Não sabia bem ao que ia, mas precisava de falar com alguém de confiança. A dona Rosarinha ouvi-la-ia com certeza, sem estar sempre a interromper, sem fazer perguntas, sem dar opiniões sobre tudo e sobre nada, sem ver os assuntos como pontas para falar das coisas dela. Nem ia logo contar na primeira conversa que tivesse com quem quer que fosse.
Esperou só um bocadinho até Rosarinha abrir o portão. Andava a regar umas plantas e pediu desculpa pela demora.
- Entre, entre, fiz umas bolachinhas e chá de limonete.Veio na hora certa.
Nilda sentia-se feliz com o acolhimento, que atenuava a frieza distante das poucas palavras trocadas com Zeferino. Mas não o podia criticar, porque, passados tantos anos, reconhecia que o final do namoro nunca tinha ficado claro. Ingenuamente, quando o reviu no recinto do baile, pensou que poderiam falar calmamente sobre o assunto. Porém, ele tinha a vida dele, os problemas dele, os amores dele, as alegrias dele e nenhuma falta Nilda já lhe faria, porque longe ia o tempo de sofrimento em Angola, quando se tinha visto mais abandonado.
Rosarinha serviu o chá, pôs as bolachinhas num pratinho bonito e esperou que Nilda começasse a falar. De certeza que precisava de desabafar ou tratar de algum assunto. Sabia que Nilda nunca ia a casa de ninguém sem motivo.
Mas estava difícil desenlaçar as palavras e, como se fosse água a ferver para mais um bule de chá, Nilda começou a falar da sua vida que, via agora, tinha sido errática e não como gostaria.
Queria afastar culpas que inculcara toda a vida, mas lamentava não ter sido mais corajosa, mais confiante, mais decidida, menos cativa do desamor, e, logo, mais feliz.
Já era noite quando Nilda saiu de casa de Rosarinha.
- A partir de agora, vou esquecer a minha idade e o meu passado e vou ser uma mulher diferente - disse para si própria, enquanto se via ao espelho e encontrava ainda algum encanto na sua imagem - o encanto de saber que o mundo também lhe pertencia. Como a qualquer ser humano de pleno direito.