terça-feira, 2 de novembro de 2021

'O QUINTO IMPÉRIO'

 

A propósito do título do último livro de Manuel Maria, partilho aqui o poema 'O Quinto Império' da MENSAGEM, de Fernando Pessoa, e que foi também referido por Vítor Oliveira, na apresentação do romance.


'Triste de quem vive em casa,

Contente com o seu lar,

Sem que um sonho, no erguer de asa,

Faça até mais rubra a brasa

Da lareira a abandonar!

 

Triste de quem é feliz!

Vive porque a vida dura.

Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz —

Ter por vida a sepultura.

 

Eras sobre eras se somem

No tempo que em eras vem.

Ser descontente é ser homem.

Que as forças cegas se domem

Pela visão que a alma tem!

 

E assim, passados os quatro

Tempos do ser que sonhou,

A terra será teatro

Do dia claro, que no atro

Da erma noite começou.

 

Grécia, Roma, Cristandade,

Europa — os quatro se vão

Para onde vai toda idade.

Quem vem viver a verdade

Que morreu D. Sebastião?

21-2-1933

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).

 

12 comentários:

  1. Um poema que já conhecia mas nunca é demais reler.
    Abraço, saúde e feliz Novembro

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  2. A MENSAGEM de Fernando Pessoa tem poemas maravilhosos.
    Um grande beijinho

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  3. Um poema excecional! Versos de um Pessoa que, na subdivisão “Os Símbolos” da terceira parte - intitulada “O Encoberto” - dessa epopeia moderna intitulada 'Mensagem' (1934), propõe uma versão reconfigurada do mito: dos impérios que se foram; do rei que morreu, sem possibilidade de retorno, e se reconstrói como Encoberto; da verdade que se prefigura num tempo, num contexto e numa realidade bem distinta de Vieira. Compõe-se, assim, o desafio, a incitação, o estímulo ao futuro. Se a verdade de D. Sebastião é loucura, ambição, insatisfação, inconformismo, interpelação, sonho (com tudo o que de liberdade, fraternidade e igualdade significam), veja-se na interrogação final o convite à ação que se quer presente, rumo ao futuro e ao “Quinto Império”.
    Agostinho da Silva, uma vez questionado sobre o Quinto Império, reconhecia-o como uma reflexão não sobre ciências exatas, mas de fé; daí assumir que acreditava “no Quinto Império, porque senão o ato de viver seria inútil.” Acrescentava, porém, que admitia um império sem os clássicos imperadores, sem opressão, nem violência, sem base em terra / propriedade, porque esta escraviza. Só não a ter nos torna livres. Destacava-se, assim, uma visão de mundo humanista: um império que leve aos povos do mundo uma filosofia capaz de abranger a liberdade e a espiritualidade. A matéria é vã; o sentido espiritual perpassa no tempo. "Não é tudo isto verdade?"
    Beijinho.

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    1. Obrigada, Vítor, por esta lição sobre o Quinto Império, ideia que nem sempre é fácil de entender nem de explicar, porque quando se fala de império, logo se pensa em posse e domínio de território. O Quinto Império ser de natureza espiritual, de liberdade e humanidade implicaria modernidade e um bom rumo para o futuro.
      As cinco palavras da pergunta final deste teu excelente comentário, com as quais concluíste também a tua apresentação do romance Quinto Império, escritas pelo Padre António Vieira, deram - para quem não sabe - origem ao livro anterior do Manuel Maria.
      Realmente o número cinco é recorrente no autor, o que é curioso, por em muitos casos acontecer naturalmente.
      Um abraço, Vítor, e obrigada, mais uma vez.

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  4. Tão morto está D. Sebastião e ainda hoje há quem o espere. E era imberbe e irresponsável, o garoto. Que Deus o tenha.
    Mas a Mensagem tem poemas cuja beleza advém da profundidade poética conseguida. Em Fernando Pessoa tudo é em simultâneo uma coisa e a outra.

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  5. Também gosto Mariana desta escolha poética! Bj

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    1. Que bom, Gracinha, fico contente.
      Um beijinho e uma noite descansada.

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  6. Quando se espera um salvador da pátria, está tudo estragado. Mas como na grande obra que é a Mensagem (apesar de ser um livro pequeno), quase tudo é simbólico, o pobre D.Sebastião vale pelo que poderia representar.
    Oxalá haja cada vez menos quem queira ser ou receber o D. Sebastião. Que se fique no seu nevoeiro porque o mito até é engraçado.
    Neste poema, o que me agrada é a procura de sentidos que valorizem a vida.

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  7. Fernando Pessoa sempre foi sebastianista. No final do seu poema à memória do presidente-rei Sidónio Pais, escreve:

    E no ar de bruma que estremece
    (Clarim longínquo matinal!)
    O DESEJADO enfim regresse
    A Portugal!

    Era um período político muito conturbado aquele que se viveu após a implantação da República em 1910, na I República, depois na Ditadura Militar entre 1926 e 1933 e por fim no Estado Novo e propício a sentimentos em busca de um patriotismo perdido e de uma ressurreição de um passado heróico.
    Obrigado e muito bom dia Maria Dolores.

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    1. Boa noite, Joaquim
      Sim, devia ser um período muito conturbado, mas julgo que F.P. não era a favor de novas conquistas materiais, para recuperar o heroísmo do passado. A conquista e heroicidade, desta vez, eram de índole espiritual e cultural.
      Bom descanso, Joaquim, e que o dia de amanhã seja tão bom ou melhor do que o dia de hoje.

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  8. Um poema lindíssimo que já conhecia mas que nunca me canso de reler.
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    Deixando cumprimentos
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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