segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Nasce mais uma vez
Nasce mais
uma vez,
Menino Deus!
Não faltes,
que me faltas
Neste
inverno gelado.
Nasce nu e
sagrado
No meu
poema,
Se não tens
um presépio
Mais
agasalhado.
Nasce e fica
comigo
Secretamente,
Até que eu,
infiel, te denuncie
Aos Herodes
do mundo.
Até que eu,
incapaz
De me calar,
Devasse os
versos e destrua a paz
Que agora
sinto, só de te sonhar.
Miguel Torga
Reflorir, sempre
Não é já de Natal esta poesia.
E, se a teus pés deponho algo que encerra
e não algo que cria,
é porque em ti confio: como a terra,
por sobre ti os anos passarão,
a mesma serás sempre, e o coração,
como esse interior da terra nunca visto,
a primavera eterna de que existo,
o reflorir de sempre, o dia a dia,
o novo tempo e os outros que hão-de vir.
|
Jorge de Sena, Poesia-I
Diário de Mariana
23 de dezembro 2011
Querido diário,
Há tanto tempo que não te escrevo, querido amigo diário. Já
tinha mesmo saudades. Desde a última vez que te contei o meu dia, houve tantas
cenas: os testes, os trabalhos, os relatórios, o conto de Natal… Já estava
cansada. Agora é muito fixe porque estou de férias. Posso dormir até mais
tarde, mandar mensagens quando quero e preciso (se o cartão estiver carregado,
é claro), não tenho de estar sempre a pensar se já tocou, se tenho a mochila
arrumada… É chato é a minha mãe estar sempre a lembrar-me que tenho os tê pê
cês para fazer:
- Mariana, aproveita o tempo; Mariana, já começaste a
estudar?...
Ontem à noite, felizmente, não ouvi isso. Fomos jantar a um
restaurante no Porto. Quando entrámos, pensei que era para velhotes, mas depois
até gostei. Foi altamente. Estava eu, as minhas irmãs, duas primas mais novas
do que eu e uma amiga de uma delas. Ah, e também estava a minha mãe.
Escolhemos filetes de peixe com arroz. Mas nós, as mais
novas, queríamos também batatas fritas, mas pensei: népia, porque uma das
minhas irmãs não gosta mesmo nada de infrações à regra. Ela disse logo:
- Meninas, nada de batatas fritas porque vocês hoje já
ingeriram muitas calorias.
Mas foi mesmo fixe, porque o empregado parece que adivinhou
e trouxe-nos uma travessinha com batatas fritas às rodelas e estaladiças. Até a
minha mãe comeu algumas pegando nelas com a pontinha dos dedos.
Para além da comida, a gente falou de muitas coisas, tipo os
adolescentes que às vezes parecem um bocadinho parvinhos, as nossas escolas, as
mães que gostam que os filhos sejam estudiosos, os nossos professores
preferidos, os professores que berram como se estivéssemos muito looonge…
Toda a gente diz que há a idade da parvoíce, mas ninguém
pergunta porquê nem diz que também já foi assim. Às vezes, vejo adultos que são
mais parvinhos do que muitos adolescentes. E o pior é que falam deles como uma
árvore limpinha que perdeu todas as folhas secas. Que horror! Às vezes, dizem
assim: ai, ele é tão amoroso ou tão amorosa e vem logo um mas… Mas é teimoso,
mas é distraído, mas é descuidado…
Parece que só eles, os adultos, é que têm juízo e fazem
tudo bem. Também não fazem tudo mal, porque lembro-me sempre do que a minha Dê
Tê diz: não se pode generalizar.
A minha irmã do meio não gosta de assuntos muito sérios à
mesa e lembrou-se de coisas engraçadas. Eu às vezes olhava para a minha mãe e
quase adivinhava o que ela estava a pensar: que uma das minhas primas é uma
princesa; a outra é uma boneca; a amiga de uma delas é muito engraçada e tem um
nome que rima com maresia…
Foi um jantar altamente e a minha mãe, quando se despediu,
disse que todas tinham sido muito boa companhia.
