domingo, 15 de novembro de 2020

Poetry/poesia

 

Postal enviado pelo Clube das Histórias

 

A minha tradução (desculpem se houver lapsos):

 

Poesia

significa brincar com as palavras,

como se brinca

com bolas, papagaios  e piões.

 

Mas

bolas, papagaios e piões

gastam-se

com muito uso.

 

Ao contrário das palavras.

Mesmo que brinquemos muito

com elas, nunca se gastam.

 

Tal como as águas dos rios

que se renovam sempre.

 

Tal como cada dia

que é sempre um novo dia.

 

Brinquemos com a poesia.

 

José Paulo Paes

 

sábado, 14 de novembro de 2020

Mariza - "Cavaleiro Monge"

"Do vale à montanha (...) por casas, por prados..."

Boa sugestão do poema de Fernando Pessoa, que agora partilho.

Obrigada, Vítor.

Mariza, com a sua voz e expressividade, dá força aos passos íngremes da viagem.

Em tardes de confinamento, cabem também viagens imaginárias.

 

Do vale à montanha,

Da montanha ao monte,

Cavalo de sombra,

Cavaleiro monge,

Por casas, por prados,

Por quinta e por fonte,

Caminhais aliados.

Do vale à montanha,

Da montanha ao monte,

Cavalo de sombra,

Cavaleiro monge,

Por penhascos pretos,

Atrás e defronte,

Caminhais secretos.

Do vale à montanha,

Da montanha ao monte,

Cavalo de sombra,

Cavaleiro monge,

Por plainos desertos

Sem ter horizontes,

Caminhais libertos.

Do vale à montanha,

Da montanha ao monte,

Cavalo de sombra,

Cavaleiro monge,

Por ínvios caminhos,

Por rios sem ponte,

Caminhais sozinhos.

Do vale à montanha,

Da montanha ao monte

Cavalo de sombra,

Cavaleiro monge,

Por quanto é sem fim,

Sem ninguém que o conte,

Caminhais em mim. 


Fernando Pessoa

Casa - palavra dita, cantada, repetida...

 

A palavra 'casa', em dias de pandemia e de alguns confinamentos, é ouvida, dita, repetida...

para que o vírus não continue a propagar-se como tem acontecido nos últimos tempos.

Dizem os técnicos de saúde que temos mesmo de passar todo o tempo possível em casa.

Os apelos e as dúvidas fazem eco por toda a parte:

Fique em casa!

Não saia de casa!

Se transgredir as regras de confinamento, será conduzido a casa.

Quando se poderá sair de casa à vontade?

Estou farto de estar em casa!

Não me importo de ficar em casa, porque tenho sempre que fazer!

Com os miúdos em casa, não tenho sossego!

...

 

Procurei alguns poemas em que a palavra 'casa' surgisse escrita ou cantada. Partilho alguns exemplos de que gostei. 

Estou em casa e são raros os carros que passam na rua, bem mais silenciosa nesta tarde. Alguns irão, por certo, em direção a casa. 

Não sei é se vão a cantarolar: 'Ai que saudades eu tinha da minha alegre casinha...'


'Uma ocasião...'


Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Adélia Prado

 

"Amor como em Casa"

Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa. 

Faço de conta que não é nada comigo. 

Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

 

'Louvor do lixo'

 

Para a Amra Alirejsovic

                                    (quem não viu Sevilha não viu maravilha)
É preciso desentropiar
a casa
todos os dias
para adiar o Kaos
a poetisa é a mulher-a-dias
arruma o poema
como arruma a casa
que o terramoto ameaça
a entropia de cada dia
nos dai hoje
o pó e o amor
como o poema
são feitos
no dia a dia
o pão come-se
ou deita-se fora
embrulhado
(uma pomba
pode visitar o lixo)
o poema desentropia
o pó deposita-se no poema
o poema cantava o amor
graças ao amor
e ao poema
o puzzle que eu era
resolveu-se
mas é preciso agradecer o pó
o pó que torna o livro
ilegível como o tigre
o amor não se gasta
os livros sim
a mesa cai
à passagem do cão
e o puzzle fica por fazer
no chão

Adília Lopes

ELIS REGINA - " CASA NO CAMPO "

"Casa arrumada"


 

'Esta ausência não foi por nós pedida...'

 

Esta ausência não foi por nós pedida,

este silêncio não é da nossa lavra,

já nem Pessoa conversa com Pessoa,

com o feitiço sempre imenso da palavra

Este tempo só é o nosso tempo

porque é nossa a dor que nos sufoca

e faz de cada dia a ferida entreaberta

do assombro que esquivando-se nos toca

Esta ausência é dos netos, dos filhos, dos avós,

é a casa alquebrada pelo medo,

é a febre a arder na nossa voz

por saber que o mal a magoa em segredo

Este silêncio é um sussurro tão antigo

que mata como a peste já matava;

vem de longe sem nada ter de amigo

com a mesma angústia que nos castigava

Esta ausência é uma pátria revoltada

que se fecha em casa sempre à espera

que a febre não a vença nem lhe roube

a luz mansa que lhe traz a Primavera

Esta casa somos nós de sentinela,

à espera que a rua de novo nos console

e que festeje debruçada à janela

a alegria que só nasce com o sol

Esta ausência mais tarde há-de ter fim,

por nada lhe faltar nem inocência;

que se escute o desejo de saúde

anunciando que vai pôr fim à inclemência

Que se abram as portas e as janelas,

que o medo, derrotado, parta sem destino

por ser esse o sonho colorido

que ilumina o riso de um menino."

