quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A menina que contava estrelas



A menina – ela tinha dois nomes e um deles era Maria – morava numa casa muito alta. O lugar era sossegado. Os carros que lá passavam eram quase todos dos moradores das casas vizinhas.
Das janelas via muitas árvores e também o rio Douro. Os pais, ou quem os visitava,  olhavam a paisagem tranquila. Esticavam o pescoço para verem melhor. Maria sentava-se e punha-se a brincar. Gostava sobretudo de representar diferentes papéis.
De uma psicóloga que queria ajudar uma criança aflita; uma médica que dizia que era preciso comer sopa; uma amiga da mãe que fazia compotas deliciosas; uma professora que gostava de adivinhas; uma avó que fazia malhas para oferecer aos netos; uma colega que era muito refilona…
Não se importava de estar sozinha e improvisava tanto que perdia a conta ao tempo em que o fazia. Desde que começava a brincar nem sabia se tinham passado muitos ou poucos minutos. Ou até horas. Só se lembrava do tempo quando tinha fome e tinha de ir lanchar.
Pois bem, o sítio dos brinquedos deixava ver o céu e, se era possível vê-lo de dia, também era visível à noite. A menos que a mãe dissesse: vou fechar a janela, porque vem trovoada e faz-me impressão.
Ou então: não quero a janela aberta, porque, com a luz acesa, as pessoas veem-nos cá dentro.
Maria ficava a pensar que mal fazia ver alguns relâmpagos e que as pessoas os vissem dentro de casa. Estavam a fazer alguma asneira? Havia coisas que não entendia.
E a menina também gostava muito do quarto dela. Era pequeno, mas tinha bonecos e brinquedos coloridos. E uma janela muito alta. Começava acima da parte mais alta da mobília. A janela tinha uma cortina grossa. A mãe, quando ia ao quarto dizer boa-noite, aconchegar a roupa e contar uma história, corria a cortina e dizia: Dorme bem, querida.
E Maria dormia, mas…
Quando ficava sozinha, antes de dormir, saltava para uma cadeira, depois para a cómoda e abria a cortina. Assim, podia ver o céu mais aberto. A lua tanto era uma laranja como uma fatia de melão. As nuvens tanto estavam inchadas como corriam levezinhas…
E as estrelas, as estrelas nem se podiam todas contar. Apenas olhar, fixar, vê-las a brilhar…
A mãe já lhe tinha contado a história de uma estrela. Ou até mais do que uma.
E, antes de adormecer, contava para si essas histórias e, olhando a janela alta que deixava ver o céu, contava as estrelas que via: uma, duas, três…
até que adormecia de vez.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Um zangão à janela ou era uma vez um trinta e um?



Era uma vez uma professora. Como tantas professoras. Talvez mais velha do que muitas professoras, mas continuava a gostar de ser professora. Às vezes, a professora zangava-se. Queria que os alunos estivessem atentos. Queria que os alunos fizessem os trabalhos de casa. Queria que os alunos falassem e escrevessem corretamente. Queria que os alunos respeitassem os outros. Queria que os alunos não fizessem barulho. Queria que os alunos falassem na sua vez…
Mas às vezes gostava de sorrir, de dizer algumas graças, de improvisar quadras a propósito de ocorrências ou momentos engraçados – ou sem graça nenhuma – que se passavam na aula.
Pois bem, num dia em que o sol batia na janela e aquecia a sala, a professora, ainda assim, mandou correr a vidraça. Porém, abriu a porta, porque a sala de aula parecia uma estufa e ninguém era uma semente na terra que precisasse de tanto aquecimento húmido para germinar.
E uma aluna, ao ouvir o pedido da professora, levantou o braço e foi empurrando, empurrando a pesada vidraça larga, que se ficou por uma abertura estreita até a professora dizer que estava bem.
Foi quando, de repente, se ouviu: ai, ui, que horror, fogo, fecha a janela!
 E a professora, olhando os alunos e sem perceber ao certo o que se passava, foi ficando zangada com a confusão. De repente, olhou para a janela e escancarou os olhos ao ver um grande zangão, mesmo encostado à vidraça e a olhar para dentro da sala.
E como a imaginação não tem fronteiras, logo se ouviu:
- É um zangão curioso..
- O zangão quer explicações de graça.
- O zangão vai fazer exame e já começou a estudar.
- O zangão é esperto porque fica do lado de fora…
Foi então qua a professora – que tem uma costelita parecida com uma qualquer de S. Francisco de Assis, disse:
- Deixem lá o bicho. Também tem direito à liberdade. Mas, realmente, o melhor era ir à vida dele.
E, de repente, o zangão caiu no peitoril da janela e desapareceu dos olhos dos alunos que o olhavam com curiosidade.
A professora disse então:
- Dava para escrever uma história gira. O título poderia ser: “O zangão e a professora zangada”.
E logo a Mi-Mi abriu o rápido sorriso e disse: ó setorinha, ó setorinha!

Ao mesmo tempo, talvez o zangão, agora desaparecido, espreitasse uma nova sala de aula, podendo até ouvir:
Vai-te embora, zangão molengão,
Vieste para os alunos contar
Ou para fazer pim pam pum?
Não nos venhas desconcentrar.
Como já somos quase trinta
Não queiras ser um trinta e um!

Paraíso de outono





domingo, 2 de novembro de 2014

Voltando ao Natal (ou à infância?)



As bonequinhas foram feitas com fuxicos (obrigada, D. Dionísia, da ESG, pelo gosto e paciência) e rosetas de crochet.

sábado, 1 de novembro de 2014

Hoje, dia 1 de novembro




Hoje, logo que abriram, aqueles onde entrei estavam mais bonitos. Mais frescos e viçosos. Sem espaços secamente esquecidos.
Cada retângulo tinha recebido, com mãos atentas e carinhosas, água, flores, trazendo vida a um local de morte.
Os crisântemos – de fechadas ou abertas cores – eram a flor-rainha. E também as rosas. E os gladíolos. E as margaridas.
Vistos de cima, aqueles espaços pareceriam um campo de claras flores. A mesma imagem teria uma criança pequena, esperando-se, contudo, que o seu olhar atingisse sobretudo a beleza cuidada dos enfeites.
E chegavam homens e mulheres com bem abertos arranjos florais.
Como ainda era cedo e não havia muita gente, as conversas não se enovelavam. E um grupo de mulheres falava alto do alto preço das flores.
- Então, as tuas não foram caras.
- Comprei-as na lavradeira (há tanto tempo não ouvia esta palavra!)
E outras pessoas chegavam com pequenos raminhos, garantindo os laços (mas não gosto nada de ramos com grandes laços!) amorosos da memória.
A essa hora, já não havia nevoeiro.
À porta de um dos cemitérios, uma carrinha vendia castanhas. Para se comerem quentes e boas. E delas também ficarão as cinzas.



E o Natal... "aqui tão perto"!