Fico por aqui, querido diário. Não falei do Gi. Esteve com
gripe e teve de faltar nos dois últimos dias de aulas. Tínhamos combinado ir
ver os torneios mas népia.
Fiz-lhe um postal de Natal com colagens de pano e de papel.
Ficou mesmo fixe. Fiz em tons de azul e pedi ao Rui, que é vizinho dele, se lho
entregava. O Rui depois disse-me que o Gi tinha gostado, mas preferia que fosse
vermelho. Que nervos!
Muitos abracinhos. Sabes que mesmo no Natal, estarás perto
de mim, porque os amigos também são para as boas ocasiões.
Mariana
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Todas as Cartas de Amor são Ridículas
Todas as cartas de amor são
Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.
Também escrevi
em meu tempo
cartas de amor, Como as outras, Ridículas.
As cartas de
amor, se há amor,
Têm de ser Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas.
Quem me dera no
tempo
em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas.
A verdade é que
hoje
As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas.
(Todas as
palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)
Álvaro de Campos
(heterónimo de Fernando Pessoa)
|
Fernando e Ofélia
CARTA A OFÉLIA QUEIRÓS - 27 DE ABRIL DE 1920
Meu
Be«be»zinho lindo:
Não imaginas
a graça que te achei hoje á janella da casa de tua irmã! Ainda bem que
estavas alegre e que mostraste prazer em me ver (...).
Tenho estado
muito triste, e além d'isso muito cansado - triste não só por te não poder ver,
como também pelas complicações que outras pessoas teem interposto no nosso
caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, hábil d'essas
pessoas; não ralhando contigo, não se oppondo de modo evidente, mas trabalhando
lentamente sobre o teu espírito, venha a levar-te finalmente a não gostar de
mim. Sinto-me já differente; já não és a mesma que eras no escriptorio.
Não digo que tu própria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou, pelo menos,
julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado...
Olha,
filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vãe haver,
ou o que vãe ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas
as influencias de familia, e de em tudo seres de uma opinião contraria á
minha. No escriptorio eras mais dócil, mais meiga, mais amorável.
Enfim...
Amanhã passo
á mesma hora no Largo de Camões. Poderás tu apparecer à janella?
Sempre e
muito teu
Fernando
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
DESEJOS
Queria ser um poema lindo
cheirando a terra
com sabor a cana
Queria ver morrer assassinado
um tempo de luto
de homens indignos
Queria desabrochar
— flor rubra —
do chão fecundado da terra
ver raiar a aurora transparente
ser r´beira d´julion
em tempo de são João
nos anos de fartura d´espiga d´midje
E ser
riso
flor
fragrante
em cânticos na manhã renovada
do chão fecundado da terra
ver raiar a aurora transparente
ser r´beira d´julion
em tempo de são João
nos anos de fartura d´espiga d´midje
E ser
riso
flor
fragrante
em cânticos na manhã renovada
Vera Duarte
Nascida em Mindelo, Cabo Verde
Para cantar saudade
Sodade
Cesaria Evora
Ess caminho longe?
Quem mostra' bo
Ess caminho longe?
Ess caminho
Pa São Tomé
Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau
Si bô 'screvê' me
'M ta 'screvê be
Si bô 'squecê me
'M ta 'squecê be
Até dia
Qui bô voltà
Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau
sábado, 17 de dezembro de 2011
A boneca
Gosto de bonecas de trapos. Lembram-me a minha infância e pode ser um presente bonito para crianças, juntando-lhes uma estória.
Lembro-me de uma boneca que tive quando era pequena. Poucas meninas tinham bonecas de celulóide, como dizíamos, e
menos eram as que as levavam ao hospital quando um bracinho sou uma perna se partiam, etc.
Eu tinha uma de papelão. Um
dia, esqueci-me dela lá fora durante a noite. Veio uma chuvada e a boneca desfez-se. A
minha mãe viu-me triste e fez-me uma de trapos. Se calhar é por isso que
eu gosto de as ver nascer também das minhas mãos.
Sei, porém, que a vida nunca se
repete.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Sentidos/sensações
IA
Prelúdio de Natal
Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas
Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas
Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas
a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas
A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas
David Mourão-Ferreira
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
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