sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Diário de Mariana

30 de setembro

Querido diário,

Hoje foi um dia em cheio. Vem aí a festa do Rosário e não vamos ter aulas na próxima segunda-feira. E na 4ª f, vai haver outro feriado. Devia ser assim todas as semanas. Assim dava mais tempo e não havia tanta correria.

Gostava de ser organizada como as minhas irmãs, mas tenho sempre coisas atrasadas. E acredita que me esforço, mas… olho para trabalhos que tenho para fazer e apetece-me é escrever-te, querido diário. Esta semana, vou ter mais tempo para estar contigo, mas a minha mãe já me disse que ia ver os meus cadernos e se eu tinha os trabalhos todos em dia. Vou tentar surpreendê-la, mas o melhor é não prometer nada.

Como estou contente por ir à festa do Rosário com a minha turma, pus uma fita vermelha no cabelo e dei um laço. Não sou muito dessas coisas, mas acho que ficava fixe e sentia-me bem. Quando ia para a aula, veio a Bea e disse-me que uma rapariga lhe contou que a prof dela tinha lido na aula uma página do meu diário. Não acredito, disse eu. É verdade, disse ela. Não fiquei a saber mais nada, mas se calhar foi o laço vermelho no cabelo que me deu sorte. Fiquei supercontente.

Espero que eu também te dê sorte, querido diário.

Um xi-coração.

Mariana

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Diário de Mariana

29 de setembro

Querido diário,

Às vezes, tenho vontade de espreitar a agenda da minha mãe. A minha mãe gosta de dizer “a minha moleskine”. Fui eu que lha ofereci e fico toda orgulhosa quando vejo a minha mãe a escrever nela ou a tomar algumas notas. Um dia, não resisti e abri a agenda ao calha para ler o que estava lá escrito. Parecia mesmo curiosidade mórbida. Vi logo um texto sobre um café a que a minha mãe deu o nome de Café da Magnólia Comecei a ler e, de repente, chegou a minha mãe e disse-me com ar de quem está mesmo zangada: Mariana, não posso acreditar; Mariana, tu tens o teu diário e eu nunca o abri e tens coragem de espreitar a minha moleskine? (Senti-me como se estivesse com um olho no buraco da fechadura). Ó mãe, disse eu, quando abri a tua moleskiiine (prolonguei a palavra como faz sempre a minha mãe), o Café da Magnólia chamou por mim e eu entrei. Mariana, ainda me disse a minha mãe, não te ponhas com ironias tolas.

Depois de jantar, a minha mãe chamou-me para junto dela e disse-me: Mariana, vou ler-te o que escrevi sobre o Café da Magnólia numa das viagens mais bonitas que fiz na minha vida a uma cidade americana. Via-se mesmo que tinha tanta vontade de falar da viagem que esqueceu a cena da moleskine. Fixe.

Enquanto eu ouvia ler o texto, as minhas irmãs estavam no computador. Têm sempre trabalhos para entregar, assuntos a estudar, mails para responder, artigos para ler… A minha mãe disse-me que no café da Magnólia toda a gente estava a estudar. Um dia, gostava de lá ir, mas se for, levo só o meu diário e já chega. Fogo.

Muitos xis, querido diário.

Mariana

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Os chapéus de Mrs Longshire

Gainsborough


Antes do casamento, ela quis que todas as divisões ficassem impecavelmente decoradas. O hall de entrada e a sala eram a menina dos seus olhos: com vista para o jardim de relva bem cortada e flores dispostas em pequenos canteiros: tulipas, narcisos, amores-perfeitos… Nenhuma planta seca podia existir. Nenhuma erva daninha podia ser vista. Nem folha amarelada sequer. Só no outono. A casa e o jardim tinham de ser perfeitos.

No hall de entrada, sobre uma mesa redonda, um bule e chávenas muito finas repousavam em tabuleiro com paisagem de corrida de cavalos e damas usando fantasiosos chapéus.

Na sala contígua, havia um piano no recanto preferido, bancos de veludo, canapé, chaise longue, estante com livros, reposteiros em mousseline… Uma tapeçaria cobria quase toda a parede e uma carpete da Índia acolhia o velho e sonolento labrador. No móvel envidraçado, brilhavam cristais ao lado da antiga loiça inglesa.

Instalados na casa, Mrs Longhsire exigia o máximo de ordem e repetia que o seu desejo seria sempre o querer do seu amado esposo. Por isso, ele partilharia do rigor na organização da casa. Seria interdito o ruído de vozes ou gargalhadas estridentes. Todo o cuidado deveria ser mantido com os objetos para preservar a silenciosa harmonia da mansão.

Ao lado do seu quarto, com cama de dossel, outro compartimento havia onde se arrumavam os chapéus. Em caixas redondas e aveludadas. Cada caixa tinha uma legenda e a ordem não podia ser alterada.

Logo pela manhã, Mrs Longshire dava um passeio a pé através do longo jardim, enquanto o marido ficava deitado a repousar mais um pouco. Mal a sua figura se ia tornando pequenina com a distância, Mr Longshire recebia as criadas do quarto com alegres gargalhadas. O seu momento preferido era quando experimentavam, histriónicas e teatrais, os chapéus de Mrs Longshire e se voltavam para ele, como se se vissem a um animado espelho.

Quando regressava do passeio, Mrs Longshire pedia um chá na sua chávena de biscuit. Sem antes se aproximar do quarto e dizer com voz suave: bom dia, meu amor. Já não estás só. Vem saborear a manhã e ajudar-me a escolher o chapéu que vou usar contigo logo à tarde.

Tema sugerido em Ateliê de escrita em Serralves, a partir de retrato de mulher.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Farturas com "açúcar e afeto"

Diário de Mariana

27 de setembro

Querido diário,

Hoje ia pelo corredor na escola e vi uma cena engraçada. O vidro do fundo do corredor é a toda a largura. Com o sol a brilhar lá fora, as pessoas que iam à minha frente pareciam sombras chinesas. Mais adiante, ia uma professora toda inclinada para o lado esquerdo como se fosse tortinha. Na mão, levava uma pasta que parecia cheia e uma carteira grande ao ombro também com volume. Tudo junto devia ser mesmo um “peso pesado”. E só de um lado. Coitada, até me fez impressão. Não era minha prof. mas apetecia-me mesmo ajudá-la. Mas não o fiz porque se os meus colegas me vissem, diziam logo que eu estava a dar graxa e eu ficava chateada.

Mas isto fez-me pensar, porque afinal sou carneira como muitos outros. E também não gosto de ser patinho feio porque de patinho feio quase ninguém gosta.

Oh, fogo, comecei a falar de sombras chinesas e parece que estou mesmo a fazer teatro. Que cena!

Muitos beijinhos, sei que de ti terei sempre aplausos.

Mariana

Diospiros (ou dióspiros) na árvore