Todos os nomes dos netos haviam sido escolhidos pela avó: Matilde, Mateus, Maria e Manuel. Sempre gostara de nomes começados por eme, talvez porque o seu também se iniciava por esta consoante. Para ela, era um orgulho dizer que os netos tinham nomes de que gostava e que só ela tinha escolhido.
Falava dos netos com especial carinho: eram lindos como anjos, as crianças mais perfeitas do mundo…
Já tinha pintado o retrato de todos. E contava os pormenores: o Manuel começara por uma pintinha que foi crescendo na tela por ser essa a primeira imagem conhecida do neto. E nos momentos de solidão ou de tempo de maior sossego, punha-se a pensar como uma pequena pinta no ventre da mãe se tinha desenvolvido, tornando-se aquela criança tão bela.
Matilde era o seu nome preferido. Dizia que era o mais belo nome para menina ou mulher. Mateus havia sido escolhido porque soava bem o plural da última sílaba. Maria tinha este nome, porque considerava a mãe de todos os nomes.
A escolha dos nomes permitia-lhe a confirmação da mais afetuosa das posses: estes netos eram seus.
Um dia, a avó viajava de comboio e interrogava-se por que existem tantos terrenos abandonados junto às linhas; casas com paredes esburacadas, jardins secos de tão descuidados; quase ausência de pessoas; azulejos das estações sem cor e sem viço... Para não falar de árvores e arbustos escanzelados.
Como andava sempre a pensar no futuro dos netos, gostava que todas as ruas e caminhos estivessem mais bem tratados e mais cuidados. Uma das soluções era que cada um limpasse – e sobretudo não estragasse – o que existe perto de si.
Durante a viagem, pensava também nos quadros que gostava de fazer para os outros netos. E escreveria pequenas mensagens junto dos desenhos. Como no comboio muitas pessoas utilizavam o telemóvel, em conversas longas e ruidosas, a avó ia pensando também em frases de combate a este flagelo que pode estragar uma viagem porque é tudo menos serena.
Quando chegou a casa, telefonou aos netos a perguntar como estavam. Tinha saudades. Disseram que estava tudo bem, mas não podiam demorar muito tempo. Não disseram a razão, mas a avó percebeu o ruído do computador, da playstation… E teve saudades de ver os seus EMES, como carinhosamente, gostava de lhes chamar. Tinha-lhes dado os nomes, mas agora parecia que pouco mais tinha para lhes dar e pouco mais eles estavam dispostos a receber. Pegou no caderninho que sempre a acompanhava e escreveu frases. Todas a começar po eme. Quando nasceram as crianças, foi tempo de lhes dar um nome, agora era tempo de lhes dar palavras. Sem saber, contudo, ao certo se teriam tempo e vontade de as ler.
Antes de as escrever, pensou para si:
A imagem de autoritária
Pelos nomes dos netos querer escolher
Deu lugar a uma avó solidária
Cujo maior desejo era agora os seus netos mais vezes acolher.