quarta-feira, 11 de junho de 2014

"A palmeira"



A palmeira da ESG não é uma simples palmeira. É um sítio com muitas histórias. Há quem diga até que se a palmeira falasse, muito teria para contar. Talvez por ser um local simbólico não foi derrubada pelas obras a que a escola foi submetida.
Durante muitos anos, era o ponto de encontro, sobretudo nos “intervalos grandes” da manhã e da tarde. Havia bancos à sua volta que eram ocupados pelos alunos. Traziam-nos os mais variados motivos: a amizade, o amor, a vontade de desabafar, o desejo de comunicar, de falar, de interagir de forma mais descontraída...
A palmeira “entrou” em histórias escritas por alunos, a sua imagem saiu em jornais da escola e, sobretudo, foi tendo lugar na memória de muitos jovens, ao longo de diferentes gerações. E de professores que se compraziam, carinhosamente, ao reconhecer que também os lugares ajudam a  construir os mais variados saberes sociais.


Hoje, sentei-me com colegas, perto da palmeira, enquanto almoçávamos durante o pouco tempo de que dispúnhamos.
E notámos as diferenças. Não com nostalgia do passado, mas porque o local mudou devido à nova configuração do espaço.
Apesar de continuar a ser “a palmeira”.




terça-feira, 10 de junho de 2014

Overdose



Admiro quem não tem televisão em casa. Há muito tempo, tendo um televisor avariado, pensei que era uma maneira de começar esse caminho, mas, pronto (prontos, como dizem muitos dos meus alunos e não só), lá o mandei reparar.
Ligo a televisão sobretudo à hora das refeições e quando não estou a fazer um trabalho que exija muita concentração. Mas, muitas vezes, desligo o som. Algumas vozes dos apresentadores ouvir-se-iam a léguas de distância, mesmo sem cabos. Os apelos repetidos: ligue já. Os 20.000 euros podem ser seus são irritantes e embrutecedores. O número de telefone aparece em evidência e constantemente no écran.. Imagino muitas pessoas idosas e sós a terem de suportar tais ruídos para que a solidão não se oiça tanto.
Embora me ligue sobretudo aos canais de notícias, sábado à noite deparei-me com a Júlia Pinheiro, no seu programa da SIC em horário nobre, a acenar, maliciosamente, com dinheiro a dois jovens que, em palco, eram convidados a irem tirando peças de roupa. Conforme os visados aceitavam, o dinheiro era colocado ao seu lado. Tudo no meio de muita gargalhada e gritaria. É caso para dizer: sra d. Júlia, quanto é que a sua conta bancária sobe para a senhora descer tão baixo?
Um outro dia, já depois do jantar, vi que quase todos os canais generalistas portugueses estavam a dar futebol, sobretudo as lesões de Ronaldo, se Ronaldo treina, se Ronaldo fica no ginásio, se Ronaldo está em campo com os outros jogadores, se Ronaldo treina sozinho…
Claro que o Mundial de Futebol interessa a muita gente, mas a muitas criaturas como eu, que gosta de futebol q.b., sabendo que há outras coisas na vida, impõem overdoses de mais do mesmo.
Claro que as toma quem quer! E o que vale é que se pode fazer zapping, porque já não estamos nos velhos tempos de O programa segue dentro de momentos. E há livros. E há internet. E há filmes. E há música. E há o silêncio.
Felizmente!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Sementes



Deram-me broa com azeite
Era macia e saboreei-a devagar
Ao fim da tarde
o meu quintal cheirava
a ervas aromáticas
Mistura de cheiros a alecrim e a hortelã
Ouvi ao telefone
que há escritores que são semeadores de ideias
e gostei da ideia
Como gostei de ver os meus alunos do 10º ano
a apresentarem
trabalhos sobre poetas do século XX
Achei poética a prática
Fui à Bertrand do Dolce Vita
e comprei o último livro de Herberto Hélder
Tinha plástico à volta
e não estava exposto
como os outros livros
Também este poeta se fecha e não se expõe
porque o silêncio
é semeador da escrita


Se eu fosse poeta, estas linhas não estariam dispostas desta maneira
As palavras seriam outras
formando versos
e deles
talvez nascesse um poema!




sábado, 7 de junho de 2014

AOS MEUS ÓCULOS



Se um dia vos partirdes ficarei
mais à mercê do escuro.

Provavelmente poderei então
nem ler nem escrever nem cortejar
as flores silvestres, as nuvens em castelo,
os pardais disputando uma migalha
- esses frustes amores de fim de tempo.

Deixarei de poder distinguir
um abismo de um simples degrau.

Por isso, vós que sois de vidro quebradiço
como o meu próprio barro,
cuidai-vos em nome de mim.

Paguei-vos, sois meus, deveis-me utilidade.

Faça-se em vós segundo
a minha vontade.

A.M. Pires Cabral - 1941

Parêntesis


         Perante problemas humanos (alguns de difícil resolução), muitas vezes me interrogo sobre o valor de fazer outras coisas para além do trabalho obrigatório quotidiano.

E eu que, francamente e sem falsas modéstias, não me acho exemplo para quase ninguém, seria menos feliz se não alimentasse este meu blogue, se não escrevesse umas pequenas histórias, se não fizesse uns pequenos trabalhos em crochet que gosto de partilhar, se não fizesse com que o meu quintal frutificasse (obrigada, Rosa, pela sua preciosa ajuda!). Para além, claro, de estar com a família, com os amigos, de ir (tão poucas vezes!) ao cinema, de andar a pé (outras tantas poucas vezes! Filhas, prometo que vou andar mais!). Para além de ler (e tantas vezes a marca estaciona numa página e fica, fica…).

Ontem, fui a um velório de uma pessoa ainda nova (ter menos de sessenta anos é, para mim, ser-se ainda novo!). E, ao lado das conversas de circunstância, de reencontros (pena é só nos encontrarmos nestas alturas!) deu, mais uma vez, para pensar na efemeridade da vida, nos laços que vamos prendendo e desprendendo ao longo da nossa existência (há quem diga que é mera passagem e, se calhar, tem razão!).

Também a velhice, penso eu, é mais amena quando se tem um hobby. O tempo não pesa tanto e para os outros o peso torna-se mais leve.

Eu, que raramente tenho certezas, acho mesmo que começar e concluir um pequeno objeto de arte (por que não?), reutilizando, às vezes, muito do que se tem em casa e muito do que se passa perto de nós pode ser um bom parêntesis para encaixar noutras realidades.


terça-feira, 3 de junho de 2014

Cores de Londres