domingo, 18 de setembro de 2011

A ESCOLHA DE CELSO

Era a primeira semana de aulas. A professora sugeriu aos alunos do 10º ano a escolha de uma palavra significativa para eles. A partir dela, encontrariam outras palavras, formando um acróstico.

A turma era simpática e tinha já revelado disponibilidade para o trabalho. A professora não era nova mas conservava um brilhozinho nos olhos quanto à Educação e ainda se emocionava de cada vez que via o filme O Clube dos Poetas mortos.

O trabalho na sala de aula estava a ser realizado em pares e os alunos discutiam a palavra que no momento ganhava para eles mais sentido. E escolheram: Verão, Férias, Praia, Outono, Recomeço, Escola, Amor, Amigos, Amizade... Faltava agora encontrar palavras ou frases, partindo das letras da palavra escolhida.

A professora ia circulando entre os alunos, ajudando-os a optar por nomes, adjectivos, aconselhando-os a não deixar, por exemplo, um advérbio isolado e perdido entre um grupo de desconhecidos.

Celso, porém, estava a fazer o trabalho sozinho. Na mesa à sua frente, duas miúdas riam, olhavam para trás, riam, voltavam a olhar…

Então, já fizeram o trabalho, perguntou a professora, aproximando-se deles. Estão a fazê-lo em conjunto? Elas disseram que não, voltando-se para a frente, sorrindo e cochichando.

Professora, murmurou Celso em voz baixa e em tom de confidência, tenho aqui uma palavra mas não sei se devo escolher outra. E entreabriu o caderno para que a professora a pudesse ler, resguardando-a dos olhares dos outros colegas. A palavra de Celso era Sexo.

As duas alunas voltavam-se para a frente e para trás, mas agora buscando a reação da professora que ia respondendo e sorrindo e pensando e lembrando que são inúmeras as palavras à nossa disposição, mas... Olhava os olhos de Celso com o caderno entreaberto e de sorriso expectante de adolescente entre o tímido e o ousado.

A professora refletia como tudo é natural e também complexo, corrigindo as palavras por ele escritas, tal como estava a fazer com os outros alunos.

Entretanto, Celso estava à procura de uma palavra que começasse pela letra X para completar o acróstico. Daí a nada, ele encontrou a solução e escreveu-a em silêncio, mantendo o caderno apenas entreaberto.

Os olhos de Celso tinham pouso dividido: tanto olhava para as duas colegas da frente como para a professora, a quem mostrou o trabalho completo com receio de o ver censurado perante a turma. E a solução por ele encontrada para a letra X lá estava: Xau, virgindade.

Texto publicado, há uns dois anos, no blogue Terrear.

Diário de Mariana

18 de setembro

Querido diário,

Hoje não me esqueci de pôr o mês com letra pequena, porque agora é assim com o Novo Acordo Ortográfico. E também se escreve os dias da semana com minúscula. Para mim é igual. Até acho piada e gasto menos tinta.

Ontem a minha mãe perguntou-me como tinha corrido o meu primeiro dia de aulas. Eu disse logo que as setoras não tinham mandado escrever nada no caderno. Se não, ia logo ver se estava tudo direito.

Como não me apetecia contar tudo (porque não me lembrava de muita coisa), desviei a conversa e disse: sabes, mãe, um dia mais tarde, gostava de fazer Erasmus. Ai, sim, respondeu ela, e onde? Sei lá, disse eu, fazendo de conta que não reparava no seu ar irónico, talvez em Itália, na Alemanha ou na Hungria. E continuou: Mariana, para fazer Erasmus é preciso crescer e estudar muito. Se conseguires, até pode ser. E disse ainda - porque a minha mãe, quando começa a mandar mensagens diretas ou indiretas, demora sempre mais um bocadinho: se um dia fores admitida, tens de te levantar cedo, cozinhar para ti, trabalhar como deve ser… E eu: ó mãe, então ontem não me levantei cedo? E sei cozinhar, até dizes que a minha massa é uma classe (fiz uma massa com a minha prima no verão e ficou superboa)… E a minha mãe: Mariana, acho muito bem que penses no futuro, mas não podes esquecer o presente. Tens de pensar é neste ano que agora começa e de estar com muita atenção nas aulas.

