A propósito do título do último livro de Manuel Maria, partilho aqui o poema 'O Quinto Império' da MENSAGEM, de Fernando Pessoa, e que foi também referido por Vítor Oliveira, na apresentação do romance.
'Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
Um poema que já conhecia mas nunca é demais reler.
ResponderEliminarAbraço, saúde e feliz Novembro
A MENSAGEM de Fernando Pessoa tem poemas maravilhosos.
ResponderEliminarUm grande beijinho
Um poema excecional! Versos de um Pessoa que, na subdivisão “Os Símbolos” da terceira parte - intitulada “O Encoberto” - dessa epopeia moderna intitulada 'Mensagem' (1934), propõe uma versão reconfigurada do mito: dos impérios que se foram; do rei que morreu, sem possibilidade de retorno, e se reconstrói como Encoberto; da verdade que se prefigura num tempo, num contexto e numa realidade bem distinta de Vieira. Compõe-se, assim, o desafio, a incitação, o estímulo ao futuro. Se a verdade de D. Sebastião é loucura, ambição, insatisfação, inconformismo, interpelação, sonho (com tudo o que de liberdade, fraternidade e igualdade significam), veja-se na interrogação final o convite à ação que se quer presente, rumo ao futuro e ao “Quinto Império”.
ResponderEliminarAgostinho da Silva, uma vez questionado sobre o Quinto Império, reconhecia-o como uma reflexão não sobre ciências exatas, mas de fé; daí assumir que acreditava “no Quinto Império, porque senão o ato de viver seria inútil.” Acrescentava, porém, que admitia um império sem os clássicos imperadores, sem opressão, nem violência, sem base em terra / propriedade, porque esta escraviza. Só não a ter nos torna livres. Destacava-se, assim, uma visão de mundo humanista: um império que leve aos povos do mundo uma filosofia capaz de abranger a liberdade e a espiritualidade. A matéria é vã; o sentido espiritual perpassa no tempo. "Não é tudo isto verdade?"
Beijinho.
Obrigada, Vítor, por esta lição sobre o Quinto Império, ideia que nem sempre é fácil de entender nem de explicar, porque quando se fala de império, logo se pensa em posse e domínio de território. O Quinto Império ser de natureza espiritual, de liberdade e humanidade implicaria modernidade e um bom rumo para o futuro.
EliminarAs cinco palavras da pergunta final deste teu excelente comentário, com as quais concluíste também a tua apresentação do romance Quinto Império, escritas pelo Padre António Vieira, deram - para quem não sabe - origem ao livro anterior do Manuel Maria.
Realmente o número cinco é recorrente no autor, o que é curioso, por em muitos casos acontecer naturalmente.
Um abraço, Vítor, e obrigada, mais uma vez.
Tão morto está D. Sebastião e ainda hoje há quem o espere. E era imberbe e irresponsável, o garoto. Que Deus o tenha.
ResponderEliminarMas a Mensagem tem poemas cuja beleza advém da profundidade poética conseguida. Em Fernando Pessoa tudo é em simultâneo uma coisa e a outra.
Também gosto Mariana desta escolha poética! Bj
ResponderEliminarQue bom, Gracinha, fico contente.
EliminarUm beijinho e uma noite descansada.
Quando se espera um salvador da pátria, está tudo estragado. Mas como na grande obra que é a Mensagem (apesar de ser um livro pequeno), quase tudo é simbólico, o pobre D.Sebastião vale pelo que poderia representar.
ResponderEliminarOxalá haja cada vez menos quem queira ser ou receber o D. Sebastião. Que se fique no seu nevoeiro porque o mito até é engraçado.
Neste poema, o que me agrada é a procura de sentidos que valorizem a vida.
Fernando Pessoa sempre foi sebastianista. No final do seu poema à memória do presidente-rei Sidónio Pais, escreve:
ResponderEliminarE no ar de bruma que estremece
(Clarim longínquo matinal!)
O DESEJADO enfim regresse
A Portugal!
Era um período político muito conturbado aquele que se viveu após a implantação da República em 1910, na I República, depois na Ditadura Militar entre 1926 e 1933 e por fim no Estado Novo e propício a sentimentos em busca de um patriotismo perdido e de uma ressurreição de um passado heróico.
Obrigado e muito bom dia Maria Dolores.
Boa noite, Joaquim
EliminarSim, devia ser um período muito conturbado, mas julgo que F.P. não era a favor de novas conquistas materiais, para recuperar o heroísmo do passado. A conquista e heroicidade, desta vez, eram de índole espiritual e cultural.
Bom descanso, Joaquim, e que o dia de amanhã seja tão bom ou melhor do que o dia de hoje.
Um poema lindíssimo que já conhecia mas que nunca me canso de reler.
ResponderEliminar.
Deixando cumprimentos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Sim, as coisas belas não cansam facilmente.
EliminarUma boa noite