Infelizmente sou como muitas pessoas que se queixam da falta de tempo. Porém, há quem o saiba aproveitar. Felizmente.
Havia duas vizinhas que viviam numa aldeia: a senhora Margarida e a senhora Floripes. A senhora Margarida tinha um jardim com muitas flores. Sabia o nome de quase todas. Conhecia-as e falava-lhes porque, para ela, as flores eram amigas que precisavam de água, de boas palavras e de companhia para mostrarem toda a sua beleza.
À frente da casa da senhora Margarida, morava a senhora Floripes que também gostava muito de flores. Regalava-se a observá-las mas não arranjava tempo para cuidar delas.
A senhora Margarida levantava-se cedinho para regar o jardim, tirar as ervas daninhas, mudar as plantas de sítio quando pressentia que elas não gostavam do lugar e muito mais fazia, porque as flores, tal como as pessoas, não são todas iguais.
A senhora Floripes, por sua vez, quase nunca arranjava tempo para o jardim. Ou porque acordava tarde, ou porque estava a dar um programa na televisão que ela não queria perder, ou porque estava cansada, ou porque lhe doía a cabeça, ou porque andava desanimada, ou porque tinha chovido e a terra estava molhada…
Todos os dias a senhora Floripes olhava para as flores da senhora Margarida e queixava-se de não ter plantas assim. Que lindas! Tantas cores! Que perfeição. Até aqui se sente o perfume!
Um dia, a senhora Floripes disse à senhora Margarida que lhe invejava a sorte porque as flores se davam muito bem no seu jardim que não se cansava de admirar. Só ela, a senhora Floripes, não tinha sorte nenhuma porque gostava tanto de flores e elas pareciam não gostar dela. E acrescentava que tinha flor no nome e nem assim o jardim floria.
Quando precisava de flores, a senhora Floripes batia ao portão da senhora Margarida para lhe pedir um raminho de rosas, de margaridas, de lírios, de cravos, de sécias...
- Bom dia, senhora Margarida, pode arranjar-me um raminho de flores? Hoje chega o meu filho e não tenho nada para pôr nas jarras. E, já agora, um raminho de salsa e umas folhinhas de loureiro?
E a senhora Margarida lá lhe apanhava flores e as plantas fresquinhas e aromáticas. E ainda lhe desejava saúde para ela e para o filho que trabalhava no estrangeiro.
Um dia, a senhora Floripes pôs-se à janela, porque gostava muito de ver e de saber o que se passava na rua. Debruçava-se e estava ali horas rodando os olhos para um lado e para o outro à procura de novidades ou para confirmar as suas impressões.
As pessoas que passavam diziam-lhe bom-dia ou boa-tarde e paravam um bocadinho a conversar. Era uma maneira de ela saber quem estava doente, quem tinha morrido, quem se tinha zangado e com quem, quem começara a namorar, quem tinha acabado o namoro, quem engravidara, etc.
Um dia, como durante um bom bocado não passava ninguém, a senhora Floripes começou a olhar para o jardim da senhora Margarida e a lamentar, como sempre, não ter flores assim fresquinhas e bonitas.
Foi quando apareceu no jardim a senhora Margarida que andava sempre a lidar para ter tudo organizado e evitar correrias que não deixam fazer as coisas bem feitinhas. Viu a vizinha, acenou-lhe e disse-lhe bom-dia com um sorriso.
A senhora Floripes aproveitou a oportunidade para comunicar.
- Estava a olhar para as suas flores. Estão cada vez mais bonitas. Eu gostava era de ter tempo para tratar delas como a senhora Margarida.
A senhora Margarida continuou a regar as rosas e, como tinha bastante sabedoria, resolveu nada dizer, porque às vezes o silêncio vale mais do que mil flores. Para mais, olhou a janela da senhora Floripes e pareceu-lhe ver uma carochinha triste e desalentada.
Ou seria uma cigarra em eterna crise?