domingo, 9 de fevereiro de 2014

ARA - Um romance de Ana Luísa Amaral



Lê-se em epígrafe
"De suave e aérea a hora era uma ara onde orar"
Fernando Pessoa
Livro do desassossego
Ao primeiro capítulo a autora chamou 
“Antes do resto”
“Epílogo” vem em 4º lugar a contar do fim,
O último ponto do índice é
“Ou seja, ara”
O livro, de 83 páginas, anunciado como romance na capa, publicado, em 1ª edição, pela Porto Editora em outubro de 2013, começa assim
“1. Mas as coisas não giram ao nosso compasso. eu não sou romancista. Se fosse romancista dividia-me em nomes de ficção - e disso não sou capaz. A própria ideia de fazer uma história aterroriza-me…”

Há passagens que fazem lembrar outros textos ou outras paisagens:
“As prendas de tarde, depois de almoço (mas as prendas são sempre a meia-noite, precisa a chaminé, o barulho fingido pela chaminé, as prendas são sempre a meia-noite depois da consoada).” P. 42

E leem-se frases onde rodam comboios, se observam japoneiras, se lembram brinquedos de infância, se sentem saudades de amores vividos e não vividos, se escrevem textos em átrio de hotel…

O texto é em prosa, mas com muita poesia dentro.

Li este livro durante umas horas da tarde de domingo.
E é, muitas vezes, ao domingo que se procura um altar.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Gostam muito de “cá tar”



Alguém falava, numa reportagem televisiva, de um empreendimento turístico numa antiga estação de comboios, em Portugal. Belíssima, por sinal, e desativada há anos, como muitas.
A entrevistada mostrava a sua alegria pelo sucesso do negócio. E disse: “as pessoas gostam muito de cá tar". 
Com os ouvidos mais ocupados no momento ou mais distraídos pensar-se-ia que se falava de Qatar, país árabe, mas não. 
Era de Portugal que se tratava, embora cá também haja negócios das arábias, o que não parecia ser o caso.

De seguida, vejo escrito “concerteza”. 
É bom tratar bem dos espaços, mas a língua portuguesa  também precisa de cuidados.
Com certeza que sim, o que também ajuda a gostar de estar cá!


quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Vídeos

Há uns tempos que andava a tentar postar vídeos,
mas não sabia fazê-lo, apesar de algumas ajudas on-line.
Pois, hoje, acho que consegui e fiquei contente.
Boas Músicas e Boas Palavras!

Maria João, Mário Laginha - "Flor"

"No sorriso louco das mães"



No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
na cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

Herberto Hélder


 Música de Rodrigo Leão / Gabriel Gomes.  Poema de Herberto Helder (dito pelo próprio)