 

José Jorge Letria (20 de Março de 2020)

Capicua - "Casa no Campo" (com Mistah Isaac) - Lyric Video

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Amália Rodrigues - Gaivota (1970)

El Condor Pasa - Paul Simon & Garfunkel

Quando o Céu procura o Mar

 

Obrigada, Vítor, pelas belíssimas fotos que partilhaste. Já as vi também na http://carruagem23.blogspot.com/ no teu post de ontem. Gostei também muito do poema que juntaste, de Fernando Pessoa. Boa sugestão para olhar e ler, perto ou longe do mar, em dias de confinamento.


 






Rui Veloso - Não Há Estrelas No Céu

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O estado de emergência do meu concelho e a velha máquina de costura!

 

Confesso que me perco no conjunto de medidas e de números que são apresentados nas conferências de imprensa dos governantes, sobre os diferentes estados de confinamento. Preciso depois de ver o resumo mais sistematizado.

Porém, parto do princípio de que as saídas têm de ser as essenciais e que o que tenho em casa pode ser rentabilizado.

E passei a utilizar bastante mais o comércio local. 

Até descobri que o merceeiro mais perto da minha casa tem um jeito brutal para a decoração da montra. Hoje fui lá e deparei com uma velha máquina de costura, deixada por uma velha vizinha cuja vida tinha sido salva por ele que, não a vendo em toda a manhã, lhe tinha entrado em casa pela janela, encontrando-a inanimada.

Soube que a máquina Singer vai ser exposta aos clientes de forma criativa. Fiquei com curiosidade de ver o resultado. Deixarei para a próxima semana, porque não é urgente.  E seguirei o mesmo critério para as outras saídas que podem ser adiadas. 

Vou-me dar a mim própria este conselho, até porque, soube há pouco, o meu concelho não saiu do confinamento.

 


Felizmente, há pessoas assim!

 

A família da minha mãe trabalhava na agricultura. Sempre me habituei às hortaliças frescas, aos ciclos das estações e ao que elas produziam.

Não sei se foi por isso, mas gosto muito de ver campos e espaços verdes. Se possível com flores, mesmo as que nascem naturalmente.E tenho o meu quintal, nem sempre tão bem cuidado, como eu gostaria, mas onde colho couves, alfaces e o que houver (se os caracóis e as lemas não chegarem antes de mim!).

Sempre vi a minha mãe preocupada com as plantas. Quando diz que estão com sede é como se falasse de uma criatura humana!

Ora, para além destes gostos e hábitos que vamos adquirindo, apercebemo-nos de que há pessoas que trabalham muito para que o país seja todo ele mais saudável e bonito. Um dos pioneiros da necessidade de transformação da paisagem foi Gonçalo Ribeiro Teles, que faleceu ontem aos 98 anos, tendo sido decretado luto nacional para o dia de hoje.

Ao longo da sua vida de arquiteto paisagista, falava da importância das hortas, quando quase ninguém se lembrava delas ou as valorizava. Nunca desistiu dos seus ideais, deixando ficar muita obra realizada e mudança de mentalidades. Talvez por isso se diga que foi um homem à frente do seu tempo. 

Se não fosse o seu trabalho, calmo mas constante, em prol de um ambiente melhor para todos, incluindo todos os seres vivos, não haveria atualmente tantas hortas comunitárias, tantas hortinhas caseiras, tanta erva aromática nas varandas, tanta gente a correr e a caminhar em parques e jardins públicos cuidados e apetrechados... E muito mais para que a qualidade de vida de todas as pessoas melhore, de facto.

Felizmente há pessoas assim!


terça-feira, 10 de novembro de 2020

A VIDA MENTIROSA DOS ADULTOS - ELENA FERRANTE



São 292 páginas, divididas em 7 capítulos, que, se houver tempo, se leem, por livre vontade, em poucos dias. Sobretudo quem aprecia o desenrolar da história, em detrimento do prazer do texto ou das reflexões nele contidas.

A capa, logo que a vi,  criou-me um certo desconforto e até relutância. Porém, compreendi-a à medida que avançava na leitura.

A história decorre na cidade de Nápoles. Duas famílias da classe média têm fortes laços de amizade e de trabalho. As três crianças dessas famílias crescem muito próximas.

A mais velha, adolescente, para além de ir descobrindo a vida, a sexualidade, o amor, o desamor, depara-se também com problemas familiares, impensáveis na sua infância.

Giovanna, a adolescente, e Vittoria, uma tia, têm um papel preponderante na história - pelas semelhanças entre ambas; por situações, umas caricatas que fazem rir, outras comoventes até às lágrimas, em que há aproximações e recuos, abraços e incompreensões, procura e afastamento, palavras doces ou rudes...

Se a história tivesse som, tanto ouviríamos fortes ruídos como sentiríamos pesados silêncios, mas sempre com vivacidade narrativa, embora o mundo apresentado, na minha opinião, seja bastante restrito.

Elena Ferrante, a escritora italiana, cuja identidade é um enigma, mais uma vez, escreve de maneira torrencial. 

Se tivesse de apanhar estrelas para avaliar esta obra, bastar-me-iam três.

 

 Partilho também uma das páginas do livro: