. Eu adoro-te e espero que me estejas a
ouvir. Se me perdoares, envia-me um sinal para eu poder tirar este peso que
tenho na consciência.” – murmuro eu. Nada. Não acontece
nada. Assim, decido ir para a janela apanhar um pouco de ar. Sou mesmo culpada
de tudo e não tenho perdão. Olho para o céu. Está estrelado. Uma estrela brilha
imenso, como se estivesse a chamar por mim. É um sinal. Pego no bloco de notas
azul e começo a escrever, como se não houvesse amanhã. A estrelinha tremeluz e
eu continuo a escrever, como se estivesse a falar para a minha irmã. E estou.
Agora sim, consigo falar com as estrelas.
Helena Isabel Oliveira Gomes, 10º ano