Depois da escola, a minha neta pediu-me que fôssemos ao parque. Como o pedido foi surpresa e pensei que vínhamos para casa, não lhe levei o reforço do lanche, embora saiba que vem sempre esfomeada. Fomos e, chegada ao pequeno parque (playground), deparei com um grupo de mães, muito divertidas, umas usando o hijab, outras vestidas à ocidental, mães de meninos da turma da minha neta que partilhavam gelados bem apetitosos em dia quente. Uma delas disse-me simpaticamente que já sabia pela filha que eu chegara de Portugal. Enquanto eu ia respondendo, sentia o desconforto de não ter nada para repartir e, a partir desse dia, passei a levar o lanche e alguns frutos para partilhar.
Como o grupo de
mães era extrovertido e o grau de compreensão do meu inglês é
reduzido, sentei-me num banco ao lado que estava vazio. Fi-lo não só por saber que era a única
avó, mas por não as conhecer como todas se conheciam, o que me impedia de ter um diálogo assim divertido e hilariante. Se é que consigo tê-lo mesmo em língua materna!
No parque estavam duas meninas também dos primeiros anos da primária. Uma acreditava que era fada - a fada arco-íris - a outra queria ter sucesso nos estudos porque só assim conseguiria entrar na escola do Harry Potter. Eram as duas boas alunas, gostavam de ir ao parque depois das aulas, de correr, de cantar e de fazer tudo o que achavam divertido.
Com o decorrer do tempo, iam-se transformando, mas a convicção de que uma era fada e a outra iria para a escola de Harry Potter é que não mudava.
Um dia, numa aula, a professora referiu a distinção entre realidade e ficção, dizendo que, por exemplo, o mundo de Harry Potter era imaginário. Não existia na realidade. A menina que fazia o melhor que podia para um dia poder frequentar a escola do seu ídolo não podia crer no que ouvia. Foi como se o coração lhe caísse aos pés. Ficou séria e triste e teve de conter as lágrimas para não começar a chorar.
No recreio, desabafou logo com a amiguinha que se julgava fada, convencida de que a professora se enganara. A escola de Harry Potter existia, sim. Não tinha dúvidas. Achava que os adultos, apesar de conhecerem muita coisa, desconheciam muitas mais. A outra menina - a menina fada - segurou-lhe na mão e disse baixinho porque seria o segredo de ambas:
- Deixa lá, como sou fada, se a escola do Harry Potter for imaginária como disse a professora, vou torná-la real e assim já podes ir para lá.
Passados uns segundos, ouviu-se mais uma gargalhada de uma das mães, mas não era sobre a conversa das meninas, porque ninguém a ouviu e, nessa altura, já andavam, felizes, de baloiço com outros meninos.