Pronto, o momento não era propício ao diálogo. A minha mãe estava virada para o monólogo.

Mas acho que gostava mesmo de ir fazer Erasmus. As minhas irmãs chegarem de surpresa, por exemplo, no dia dos meus anos e dizerem assim: sim senhor, muito bem, Mariana. E eu: Como veem, já não é preciso mandarem-me pentear o cabelo. E irmos as três ao restaurante e ser eu a pedir a comida na língua do país e elas a olhar uma para a outra como se eu já não fosse “a pequenita”… Não sei é quem pagava a conta…

A minha mãe está a chamar-me. É sempre assim Nunca tenho tempo para sonhar!!!

Até sempre, querido diário.

Mariana

sábado, 17 de setembro de 2011

Diário de Mariana

17 de Setembro

Querido diário,

Tive a minha primeira aula. A professora pareceu-me gostar da turma. Durante a aula de apresentação, a porta do monobloco estava sempre a fechar. E nós a morrer de calor. Ou era pelas dobradiças estarem a funcionar mal, ou então eram engraçadinhos que passavam no corredor e resolviam fechar as portas. Eles sabiam que havia um único funcionário no 1º piso dos monoblocos e podiam chatear mais à vontade.

A professora pareceu-me ter paciência e quando a porta fechava, ela abria-a outra vez porque estávamos todos a suar e ela também.

Depois de ter dito muita coisa – que eu por acaso não apontei, porque, como já te disse, fico meio aérea a olhar para os profes no primeiro dia de aulas – perguntou-nos se tínhamos facebook. Só eu e mais dois e a setora é que não. A setora disse que tinha blogue mas não deu o endereço. Se calhar, porque ninguém lhe perguntou. Um aluno do fundo, que parece mais velho do que nós, disse assim: Blogue? Aquilo onde muitos dizem que estão apaixonados e quando se zangam dizem que estão tristes? Eu não gosto disso. A prof. respondeu que não era nada disso. Como ele parecia não ouvir ninguém, a prof disse que o melhor era passarem a outro assunto. Por acaso não me lembro qual foi mas sei que escrevi no caderno.

Vou ver se na próxima aula estou com mais atenção, mas não sei se consigo, porque é tudo tão diferente. Não sei como a Bea consegue estar sempre atenta. Fogo.

Até amanhã, querido diário.

Mariana

Dia ganho/tempo perdido...


Às vezes, perante algumas pessoas, apetece-me dizer: já ganhei o dia. Foi o que me aconteceu hoje pela manhã. Andava eu nos meus afazeres domésticos, olho para a televisão e vejo o João Gil a ser entrevistado. Apesar de não conhecer profundamente as suas músicas, reconheço muitas canções suas - como muita gente, aliás, porque é grande a sua criatividade. Parece inspirar-se em momentos comuns da vida dos cidadãos também comuns. Fá-lo em beleza, na minha opinião. Para além disso, revela uma visão serena e construtiva da vida.

João Gil tinha sido convidado para dar a sua opinião sobre a atualidade. Antes de entrar no tema, agradeceu o facto de assim poder falar por tanta gente que não tem oportunidade de dizer o que pensa. De facto, em muitos debates e programas dos meios de comunicação social, os rostos repetem-se, sendo previsíveis os pontos de vista das pessoas que estão sempre a aparecer. Muitas vezes, insistem um pouco mais no mesmo, escondendo o que é essencial.

A perceção que eu tive de que aquela pessoa – João Gil – era uma mais-valia para o meu dia não ocorre quando vejo a maioria dos políticos e muitos comentadores. Embora, tal como Narciso, eles olhem as águas, deliciando-se com a imagem que veem refletida.

Em vez de olharem para os outros e de compreenderem que também têm voz.

Também são belas as pequenas flores